Acórdão nº 50/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 50/2019

Processo n.º 421/17

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Município da Amadora, os primeiros interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), do Acórdão daquele Tribunal Central Administrativo de 12 de janeiro de 2017 ( cf. fls. 567-588) – que julgou improcedente o recurso interposto pelos ora recorrentes da decisão de emitir mandado judicial a autorizar a entrada de trabalhadores do Município da Amadora no domicílio profissional dos então requeridos e ora recorrentes, ao abrigo do n.º 2 do artigo 95.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, vigente à data em que foi requerida a emissão de mandado – cf. fls. 425-427).

2. O requerimento de interposição de recurso tem o seguinte teor (cf. fls. 668-674)):

«A. e marido, B., Requeridos e melhor identificados no processo à margem referenciado,

(…)

Notificados do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 22-03-2017) que não admitiu a revista excepcional por considerar irrecorrível a decisão do Tribunal Central Administrativo-Sul (acórdão erradamente datado de 12/01/2016 e notificado por missiva registada expedida em 13/01/2017), vêm do referido acórdão do TCA – Sul, interpor

RECURSO

Para o Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:

I - Questão prévia

1 - O presente recurso tem em vista sindicar a decisão proferida no acórdão do TCA – Sul, supra referido, (notificado por missiva registada expedida em 13/01/2017), mas é apresentado perante o Supremo Tribunal Administrativo porque os autos ai subiram em razão da Revista (Excepcional) não admitida, por acórdão de 22/03/2017, pelo que, nos termos e para os efeitos do art.º 76 n.1, da LTC, se requer a remessa desta impugnação ao TCA – Sul.

II - Do Recurso

· A fiscalização concreta

2 - O presente recurso é interposto ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

· O objecto

3 – Com esta impugnação pretende-se a FISCALIZAÇÃO CONCRETA da norma constante do artigo 95º, n.º2 e n.º3, do Decreto-Lei Nº555/99 de 16 de Novembro (RJUE) quando interpretada no sentido de que ai se prevê a emissão de mandato (judicial) que permita aos funcionários municipais, responsáveis pela fiscalização de operação urbanística, a entrada nos domicílios dos cidadãos sem o consentimento dos titulares do direito.

4 - Os Recorrentes entendem esta interpretação viola o disposto nos artigos 34º e 26º da Constituição da República Portuguesa, pois, consubstancia um limite ao direito à inviolabilidade do domicílio e afecta a reserva da intimidade da vida privada, e bem assim dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, enquanto subprincípios densificadores do princípio do Estado de Direito consagrado no aludido artigo 2º da CRP.

· A causa de Pedir

5 – Os preceitos supra referidos (n.º2 e n.º3 da art.º 95ºdo RJUE), quando interpretados no sentido supra exposto, são inconstitucionais porque não encontram suporte normativo na Lei Nº110/99 de 3 de Agosto, ao abrigo da qual foi elaborado o Decreto-Lei Nº555/99 de 16 de Novembro (RJUE) e subsequentes alterações, pois esta Lei não autorizou o Governo a legislar em matéria de Direito, Liberdades e Garantias nomeadamente no âmbito das restrições do direito à inviolabilidade do domicílio, que é reserva de competência legislativa do Parlamento, nos termos da alínea b) do nº1 do Art.º 165º da C.R.P..

· A Cronologia processual

6 - O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença de 22/06/2016, aplicou a norma supra referida como ratio decidendi e considerou que a declaração de inconstitucionalidade orgânica emitida pelo Tribunal Constitucional no âmbito do processo n.º 901/13 (AC nº195/2016 de 13.4, publicado na IIª Série do D.R. de 23/5/2016), só se aplicava a domicílios habitacionais e que o espaço a inspeccionar era um escritório de Advogado.

7 - O Tribunal Central Administrativo – Sul, no qual os recorrentes submeteram a questão de inconstitucionalidade da norma supra referida pela primeira vez, não validou integralmente a interpretação do TAF de Sintra, mas aplicou a norma supra referida como ratio decidendi e considerou que o supra referido acórdão do Tribunal Constitucional, apenas incidiu sobre o segmento que atribuía competência ao Tribunal de Comarca para julgar os processos de emissão de mandato previsto no Art.º 93º e ss. do RJUE.

8 – O acórdão do Tribunal Central Administrativo - Sul, em síntese final argumentativa diz-nos:

“(...) Assim, estão sujeitas a fiscalização nos termos dos art.ºs 93- e segs do RJUE.

