Acórdão nº 247/17 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução24 de Maio de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 247/2017

Processo n.º 158/17

1ª Secção

Relator: Conselheiro Claudio Monteiro

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P., ora Reclamante, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC)], do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, a 20 de outubro de 2016, no qual se decidiu julgar parcialmente procedente a ação, condenando a recorrida, ora Reclamante, a apreciar a candidatura da A., S.A., ora Reclamada, em relação aos lotes 8, 10 a 14 e 24 (cfr. fls. 1537 a 1575).

2. No seu requerimento de interposição de recurso o Recorrente apresentou os seguintes fundamentos (cfr. fls.1663 a 1667):

“a) Da inconstitucionalidade da interpretação normativa conferida pelo STA ao artigo 165.° do CCP, por violação do disposto no artigo 111.°, n.º 1, da CRP.

Determina a alínea h) do n.º 1 do artigo 164.° do CCP que "O programa do concurso limitado por prévia qualificação deve indicar: [...] h) Os requisitos mínimos de capacidade técnica que os candidatos devem preencher".

Por sua vez, o artigo 165.°, n.º 1, alínea a), do CCP clarifica que “Os requisitos mínimos de capacidade técnica a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo anterior devem ser adequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar, descrevendo situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos, designadamente: a) A experiência curricular dos candidatos".

Ao atender à "experiência curricular" dos candidatos, o CCP pretendeu atribuir às entidades adjudicantes a possibilidade de aferirem, por essa via, se os candidatos demonstram possuir a capacidade e a experiência necessárias para fazer face às exigências e obrigações emergentes do contrato a celebrar.

Como facilmente se compreenderá, o conteúdo da "experiência curricular" a exigir aos candidatos e, bem assim, a "adequação dessa experiência ao Objecto do contrato" depende em larga medida da natureza, do objecto, do conteúdo das prestações contratuais e, claro está, das especificidades das obrigações contratuais daí emergentes. Por essa razão. "[a] definição de qual o tipo de "experiência relevante", ou de "capacidade técnica exigível" para a prestação do serviço objecto do concurso, é inegavelmente competência da entidade adjudicante, pois que quem contrata é que estabelece a experiência ou capacidade técnica mínimas exigíveis que pretende levar a cabo a contratação" (cf. Acórdão do STA de 27.06.2007, proferido no âmbito do Proc. n.º 0302/07).

Significa isto que é à entidade adjudicante que cabe determinar quais serão - no contexto da experiência curricular dos candidatos - os elementos que, em concreto, relevam para aferir do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica para a prestação objecto do concurso.

(…)

Em causa está, pois, o chamado domínio da discricionariedade técnica da entidade adjudicante, que envolve a formulação de juízos de mérito, de oportunidade e de conveniência, de natureza marcadamente subjetiva.

Ora, como é consabido, no espaço de valoração próprio da administração, "o controlo jurisdicional [...] obedece apenas ao controlo da legalidade não se estendendo à esfera da oportunidade, onde o poder discricionário ocupa o seu espaço por excelência" (cf. Ac. do STA de 03.03.2016, proferido no âmbito do Processo n.º 0768/15). E é assim, porque, "no juízo de valoração de conceitos técnicos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica que estejam em causa, não cabendo ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extra-jurídicas para tanto necessária" (cf. Ac. do TCA Sul de 16.03.2006, proferido no âmbito do Processo n.º 01459/06)

Em suma, como aponta o TCA Sul no douto acórdão de 25.09.2014 (proferido no âmbito do Processo n.º 04590/08), "a sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára exactamente na fronteira da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa".

Esta restrição da sindicabilidade judicial nos domínios de reserva de discricionariedade da administração releva, como facilmente se intuiu, do princípio constitucional da separação e interdependência de poderes consagrado no n.º 1 do artigo 111.° da nossa Constituição.

Sucede, todavia, que o STA não acolheu o entendimento propugnado pela Recorrente e pelo TCA Sul, considerando, inversamente, que "(...) a recorrida pretendeu atestar da capacidade técnica dos candidatos para efetuar as prestações objeto do concurso exigindo que os mesmos tivessem já produzido prestações similares na área geográfica dos lotes a que apresentaram candidatura. Mas não só, a recorrida fez ainda reportar a anterior experiência na região a um valor mínimo de € 100.000,00. independentemente da região.

Para o STA, o estabelecimento de um requisito mínimo de capacidade técnica através da comprovação da experiência curricular dos candidatos e consideração da mesma relativamente à área geográfica a que se candidatam acaba por ser limitativa, pois "não existe base legal para fazer da existência de uma implantação geográfica prévia um requisito para apresentação de candidaturas, o que se compreende, pois, desde logo em abstrato, ele revela-se discriminatório e prejudicial para uma sã concorrência."

Não obstante as especificidades técnicas do fornecimento, justificativas de tal requisito, demonstradas à saciedade pela Recorrente ao longo dos autos, o ST A entende que, "ainda que se admita que, tendo em consideração o objeto do contrato e/ou as condições da sua execução se possa justificar um requisito de implantação geográfica, deve, por um lado, haver adequação entre uma tal exigência e o objeto do contrato e, por outro lado, deve considerar-se, sob pena de compressão excessiva do princípio da concorrência e da igualdade de tratamento, que o compromisso assumido por um candidato de se implantar localmente, caso o contrato lhe seja adjudicado, é suficiente para cumprir esse requisito."

Aliás, no aresto Recorrido, o STA não apenas desconsiderou o requisito mínimo de capacidade técnica assente na experiência prévia por reporte a uma dada área geográfica - violando a autonomia de valoração da Recorrente - como indicia caber à Recorrente a demonstração de ter agido dentro dos limites dessa autonomia.

A selecção da experiência prévia a considerar para efeito de preenchimento do requisito mínimo de capacidade técnica - através da comprovação da experiência curricular dos candidatos e ponderação da mesma relativamente a uma dada área geográfica claramente identificada, pois, enquanto os lotes 1,9, 17 e 25 se referem à totalidade do território nacional, para os lotes 2 a 8, 10 a 16 e 18 a 24, a delimitação fez-se por referência à divisão pelo Nível II das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS) previsto no Decreto-Lei n.º 46/98, de 15 de Fevereiro e subsequentes alterações (i.e., comprovação da experiência prévia na região do lote a que os concorrentes se candidatam) -, releva do exercício da discricionariedade técnica da entidade adjudicante, encontra pleno acolhimento na letra e espírito do artigo 165.°, n.º 1, alínea a), e contém-se nos limites dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência.

(…)

Com o devido respeito, a Recorrente considera que a interpretação do artigo 165.° do CCP, propugnada na decisão recorrida, no sentido de não se admitir que, em função das especificidades próprias do objecto do contrato, a entidade adjudicante eleja e seleccione, de entre a experiência curricular dos candidatos, aquela que considera relevante para aferir do preenchimento do requisito mínimo de capacidade técnica, nomeadamente por reporte a uma dada área geográfica, deverá ser julgada não conforme à Constituição da República Portuguesa por extravasar os limites da sindicabilidade judicial nos domínios de, reserva de discricionariedade da administração e, nesse sentido, violar o princípio da separação e interdependência de poderes ínsito no n.º 1 do artigo 111.° da Constituição da República Portuguesa (e acolhido no n.º 1 do artigo 3.° do CPTA).

A Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade aqui aduzida nas páginas 6 e 7 e na alíneas J), M) e N) das conclusões das suas contra alegações de Recurso para o TCA Sul. Este Tribunal, embora tendo sufragado o entendimento propugnado pela Recorrente, viu a sua decisão revogada pelo STA no Acórdão de 20 de outubro de 2016, complementado e confirmado pelo aresto de 23 de novembro de 2016.

II. b) Da inconstitucionalidade da interpretação normativa conferida pelo STA ao artigo 165.° do CCP, por violação do disposto no artigo 8.°, n.º 4, da CRP.

A divisão do objecto do acordo quadro em causa nos presentes autos em lotes regionais por referência às NUTS, quanto aos lotes 2 a 8, 10 a 16 e 18 a 24, tem como objectivo declarado potenciar a inclusão de PME's no leque de fornecedores do Estado, assim se promovendo a igualdade de oportunidades entre todos os potenciais interessados e, consequentemente, a concorrência entre as várias empresas do sector.

Com efeito, a diferença da exigência dos requisitos definidos para cada região está associada à procura expectável decorrente da concentração dos diversos organismos da Administração Pública e da dispersão proporcional no território nacional. Nas regiões onde se espera maior procura - designadamente onde a concentração de organismos da Administração Pública é maior, como em Lisboa e Vale do Tejo - as empresas a...

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