Acórdão nº 129/18 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Março de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 129/2018

Processo n.º 580/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., Lda. (a ora Recorrente) apresentou, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), um pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação de liquidações de IRC, no essencial, por divergência quanto ao valor da amortização de aerogeradores relevante como custo fiscalmente dedutível por referência ao ano 2011.

Do respetivo articulado consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

E. Da violação do princípio constitucional da igualdade

154.º

Ao exposto acresce salientar a clara violação do princípio constitucional da igualdade e da tributação do lucro real.

155.º

No caso em concreto a Administração Tributária está injustificadamente a violar o princípio constitucional da igualdade, vertido no artigo 5.º, n.º 2, da LGT, o qual “assenta no princípio da justiça material (generalidade e igualdade) como fundamento do Estado de Direito e vem na esteira da CRP sublinhar a inconstitucionalidade do «Direito» dito para o caso quando houver injustiça. A justiça, entendida em termos de igualdade, de respeito pela capacidade contributiva, de generalidade, etc., é uma justiça material: visa um resultado real. Uma norma será inconstitucional se a sua aplicação levar, a resultados injustos” (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa in “Lei Geral Tributária”, anotada e comentada, 4.ª edição, pág. 91).

156.º

Nestes moldes, a aplicação da taxa de amortização e depreciação proposta pela Administração

Tributária para os aerogeradores é claramente inconstitucional, na medida em que é desproporcional, implicando que a peticionante seja penalizada face a outras entidades produtoras de energia.

157.º

Com efeito, a Administração Tributária considera “razoável” uma taxa de amortização e reintegração de 20 anos para os aerogeradores, quando o legislador fiscal considerou razoável uma taxa de 16 anos para equipamentos de centrais hidroelétricas.

158.º

Por outras palavras, estabelecendo o paralelismo entre estes equipamentos de produção de energia elétrica, a Administração Tributária considera que é “razoável” a aplicação de um período de reintegração quatro anos mais longo (i.e. 20–16), quando estes têm comprovadamente um período de utilidade, de sessenta (i.e. 80–20) anos inferior aos equipamentos de centrais hidroelétricas!!!

159.º

Por conseguinte, caso se tomasse por válida a posição da Administração Tributária – o que se admite como mera hipótese académica – estaríamos perante uma manifesta violação o principio da justiça material, porquanto se estaria a tratar de forma manifestamente mais gravosa a ora Peticionante.

160.º

Resulta evidente que, se no caso dos equipamentos de centrais hidroelétricas o prazo amortização e reintegração de 16 anos é “razoável”, idêntica conclusão será necessariamente aplicável ao prazo de amortização e reintegração dos aerogeradores.

161.º

Havendo, por esta via, mais um motivo para considerar ilegais e inconstitucionais a correção e consequente liquidação adicional efetuadas pela Administração Tributária no caso sub judice.

162.º

Resumindo, crê a A. que estão devida e plenamente justificadas as circunstâncias de cariz económico e de gestão que determinaram que – para o caso concreto dos aerogeradores por si adquiridos – fosse atribuído um período máximo de 16 anos de vida útil e que, em consequência, a taxa de amortização corretamente a aplicar fosse de 6,25%.

163.º

Com efeito, é evidente que a Peticionante justificou devidamente o critério por si seguido, com base em fatores objetivos e que permitem cumprir o critério legal da razoabilidade, assentando a interpretação da ATA quanto ao conceito de vida útil esperada em errados pressupostos e padecendo as correções ora sindicadas de manifesto vício de violação de lei.

164.º

Face a tudo o atrás exposto, entende a Peticionante que não assistem razões, nem de facto nem de Direito, que permitam a Administração Tributária sustentar a legalidade da correção por si efetuada no Relatório de Inspeção com referência às amortizações dos aerogeradores realizadas pela Peticionante ao lucro tributável apurado no período de tributação de 2011, devendo ser anuladas integralmente as liquidações de IRC, juros compensatórios e a demonstração de acerto de contas acima identificadas, por ilegais.

[…]”.

1.1. A Autoridade Tributária apresentou resposta, da qual constou, designadamente, o seguinte:

“[…]

71.º

Deste modo, forçoso é concluir que a Requerida não errou ao exercer a discricionariedade técnica que lhe era cometida pelo artigo 31.º, n.º 2, do Código do IRC e pelo artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.