Tendo havido oposição e falta de cometimento dos titulares da fracção onde decorriam as obras a fiscalizar, o Tribunal decidiu, assim, corretamente ao emitir mandado para entrada dos funcionários municipais competentes na mesma, para averiguar eventuais situações de ilegalidade urbanística, de higiene ou de segurança públicas.

Não distinguem as referidas normas se se trata do domicílio habitacional, ou se se trata de domicílio profissional, pelo que não tem o intérprete que o distinguir

Assim, pode o presidente da autarquia obter o suprimento jurisdicional do consentimento exigido no art.º 34º, n.º 2, da CRP, com os pressupostos dos art.ºs 95.º e 106.º do RJUE (Ac. do TCA Sul, de 14-12-2011, rec. ns 08186/11), inexistindo

Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso (…)”

9 – E, o Tribunal Central Administrativo - Sul decidiu assim:

“(…) 3.- Decisão

Pelo que acórdão os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal administrativo – sul em julgar improcedente este recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes (…) “ (Cf. pág. 21 e pág. 22 do Acórdão TCA-Sul)

· Esgotamento dos recursos ordinários

10 – Esta decisão foi sindicada pelos recorrentes através da Revista (Excepcional) não admitida por acórdão de 22/03/2017, proferido pela Formação de Juízes a que se refere o n.º5 do art.º150 do CPTA (insusceptível de recurso ou de reclamação).

· Momento da arguição da inconstitucionalidade

11 - Os Recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade do segmento normativo supra referido, efectivo fundamento da decisão recorrida (ratio decidendi da decisão impugnada), nomeadamente aquando da Apelação para o Tribunal Central Administrativo - Sul, in casu nas alegações e inserta no Thema Decidendum pela inclusão nas respectivas conclusões (cf. parágrafo V a VII e XXVIII) e ainda na revista não admitida pelo STA (Alegações: art.º14º, 22º a 25º, 29º e 30º; Conclusões: 2º, 6º a 8º, 17º a 20º, 62º a 70º).

Se assim não se entender, ad cautelam

Por se entender que o n.º2 e n.º3 do art.º 95 do RJUE não é ratio decidendi

· A decisão surpresa

12 – O TCA-Sul, na fundamentação do acórdão, sindicado por esta via, chama pela primeira vez ao processo, os art.º 35 º, o art.º 93, o n.º 1 do art.º 95 e o art.º 106º, do RJUE e na perspectiva da Formação de Juízes do STA que não admitiu a Revista, o acórdão do TCA-Sul ainda convocou para o processo o atr.º1000º do CPC.

13 – Os recorrentes consideraram e continuam a considerar os art.º 35 º, o art.º 93, o n.º 1 do art.º 95 e o art.º 106º, do RJUE e art.º 1000º do CPC, meros obter dictum incluídos na fundamentação do acórdão do TCA-Sul e não lhes era espectável que a Formação de Juízes do STA, considerasse o art.º 1000º do CPC como a norma efectivamente aplicada pelo TCA-Sul; desde logo porque o TCA-Sul não o incluiu, como a norma efectivamente aplicada, nos segmentos da fundamentação relativos à apreciação do erro de julgamento e à apreciação da questão da inconstitucionalidade.

14 – Ainda porque não há outros exemplos na doutrina, e a jurisprudência não acompanha esta fórmula ou interpretação para os casos semelhantes,

15 – Termos pois que, por irrazoável, despropositado e desproporcional não era exigível aos recorrentes juízos de prognose em que suscitassem a correspondente inconstitucionalidade de tais normas ou interpretação, quer antes da decisão do TCA-Sul, quer no recurso de revista.

· Um direito fundamental

16 – Por outro lado, a apreciação da inconstitucionalidade destas (novas) matérias enquadra-se na defesa da matriz de direitos e interesses fundamentais das partes, há interesse e utilidade processual, pelo que em respeito pelo direito a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º n.º1 da CRP.

17 – Pelo que, salvo opinião contrária que se respeita e ainda que com as restrições do art.º18º da CRP e art.º265º do CPC, o Tribunal Constitucional deve excepcionalmente admitir a infra suscitação da inconstitucionalidade e assim, assegurar-se ao cidadão-parte a defesa em juízo dos direitos e interesses protegidos pelo direito material.

Assim:

III – A nova inconstitucionalidade

18 – As normas constantes do artigo 106º, do Decreto-Lei Nº555/99 de 16 de Novembro (RJUE), que convocam os art.1000º do CPC, o art.º 35, o art.º 93, n.º 1 do art.º 95º todos do RJUE, quando interpretadas no sentido de que ai se prevê a...

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