Acórdão nº 216/18 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 216/2018

Processo n.º 21/18

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 339-342), com fundamento na alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (LTC), do Acórdão daquele Tribunal da Relação de 11 de maio de 2016 (cfr. fls. 329-334 com verso) que julgou improcedente o recurso interposto da decisão proferida, em primeira instância, em 15 de julho de 2015, que o condenara na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (cfr. decisão do TRE ora recorrida, a fls. 329).

2. O requerimento de interposição de recurso para este Tribunal tem o seguinte teor (cfr. fls. 339-342):

«A., recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificado, tendo sido notificado do Acórdão proferido por esse Colendo Tribunal, inconformado, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

1 - O presente recurso é interposto ao abrigo da al. f) do n.º 1 do Art°. 70° da Lei n°. 28/82 de 15 de Novembro na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 85/89 de 07 de Setembro e pela Lei n°. 13-A/1998 de 26 de Fevereiro.

2- Pretende o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da interpretação dada pelas Instâncias, quanto ao disposto nos Art.ºs 1º do Código Penal, 374º n.º 2 do CPP e Artº. 18° da Constituição da República.

3 - O recorrente interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, por entender ser a decisão nula, por o Tribunal recorrido fundamentar a sua decisão em fundamentos factuais que não deu como provados e, por outro lado, por entender que os factos imputados não consubstanciam crime mas antes contra ordenação.

4 - O recurso foi, porém, julgado improcedente pelo Tribunal da Relação, por ser seu entendimento serem improcedentes e, diga-se, de forma direta e sem rodeios, descabidas as alegações do recorrente.

5- É certo que o arguido não alegou ao longo da sua peça recursória a inconstitucionalidade, todavia, não lhe era previsível nem imposto que pudesse adivinhar que o Tribunal iria dar às normas invocadas o sentido que deu.

6- A tese sufragada pelo Tribunal recorrido traduz uma interpretação que, a nosso ver gera a inconstitucionalidade, quer do Art.º 1 do Código Penal, quer do Art.º 374.º N°. 2, do Código do Processo Penal, por violação do n.º 2 dos Art°.s 18° e n.º 5 do Art° 32° da Lei Fundamental.

7 - Com efeito, desde logo, importaria de forma exaustiva aferir se os factos imputados consubstanciam na verdade crime ou, se por outro lado, estão na esfera contra ordenacional do direito estradal, sob pena de manifesta violação do disposto no Art°. 1° do Código Penal, cuja disciplina impõe que só pode o facto declarado por lei anterior ser punido.

8- Por outro lado, o Tribunal na fundamentação da decisão, nomeadamente, de facto, apenas se pode basear em matéria factual que deu como provada e não em quaisquer considerações que ulteriormente, entende tecer, sem qualquer alusão a suporte probatório que o sustente, sob pena de violação do disposto no Art°. 32° n.º 5 da Lei Fundamental, como a nosso ver e, salvo o devido respeito, sucede no caso.

9- É que o recorrente não se limita a colocar em causa a enxuta fundamentação de facto dada pelo Tribunal, antes, baseia-se em fundamentos que o Tribunal refere na fundamentação de facto e que não deu como provados no elenco da factualidade dada por assente. Ou o Tribunal além de fundamentar a decisão com aquilo que deu como provado, pode também fundamentá-la com factos que não considerou provados? Entendemos que não. Como pode o Tribunal concluir que se tratou de um trajeto de 20 minutos e duração de 10 quilómetros se não deu tal matéria de facto como provada. O Tribunal está vinculado ao princípio da fundamentação das decisões.

10-A questão da inconstitucionalidade ora invocada, é suscitada, repete-se, pois, não era exigível ao recorrente prever que o Tribunal da Relação pudesse seguir o entendimento vertido no Acórdão sob censura.

11-Por conseguinte, foi o vício, tempestivamente, suscitado, logo que se entendeu que o mesmo se verificava.

12- O presente recurso deve ser admitido, com subida imediata e com efeito suspensivo.

Termos em que, nos melhores de direito cujo proficiente suprimento de Vª. Exª. se invoca, deve o presente recurso ser admitido, devendo, igualmente, ser-lhe fixado por esse Colendo Tribunal o regime da subida e os seus efeitos, seguindo-se os ulteriores termos da lei».

3. O TRP proferiu despacho de não admissão do recurso interposto para este Tribunal, com o seguinte fundamento (cfr. fls. 344):

«- Nunca, pelo arguido, foi suscitada qualquer questão relevante relativa a inconstitucionalidade.

- Assim, na senda da jurisprudência habitual do Tribunal Constitucional, não poderá o recurso ser admitido.

- Pelo que não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.».

4. O recorrente reclamou deste despacho de não admissão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 77.º, n.º 1, da LTC nos seguintes termos (cfr. fls. 348-349):

«A., recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificado, tendo sido notificado do despacho que antecede, inconformado, dele vem reclamar para a Conferência do Tribunal Constitucional (Art.º 77° n°. 1 da Lei de Organização e Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional),

o que faz,

NOS TERMOS E COM OS SEGUINTES FUNDAMENTOS:

Exmo. Senhores Juízes Conselheiros

Entende o Tribunal da Relação do Porto que em momento algum dos autos o reclamante suscitou a questão da (in) constitucionalidade e, por isso, o recurso é inadmissível. Todavia,

Na peça recursória logo se referiu que o arguido nunca suscitou a questão, pois, não podia adivinhar que o entendimento sindicado pudesse vir a ser sufragado como veio pelo Tribunal reclamado. Ora,

Nessa medida, salvo o devido respeito, não nos parece que o arguido estivesse obrigado a invocar um vício quando, no seu entender, este apenas ocorreu com a prolação do Acórdão sindicado e do entendimento neste vertido que aquele entende inconstitucional.

Ora, o Acórdão proferido pelo Tribunal Reclamado não mais é susceptível de recurso ordinário, por, a isso se opor a natureza do processo em causa. Com efeito,

À luz da lei e do que esta dá e, que nem o Tribunal por retirar, é o recurso que antecede admissível.

Termos em que, nos melhores de direito, cujo proficiente suprimento desta Conferência se invoca, deve o recurso interposto ser admitido, revogando-se o despacho reclamado, com as legais consequências.

Requer junção aos autos.».

5. Na sequência da reclamação, foi proferido novo despacho, a fls. 353, reiterando o anterior, com o seguinte teor:

«-Nunca foi, nos autos, deduzida qualquer inconstitucionalidade.

- Assim sendo, não admito o recurso para o Tribunal Constitucional».

6. Notificado deste despacho, o ora recorrente apresentou requerimento no sentido da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional para apreciação da reclamação do despacho de não admissão do recurso para este Tribunal (cfr. fls. 356):

«A., recorrente nos autos à margem referenciados e neles devidamente identificado, tendo sido notificado do despacho que antecede, vem esclarecer que a...

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