Acórdão nº 212/18 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 212/2018

Processo n.º 34/18

3ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. foi condenado em 1ª instância pela prática, como autor material, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão e dois de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 7, do CP, na pena de cinco anos de prisão, por cada um dos crimes, tendo ficado condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de sete anos de prisão.

O arguido recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 27 de setembro de 2017, negou provimento ao recurso.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual não foi admitido, com fundamento noa artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP.

O arguido apresentou reclamação para a conferência, a qual foi desatendida, por acórdão de 13/12/2017.

2. Veio então o arguido interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em requerimento com o seguinte teor:

“(...)

I – DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO DO RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

a) Da violação do art.º 20.º, n.ºs 1., 2, 4 e 5, do art.º 29.º, n.º 6 e do art.º 2.º da Constituição

No Despacho do Tribunal da Relação de Lisboa de recusa do Recurso e na Decisão do Presidente do Supremo Tribunal da Justiça, foi aplicado o art.º 400.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, com fundamento que haveria uma confirmação plena da decisão da Decisão de Primeira Instância peia Relação, sendo a pena aplicada inferior a 8 anos – uma vez que o Arguido foi condenado a 7 anos de prisão.

Ora, conforme arguido na Reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa do art.º 400.º, n.º 1, al. f) em conjunto com o Regime Penal de Jovens Assim, é violador da Constituição, máxime dos art.º 20.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, do art.º 29.º, n.º 6 e do art.º 2.º, ao aplicar aquele artigo com um conteúdo normativo que impossibilita ao Arguido recorrer quando haja lugar a uma condenação em mais de 8 anos, mas que seja inferior a 8 anos por força da aplicação do cúmulo jurídico, uma vez que desconsidera o facto de haver uma atenuação especial em função da idade – isto é, o Arguido, se não fosse Jovem, teria provavelmente sido condenado a uma pena muito superior a 8 (oito) anos, podendo, assim, fazer uso do seu direito a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Contudo, nos termos aplicados, acaba por haver uma diminuição ex lege da pena, mas que diminui o direito de defesa do Arguido, não em função da gravidade ou importância do processo, mas apenas e só em função da idade, uma vez que a interpretação feita àquele normativo não se adequa a um regime que visa potenciar a reinserção dos jovens condenados, acabando, isso sim, por impossibilitar o uso de um recurso essencial para a boa aplicação do direito.

II - DA DECISÃO DE CONDENAÇÃO DO ARGUIDO

O Arguido foi condenado em Primeira Instância por 3 crimes, um de abuso de crianças e dois de violação agravada. Esta decisão foi confirmada, na íntegra, pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa.

Contudo, esta decisão consagra interpretações normativas contrárias à Constituição, que foram devidamente suscitadas no Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja junção desde já se requer.

a) Da violação do art.º 29.º, n.º 5 da Constituição

O Tribunal da Primeira Instância, e o Tribunal da Relação de Lisboa, condenaram duplamente o Arguido pelo mesmo crime – numa violação clara do princípio do ne bis in idem, condena-o duas vezes por violação: uma pelos atos por si praticados, uma pelos atos praticados por André Couto, menor inimputável. Ou seja, além de ignorar a lei, os Acórdãos recorridos acabam por desrespeitar a Constituição, ao defenderem a contrario que os art.ºs 164.º e 177.º podem ser aplicados no sentido de o Arguido ser condenado duas vezes pela prática do mesmo crime, em clara violação do art.º 29.º, n.º 5 da Constituição.

Isto porque nos presentes autos, as decisões judiciais ignoram o facto de, desde a aprovação da Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, o art.º 177.º, n.º 4 do CP prever uma agravação quando os crimes de violação sejam cometidos conjuntamente por duas ou mais pessoas. Ora, encontramo-nos aqui, assim, perante um dilema. Vejamos:

Se seguirmos a teoria perfilhada nos acórdãos agora recorridos, a agravação do art.º 177.º, n.º 4 do CP é sempre inaplicável, porque sempre que a de violação seja praticada por mais do que um agente, multiplica-se em tantos crimes quanto o número de agente – ou seja, não é possível aplicar esta agravação, porque nunca o crime chega a ser cometido conjuntamente