72.º

Nesta senda e, se mais não for, cimentando de forma expressa o supra referido, desde já chamamos à colação o teor do vertido na declaração de voto proferido no âmbito do já aludido processo n.º 593/2015, que infra se segue:

«Na discricionariedade técnica “stricto sensu” cabe, sim, o juízo de valoração assente em conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica não-jurídicas que estejam em causa, sendo certo que não cabe ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extrajurídicas para tanto necessária.

Trata-se de casos em que a apreciação pela Administração exige a utilização de critérios técnicos, e a solução de questões técnicas deve realizar-se conforme regras e conhecimentos próprios – e a lei não apenas o reconhece como o impõe a todos os operadores do Direito (e não somente à Administração, sua primeira destinatária).

Verificando-se discricionariedade técnica “stricto sensu”, o controlo jurisdicional terá, portanto, que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, ou seja, novamente, limitar-se à verificação do respeito, ou não, dos limites legais da discricionariedade, dos limites positivos que presidiram à atribuição legal do poder discricionário e correspondentes prerrogativas – podendo especificamente sindicar-se, nas fronteiras da "margem de livre apreciação", (1) um erro grosseiro ou manifesto de apreciação (2) um erro nos pressupostos de facto (3) um desvio de poder ou (4) a violação manifesta dos princípios gerais da imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé como princípios conformadores da atividade administrativa.

Mais especificamente, se a lei comete à Administração o poder de especificar uma valoração não previamente fixada pela própria lei, não pode um Tribunal proceder à reponderação dos juízos efetuados pela Administração nesse âmbito, a não ser que esteja demonstrada a existência de erro grosseiro ou manifesto – nomeadamente a falta de apoio em informações e estudos técnico-profissionais corroborados por especialistas e reclamados pela densificação de conceitos extrajurídicos.»

73.º

Mais acrescenta que:

«Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, insiste-se, por muito que eles divirjam do entendimento dos particulares ou do entendimento do próprio julgador – tendo um Tribunal que cingir-se às zonas de vinculação adjacentes, e quando muito demonstrar, através de outras informações técnico-profissionais corroboradas por especialistas, que as informações e estudos utilizados pela Administração em apoio dos seus juízos eram gritantemente falsos, caprichosos ou inadequados, ou que foram ostensivamente, grosseiramente, desconsiderados nos próprios juízos efetuados pela Administração para a pretendida densificação de conceitos extrajurídicos.

Insistamos que a mera divergência de juízos entre a Administração e os particulares, ou até entre a Administração e o Tribunal, não constitui prova de qualquer erro ou vício do ato impugnado que seja passível de sindicância contenciosa, e não legitima de modo algum que o Tribunal se substitua à Administração na formulação de um juízo que cabe estritamente no mérito e na oportunidade da ação desta.»

74.º

E enfatiza:

«Tanto assim é que, em casos de erro grosseiro em que possa concluir-se que a Administração exorbitou dos seus poderes e saiu abertamente do campo da discricionariedade técnica para entrar no da ilegalidade, a ponto de o Tribunal poder anular a decisão administrativa em causa, é pacífico que o Tribunal não pode nunca substituir a decisão administrativa anulada por outra que repute mais adequada – ou seja, não pode, sem violação do princípio constitucional da separação de poderes, avocar para si aquela discricionariedade técnica.» (Destaque nosso.)

75.º

Assim, defende o Exmo. Professor Doutor Fernando Araújo, na sua declaração de voto, o seguinte entendimento, o qual subscrevemos na íntegra:

«Não pode um Tribunal sindicar aqueles juízos, em suma, salvo nesses pressupostos estritos, salvo quando seja patente um erro crasso, palmar, ostensivo, traduzido em grave desajustamento da decisão à situação concreta e à prossecução do interesse público, em termos em que poderia ter-se por arbitrária a exclusão da sindicabilidade por meios não-técnicos – pois a não ser assim, sem todas estas salvaguardas, a discricionariedade técnica “stricto sensu” seria letra morta, tudo soçobrando em vinculação estrita, e a invocação de uma margem de livre apreciação e valoração técnica cometida à Administração passaria a ser uma bizarra ficção antijurídica.

Pode este Tribunal, ou qualquer outro, achar que é mais razoável o prazo proposto pela Requerente, ou pode ao invés achar que é mais razoável o prazo proposto pela AT – mas essa avaliação é, e tem de ser, irrelevante no caso, porque, insiste-se, o...

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