Acórdão nº 202/18 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Abril de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 202/2018

Processo n.º 118/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo comum para julgamento por tribunal coletivo que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de Viseu (J2) com o n.º 22/13.1PFVIS, foram submetidos a julgamento 54 arguidos, entre eles A. (a ora Reclamante), à qual foi imputada a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º e 24.º, alíneas b), i) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Portaria n.º 94/96, de 26 de março, em concurso efetivo com um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Culminando o julgamento, foi proferido acórdão pelo tribunal de primeira instância, datado de 23/09/2016, no qual se decidiu, no que à arguida ora reclamante concerne: (i) absolve-la da prática do crime de associação criminosa; e (ii) condená-la pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva.

1.1. Apresentou a arguida um requerimento de interposição de recurso daquela decisão condenatória para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual se encontrava em “ficheiro de texto (em formato PDF) expedido pela sua Ex.ma defensora às 20h04m do dia 08/11/2016, por anexo a mensagem de correio eletrónico (email) a partir da conta xxxxxx@adv.oa.pt [cfr. fls. 11313 (34.º vol.)], entretanto oficiosamente reproduzido e junto aos autos – a fls. 11314/11322 – pelos serviços do tribunal [de primeira instância]” (v. fls. 12635/12636). O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido por despacho datado de 17/11/2016. E, a referida arguida, apresentou resposta ao recurso do Ministério Público em 05/01/2017, pelo mesmo meio e nos mesmos termos em que havia apresentado o seu recurso, sendo que o tribunal de primeira instância, em 20/01/2017, proferiu despacho admitindo todas as respostas de recurso apresentadas, quer pelo Ministério Público, quer pelos arguidos, considerando-as legais e tempestivas.

1.1.1. Subiram então os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, onde foi proferido um designado “acórdão intercalar”, datado de 05/07/2017, no qual se decidiu, inter alia, pela “[…] rejeição – por extemporaneidade e/ou por invalidade do meio de comunicação a juízo da respetiva manifestação – dos recursos dos arguidos […] A. […]” e pela “[…] rejeição (inconsideração) – por invalidade do meio de comunicação a juízo da respetiva manifestação – das respostas ao recurso do Ministério Público dos arguidos […] A. […]”. Tal decisão assentou nos seguintes fundamentos, no que ora releva (transcrevemos e transcreveremos de seguida os exatos termos empregues pelo Senhor Desembargador relator):

“[…]

1 – Por efeito da expressa revogação pelo artigo 4.º/a) da Lei n.º 41/2013 (de 26/06) do quadro legal em que se fundou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 3/2014 (de 06/03/2014) do Supremo Tribunal de Justiça, maxime do artigo 150.º/1/d)/2 do Código de Processo Civil de 1961 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28/12), na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27/12 – e, logo, naturalmente, do regulamentar dele dependente, designadamente da Portaria n.º 642/2004, de 16/06 (cfr., por maioria de razão, art. 7.º/1/2 do Código Civil) –, automaticamente ultrapassada, prejudicada e caducada ficou também, obviamente, a respetiva disciplina, cuja amplitude, aliás, sempre meramente se circunscreveu/reportou – como não podia deixar de ser, e nele (AUJ n.º 3/2014) foi reconhecido – aos contemplados atos (de remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico) que houvessem sido praticados até ao limite temporal de vigência do citado artigo 150.º/1/d)/2 do CPC/1961 (na referida versão emergente do Decreto-Lei n.º 324/2003), ou seja, até 31/08/2013, véspera da entrada em vigor no ordenamento jurídico nacional de tal norma revogatória, ocorrida em 1 de setembro de 2013 (cfr. artigo 8.º da citada Lei n.º 41/2013, de 26/06).

Consequentemente, inexiste na atualidade – desde tal data de 01/09/2013 – qualquer base legal e, dessarte, jurisprudencial de suporte jurídico do uso do correio eletrónico (email) como meio válido de apresentação a juízo de atos processuais escritos, pelos respetivos sujeitos, no âmbito do processo penal e/ou contraordenacional, bem como, em lógica decorrência, da pressuposta, injustificada (legalmente descabida), irrazoavelmente proveitosa e gratuita afetação e utilização em seu próprio e exclusivo benefício de preciosos, exíguos e dispendiosos recursos humanos e materiais – trabalho, impressoras, tinta, papel … – necessários à impressão e junção ao pertinente processo do conteúdo do respetivo ficheiro informático, à custa do cronicamente deficitário erário público – procedimentos obviamente escusativos da própria incomodatividade e económica onerosidade inerente à alternativa utilização, em tempo útil, de qualquer dos três (!) meios legalmente estabelecidos/disponibilizados sob o artigo 144.º/7/8 do Código de Processo Civil: entrega na secretaria judicial; remessa pelo correio, sob registo; e/ou envio através de telecópia [naturalmente quando particularmente permitida, nos estritos limites regulamentados e disciplinados pelo regime legal-especial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 28/92 (de 27/02)] – o que, circunstancialmente multiplicado no plano processual nacional, seguramente representará sério e assaz gravoso desfalque orçamental, premente e exigentemente evitável e, ademais, rigorosamente acautelável por todos os agentes e funcionários estatais/administrativos, sobre quem incumbe o especial dever de racional sóbria gestão dos meios a utilizar na exclusiva prossecução do interesse público, sob pena de pertinente responsabilização civil, disciplinar e/ou criminal [cfr., máxime, arts. 81.º/c), 266.º, 267.º/5, 269.º/1, e 271.º/1/2, da Constituição Nacional, e 19.º/1, 73.º/1/2/a)/b)/c)/e)/3/4/5, e 183.º da Lei n.º 35/2014, de 20/06)], particularmente, no que ora diretamente releva, pelos funcionários judiciais, especificamente vinculados a redobrado cuidado e empenho na limitação de custos e gestão orçamental, por especial efeito do superiormente postulado/determinado pelo Ofício/Circular n.º 20/2011 (de 28/03) da Direção-Geral da Administração da Justiça, atividade procedimental dessarte incontornavelmente proibida, como legalmente estatuído sob o artigo 130.º do Código de Processo Civil, [subsidiariamente aplicável no âmbito processual criminal (cfr. artigo 4.º do Código de Processo Penal)], que, como tal, inexoravelmente condicionará a correspetiva ilicitude e óbvia e consequente invalidade absoluta, nulidade, por axiomática postulância – em função de tal caracterizado/inelutável afrontamente legal – da imperativa dimensão normativa emergente da integrada interpretação dos artigos 280.º/1, 294.º e 295.º do Código Civil.

2 – Por conseguinte, a consequência jurídica de quaisquer dos ilícitos atos de transmissão por anexo a mensagens de correio eletrónico (email), no âmbito processual, de ficheiros informáticos contendo cópias (em formato pdf) de relevantes peças processuais, máxime, no que ora releva, das supra sinalizadas, expedidas pelos Exmos. Defensores dos identificados arguidos (…) A. […], não obstante o amplo e prejudicial extravasamento da sua oportunidade recursiva, como ajuizado sob o anterior §2, –, virtualmente significativas das próprias peças recursivas do referido acórdão (entretanto oficiosa, indevida e ilicitamente reproduzidos e juntos aos autos pelos Serviços do tribunal recorrido), muito para além daquele limite temporal de 31/08/2013, e já no domínio de distinta legislação (com referência à subjacente ao dito AUJ n.º 3/2014 do STJ), situados, como é bom-de-ver, aquém da própria disciplina da tramitação jurídica do procedimento criminal, haver-se-ão, identicamente, e por maioria de razão, de naturalmente aferir pela disciplina geral dos atos jurídicos (quaisquer que sejam) contrários à legalidade expressa/imperativa, e, logo, pelo regime estabelecido pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos citados artigos 295.º e 294.º do Código Civil, apodicticamente determinativa da correspondente nulidade, e não já, como nos parece de mediana inteligibilidade – com o devido respeito por diverso entendimento –, pela específica das invalidades dos próprios atos privativos do processo criminal, estabelecida sob os artigos 118.º a 123.º do C.P.Penal.

3 – Destarte, verificando-se a respetiva invalidade […) impor-se-á, outrossim, concluir (…) pela rejeição dos intentados recursos dos identificados arguidos (…) A. […].

Como é bom de ver, o tecido ajuizamento da ilicitude da utilização do correio eletrónico (email) é evidentemente extensível e aplicável aos atos de resposta ao recurso do Ministério Público [ínsito na peça de fls. 11380/11404 (34.º vol.)].

Assim impõe-se declarar juridicamente inválidos os seguintes atos de transmissão a juízo, por anexo a mensagem de email, de cópias de peças de resposta ao referido recurso do Ministério Público: […] da arguida A., documentado a fls. 11838/11942 (36.º vol.) […].

[…]”.

1.2. A arguida A. pretendeu interpor recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, “[…] ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”. Do requerimento respetivo (que se encontra certificado a fls. 36 a 46 e aqui se dá por integralmente reproduzido) consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Em suma, quer a impossibilidade de...

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