Acórdão nº 49/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 49/2019

Processo n.º 1314/17

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A., S.A., e recorridas a B. (B.) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), a primeira vem interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão que, versando sobre a cláusula 68.ª, alínea b) do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre as recorridas (publicado no Boletim do Trabalho e do Emprego, 1.ª Série, n.º 15, de 22 de abril de 2010), confirmou a interpretação que lhe foi fixada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos da qual «devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de empregada de enfermaria, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CTT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/2010), reuniam o requisito referente à antiguidade».

2. Admitido o recurso, a recorrente apresentou alegações, concluindo o seguinte:

1. Está em causa a fixação da interpretação a dar à cláusula 68.º, alínea B) da Convenção Coletiva subscrita pela APHP e a FESAHT;

2. Foi fixado o entendimento de que: no sentido de que deveriam ser qualificados como auxiliares de ação médica especialista os trabalhadores que, na data em que entrou em vigor o contrato coletivo de trabalho, tivessem as habilitações e qualificações exigidas para a categoria profissional e oito anos de experiencia profissional e, passou, o tribunal de que se recorre, a interpretar a mesma no sentido “devem ser inseridos na categoria profissional de auxiliar de ação médica especialista, os trabalhadores oriundos da categoria de enfermeira, bloco operatório, esterilização e auxiliar de hemodiálise que à data de entrada em vigor do contrato coletivo de trabalho (CCT publicado no BTE n.º 15, de 22/04/10) reuniam o requisito referente à antiguidade”.

3. Esta interpretação é inconstitucional por violação expressa do disposto no art.º 13.º, 59.º, n.º1, alínea), ambos da CRP;

4. Da interpretação fixada resulta (a ser aplicada) uma dupla descriminação dos trabalhadores de Acão Médica pois que faz colocar trabalhadores com qualificações inferiores e funções com menor grau de exigência a auferir salários iguais aos colegas que efetivamente têm qualificações e exercem as funções de especialistas e, por outro lado, leva a que trabalhadores com as mesmas funções vejam os seus colegas única e exclusivamente por força desta interpretação a auferir salários superiores aos seus;

5. Desigualdades salariais injustificadas, decorrentes tão só de uma interpretação de um normativo, que interpretado de tal modo é inconstitucional;

6. Não existem razões materialmente fundadas para a descriminação e diferenciação de tratamento de trabalhadores com qualificações iguais e funções iguais;

7. Repare-se que a supressão das ditas categorias profissionais e a sua integração na categoria de auxiliar da ação médica deveria levar a que os trabalhadores fossem enquadrados nos mesmos patamares em que se encontravam. A ser assim, para a interpretação da presente clausula ter-se-ia que analisar a convenção coletiva anterior e perceber os níveis das carreiras ora integradas para posteriormente se reclassificarem corretamente os trabalhadores.

8. Não foi esta situação que ocorreu, o que ocorre com a interpretação fixada é a atribuição de uma categoria de especialista (grau máximo e a qual tem na génese o exercício de funções especificas as quais exigem conhecimentos técnicos mais profundos e especializados), a quem não tem competência para o efeito, criando assim trabalhadores com categoria de nome e esvaziados das suas funções próprias. Levando a que os efetivos especialistas recebem igual salario aos seus colegas que não tem competência para o efeito mas que decorrente de uma reclassificação viram-se colocados numa situação que os descrimina e leva a que detenham uma categoria que não corresponde às suas funções.

9. O princípio a trabalho igual salário igual encontra expressão a nível constitucional, mais propriamente no Artº 59º/1-a) que estabelece que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna. Como se sabe este princípio é uma das expressões do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente protegido (Artº 13º), e veio a ser acolhido ao nível das leis laborais, e muito concretamente, no que por ora releva, no Artº 270º do atual CT (263º do precedente).

10. Ensina Monteiro Fernandes que o sentido geral do princípio assenta em que “uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração)” (Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 446).

11.Assim, a base do princípio reside na identidade de natureza da atividade e na igualdade do tempo de trabalho. Nunca no regime legal sob o qual os trabalhadores exercem funções. O que significa, no caso sub-judice, que a interpretação veiculada faça com que, apenas e tão só por decorrência da convenção coletiva aplicável, a recorrente tenha que aplicar aos seus trabalhadores salários iguais para situações manifestamente diferentes, resultando que pela mesma atividade uns estejam a receber um valor e outros outro valor pese embora estejamos exatamente perante trabalhadores que exercem as mesmas funções em termos de identidade e tempo de trabalho. Descriminação imposta por uma interpretação dada à convenção coletiva que, apenas se irá acentuar com o tempo pois que, os trabalhadores que não foram reclassificados por uma razão de lhes faltar tempo de antiguidade (segundo o alegado critério) verem-se agora impossibilitados de alguma vez aceder à mesma categoria que os seus pares que por via da reclassificação e tendo em conta a interpretação assim dada acabara por a obter.

12. A única exceção que se admite ao princípio da igualdade é se, porém, a identidade de funções possa não corresponder a trabalho igual, se houver como ponderar fatores que influam no rendimento individual, como por exemplo o maior rendimento de um trabalhador, a maior perfeição na execução das tarefas, o maior grau de autonomiza na execução – o que aqui não está em causa pois que, estão isso sim em causa tarefas especializadas que os trabalhadores reclassificadas não podem exercer (como as mesmas reconhecem) por falta de competência).

13. Embora estejamos a falar de uma cláusula de reclassificação o que está na génese da discussão e que tem que ser interpretado é o grau na carreira profissional que os reclassificados devem ser alocados. Assim, na interpretação da referida clausula não podemos olvidar a progressão que está inerente a cada carreira profissional e as condicionantes e funções concretamente exercidas, pois que é desta igualdade ou desigualdade que se afere a constitucionalidade da interpretação atribuída à cláusula.

14. É nesta acenda que, não se concebe que as partes que celebraram a referida convenção tivessem por e simplesmente ignorado tal facto colocando os pacientes e utentes das instituições à merece de uma convenção coletiva pois que, poderiam correr o risco de os trabalhadores reclassificados passassem a deter a categoria de auxiliares especialistas não tendo qualificação, conhecimentos e aptidão necessários para o efeito. Ou,...

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