Ora, a verdade é que o dispositivo mencionado prevê, como agravante, a prática de um crime de violação cometido por dois ou mais agentes em simultâneo. Isso quer dizer que, quando ocorram fenómenos de violação em grupo o ato não pode ser apenas qualificado como um crime “normal”, mas antes como um ato especialmente gravoso. Tal facto não isenta nenhum dos agentes, uma vez que todos eles, em co-autoria efetiva, o praticaram, merecendo uma especial censura. Esta solução permite, assim, condenar de forma gravosa todos, sem necessitar de considerandos sofisticados sobre co-autoria moral ou emocional – a verdade é que a violação (em múltiplas cópulas ou coitos orais ou vaginais) decorre de um contexto unitário, de subjugação da vítima à autossatisfação sexual dos agentes.

Esta agravação deveria ter sido aplicada nos presentes autos! Não o foi!

Na verdade, os Tribunais decidiram, antes, condenar o Arguido não pela atuação unitária, mas antes por cada uma das cópulas, razão pela qual se encontra violado o dispositivo constitucional supra mencionado.

b) Da violação do art.º 32.º, n.º 2 da Constituição

Nos presentes autos, nomeadamente no Acórdão do Tribunal de Primeira Instância, que não mereceu reparos por parte do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido que o Arguido teria de confessar para beneficiar e que este deveria ter confessado os factos – ou seja, o Tribunal interpretou as regras de defesa do CPP – máxime, o art.º 343.º do CPP, como não sendo importantes ou como um momento de auto-imolação, onde o Arguido, mais do que exercer o seu direito de defesa do art.º 32.º, n.º 1 da Constituição e beneficiar da presunção de inocência do art.º 32.º, n.º 2 da Constituição, deveria confessar os factos de que é acusado, para não ser penalizado. Em suma, a interpretação normativa dada pelo Tribunal às normas (maxime, o art.º 343.º do CPP) relativas à defesa do Arguido viola de forma gritante aqueles preceitos constitucionais.

c) Da violação do art.º 13.º da Constituição

Na decisão sub judice, em Tribunal de Primeira Instância, a qualificação dos atos, de acordo com as regras do Código Penal (máxime, art.º ...,) foram feitas de forma discriminatória, uma vez que o Acórdão em causa definiu em vários momentos a aplicação da norma segundo comportamentos e juízos de facto sobre o Arguido que, claramente, estavam pejados de um teor discriminatório – assim, ao mencionar a personalidade do Arguido para quantificação da culpa, o Tribunal não se coibiu de o comparar a um chimpanzé a atirar bananas de uma jaula (ora, tendo em conta que, como também é frisado na sentença, o Arguido tem origem guineense, sendo o que se poderia chamar de “raça negra”, é fácil concluir que a interpretação dos factos em causa e a aplicação das normas legais foram feitas com especial enfoque na origem e “raça” do Arguido, o que viola claramente o art.º 13.º da Constituição).

Assim, deve considerar-se que as decisões emitidas em juízo devem ser corrigidas por V. Ex.ªs, tendo em conta que aplicaram o art.º 199.º, n.º 2, al. a), art.º 171.º, n.ºs 1 e 2, art.º 164.º, n.º 1, al. a), art.º 177.º, n.º 7, art.º 77.º, n.º 1, todos do Código Penal, no sentido de os crimes aí previstos poderem ser agravados por força da origem ou raça do Arguido, em clara violação do art.º 13.º da Constituição.

d) Da violação do art.º 16 da Constituição

Como refere o n.º 2 do art.º 16 da Constituição, os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Neste sentido, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é bastante claro ao determinar que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativamente e publicamente, num prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial, o qual decidirá do fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

Neste sentido, no julgamento realizado tanto o arguido como a única testemunha presente na prática dos crimes afirmaram por diversas vezes que a ofendida tinha dito que disponha de uma idade superior e ao mesmo tempo não aparentara ter a idade que de facto tinha. Algo que o Tribunal desconsiderou, feita fé apenas na palavra de uma das testemunhas de acusação, sem ser feita uma consulta à um perito que melhor pudesse apurar a verdade dos factos e exprimir a idade biológica que a vitima possivelmente teria.

Portanto, verifica-se que o julgamento foi totalmente parcial, não tendo sido efetuadas perícias necessárias colocando e retirando a possibilidade de a defesa apresentar os factos em condições idênticas às apresentadas pela acusação.

Para além do emanado, o artigo 14.º n.º...

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