Acórdão nº 210/18 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 210/2018

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 4335 com verso), ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão daquele Tribunal da Relação de 12 de julho de 2017 (cfr. fls. 4239 a 4322) que rejeitou o recurso intercalar interposto pelo arguido, ora recorrente, e negou provimento ao recurso interposto pelo mesmo arguido relativamente ao acórdão condenatório proferido em 1ª instância, confirmando-o.

2. Nos autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 140/2018 (cfr. fls. 4352-4370), na qual se decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC – por se entender tratar-se de uma questão simples que já foi objeto de decisão anterior deste Tribunal –, não julgar inconstitucional a norma (dimensão normativa) sindicada, reportada ao artigo 363.º do Código de Processo Penal (CPP), com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«II – Fundamentação

4. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o acórdão do TRC de 12 de julho de 2017 que rejeitou o recurso intercalar interposto pelo arguido, ora recorrente, e negou provimento ao recurso interposto pelo mesmo arguido relativamente ao acórdão condenatório proferido em 1ª instância.

Do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (supra transcrito em I-2.) resulta que o recorrente pretende ver apreciada a «inconstitucionalidade material da norma do artº 363º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o prazo para a arguição da nulidade aí estabelecida, em caso de recurso, é de 10 dias a contar da data em que a cópia da gravação seja entregue ao arguido, na medida em que tal entendimento viola preceitos constitucionais, designadamente do acesso à Justiça, do Direito de Defesa, bem como o da proporcionalidade, restringindo o alcance do disposto no referido artigo.» Isto, porquanto, segundo o recorrente, «não é aceitável que, tendo o arguido um prazo de 30 dias para elaborar um recurso, tenha de ter a respectiva estrutura definida mesmo antes de saber qual a decisão que resultará no final do julgamento, como resulta do douto acórdão recorrido. Com tal interpretação limitam-se direitos fundamentais do cidadão, que é arguido, corno sejam o direito de defesa - art° 32° n.º 1, direito de acesso a Justiça – art.º 20 n.º 1, direito a Justiça efectiva - art° 18° nºs 1 e 2, todos da Constituição da República Portuguesa

5. Cumpre proceder ao enquadramento da questão colocada.

O recorrente veio arguir, em sede de alegações de recurso para o TRC, a nulidade da prova testemunhal produzida em julgamento por impossibilidade de audição da gravação dos depoimentos de duas testemunhas, invocando a violação dos seus direitos de defesa, designadamente o direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo facto de se mostrar impedido de demonstrar as contradições com o depoimento de uma co-arguida e, bem assim, de cumprir o ónus de especificação previsto no artigo 412.º do Código de Processo Penal (CPP) no âmbito do recurso por si interposto, solicitando a nulidade do julgamento por inaudibilidade da prova gravada.

A nulidade em causa mostra-se prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal, que assim dispõe (na redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto):

«Artigo 363.º

Documentação de declarações orais

As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.»

Sustentou então o recorrente que a arguição da nulidade prevista no artigo 363.º do CPP devia ser feita no âmbito do recurso para o Tribunal da Relação e não no prazo de dez dias a contar da entrega dos suportes técnicos da gravação (cfr. Alegações de Recurso para o TRC, X - «DA NULIDADE DA PRODUÇÃO DA PROVA E DA PROVA GRAVADA», fls. 4112-4153, fls. 4140) e invocou a violação dos seus direitos de defesa, em especial do direito ao recurso, que considera prejudicado pela impossibilidade de cumprimento do ónus de especificação no recurso da matéria de facto (cfr. idem, em especial fls. 4140 e 4142).

Ora, tendo o recorrente suscitado a nulidade prevista no artigo 363.º, do CPP (por inaudibilidade da gravação de depoimentos das testemunhas) em sede de recurso da decisão de 1ª instância, o TRC, no acórdão proferido em 12/07/2017, ora recorrido, entendeu perfilhar entendimento diverso quanto ao regime de arguição da nulidade, seguindo o entendimento já adotado no Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 13/2014 (publicado no Diário da República n.º 183, I Série, de 23/09/2014), nos termos do qual «a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada» (cfr. Acórdão ora recorrido, fls. 4307-4313, fls. 4311-4312).

Assim, concluíram os Juízes Desembargadores que, não tendo o arguido suscitado a nulidade prevista no artigo 363.º do CPP perante o Tribunal de 1ª instância no prazo referido, a mesma deveria considerar-se sanada (cfr. Acórdão ora recorrido, fls. 4307-4313).

E, não obstante a enunciação da questão de constitucionalidade pelo recorrente apenas se limitar à invocação dos seus direitos de defesa (em especial, o direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP), justificada pelo prejuízo causado ao exercício do seu direito ao recurso em matéria de facto, certo é que o TRC não deixa de ponderar e decidir a questão, concluindo pela não ocorrência de desconformidade com a Constituição.

Assim ponderou o TRC, no acórdão ora recorrido (cfr. fls. 4311-4313):

«Prescreve o artigo 363° do Código de Processo Penal, na sua actual redacção, que «as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade». Daqui resulta que em todos os casos é obrigatória a documentação das declarações orais prestadas em audiência, sob pena dessa invalidade.

A previsão legal da norma em causa assenta na situação extrema em que falta absolutamente a documentação dessas declarações na acta. Mas, em nosso entendimento, a invalidade decretada pela sua estatuição deve também abranger por argumento de identidade de razão - os casos em que, muito embora essa documentação exista, ela padeça de vícios ou deficiências que afectem de forma essencial a validade do acto exigido, sob pena de nulidade. Não vislumbramos diferenças de fundo entre a inexistência do acto e a sua invalidade essencial, prejudicial relativamente à sua teleologia.

No entanto, nos termos da doutrina traçada pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2014, proferido no processo n° 419/11.1TAFAF.G-A.S1, publicado no DR, I, de 23/9/2014:

«A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.° do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada.»

Resulta do disposto no art.º 445°, 3, do CPP, que «a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão».

Porque o ora recorrente não suscitou a nulidade em causa no prazo geral de 10 dias, perante o tribunal de la instância, tem de se considerar que a mesma se mostra sanada, pelas razões citadas no referido acórdão uniformizador de jurisprudência, com cuja doutrina concordamos, remetendo assim, a fundamentação, no mais, para o seu texto.

Porque o recorrente sempre poderia ter procedido à arguição dessa nulidade, nos termos legais, perante o tribunal de primeira instância, sendo-lhe depois lícito recorrer da decisão que recaísse sobre tal requerimento, não podemos falar em - nem ocorre - violação do art ° 32.º, 1, CRP, pois que desse modo poderia exercer todas as suas garantias de defesa; não pode é deixar precludir os seus direitos, não arguindo as invalidades processuais, no prazo e perante a entidade competente.

A...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT