Acórdão nº 631/16 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 631/2016

3ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça em que é recorrente A. e recorrida B., Lda., o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 419/2016 (de fls. 1007-1025), a qual, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu não conhecer do objeto do recurso, tendo por não verificado o requisito de admissibilidade do recurso relativo à ratio decidendi. Isto, com os seguintes fundamentos:

«6. (…)

Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 6138/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

7. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto – in casu, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de abril de 2015 (cfr. fls. 679-713), que negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia em 18/03/2014 que julgou procedente a exceção de prescrição suscitada pela ré B., Lda., ora recorrida, absolvendo a mesma dos pedidos formulados pelo autor A., ora recorrente.

A questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada no âmbito do recurso em análise reporta-se a uma alegada interpretação do 323.º, n.º 1 do Código Civil, assim explicitada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional:

«(…)

A interpretação normativa acolhida pelo Tribunal a quo do nº1 do artigo 323º do Cód. Civil cuja apreciação de constitucionalidade pelo presente se requer é a que, segundo a qual, para que uma Notificação Judicial Avulsa para cumprir a sua função de interrupção de prazos de prescrição, na mesma deverá exprimir-se directa ou indirectamente a intenção de exercer um concreto e efectivo direito, sendo ainda necessário a mesma conter a indicação da origem, natureza e quantificação bem como a respectiva concretização ( pedido ), sob pena de ineptidão.

Isto é, seguindo esta linha interpretativa, para cumprir a assinalada finalidade, a Notificação Judicial Avulsa tem de encerrar em si, em sede de factos e normas alegadas, as mesmas características materiais que uma qualquer acção através da qual se pretenda exercer um qualquer direito, passando pelo mesmo crivo de exigência que uma ineptidão de uma qualquer petição inicial.

No que a este segmento diz respeito, dispõe o nº1 do artigo 323º do Cód. Civil que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” (negrito e sublinhado nossos).

Ora, a interpretação que o tribunal a quo está a conferir à norma em questão atribui à figura da Notificação Judicial Avulsa uma quase total similitude entre ela (cujo escopo é tão só comunicar a intenção de exercer um direito) e a própria acção que no futuro se intentará para o exercício concreto do mesmo.»

Conforme expressamente referido no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente colocou a questão de constitucionalidade, perante o Tribunal da Relação do Porto, em sede de alegações de recurso, nos seguintes termos:

«(…)

LI

A douta decisão aqui em crise interpreta o artº.323º, nº1, do Cód. Civil de forma extremamente restritiva, na medida em que equipara a manifestação de intenção do exercício de um direito ao próprio exercício em si mesmo, ou seja, em termos práticos, exige uma quase total similitude entre a notificação judicial avulsa para interrupção de um prazo de prescrição do exercício de um direito e a posterior acção judicial onde tal direito vai ser exercido.

LII

Na douta decisão recorrida interpreta-se a aludida norma num sentido que não tem correspondência com a letra da lei - “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” -, a qual aponta no sentido de que a expressão “directa ou indirectamente” significa que o legislador pretendeu conferir a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição.

LIII

Tal entendimento anula a autonomia jurídico-processual da notificação judicial avulsa, restringindo o recurso à mesma para efeitos de interrupção da prescrição, por virtude de exigir que, na prática, tal notificação não seja um meio judicial passível de interrupção da prescrição distinto de uma acção, funcionando não como acto autónomo mas sim como preliminar daquela; mostram-se assim violado por tal entendimento o disposto nos artºs.18º e 20º da CRP, o qual é, por isso, inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já aqui se argui para todos os devidos e legais efeitos.”

E assim decidiu o Tribunal da Relação do Porto, na parte que releva para o requerido no presente recurso de constitucionalidade (cfr. Acórdão do TRP de 13/04/2015, IV., 2., fls. 698-706, em especial fls. 700-706):

«(…)

Estatui o artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil:

«A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente»; nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, é equiparado à citação ou notificação, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Do referido preceito decorre que a prescrição se interrompe através de acto judicial que directa ou indirectamente, leve ao conhecimento do devedor o propósito do credor de exercer o seu direito.

(…)

Era controvertido na jurisprudência a questão de saber se a notificação judicial avulsa prevista nos 261.º e 262.º do anterior CPC interrompia a prescrição.

A divergência em causa veio a ser sanada através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (uniformizador de jurisprudência) n.º 3/98, de 26-03-1998 (DR, I Série-A, n.º 109/98, de 12 de Maio), que estabeleceu a seguinte jurisprudência: «A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil».

O referido acórdão uniformizador baseou-se, em resumo, na seguinte argumentação:

- embora a letra do n.º 1 do artigo 323.º possa legitimar o entendimento de que a citação ou a notificação têm que ser realizadas num processo pendente em juízo ( o que não se verifica com a notificação judicial avulsa), o que é certo é que o n.º 4 equipara a citação ou notificação para efeitos do artigo a qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido, o que significa que pelo menos com base no n.º 4, ao referir «meio judicial», se quis abranger a notificação judicial avulsa;

- o efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se que a partir dela o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respectivo titular, o que justifica que se atribua o mesmo efeito a uma notificação judicial avulsa ou a qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício judicial do direito.

A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga; com efeito, se através da notificação ou citação num processo o pretenso credor comunica ao devedor a intenção de exercer um qualquer concreto direito aí em discussão, e por isso, o efeito interruptivo da prescrição através de um daqueles actos (no dizer do artigo 228.º, n.º 1...

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