Acórdão nº 46/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 46/2019

Processo n.º 981/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 25 de setembro de 2018.

2. O ora recorrente, na qualidade de arguido em processo-crime, foi acusado pelo Ministério Público da prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

Notificado da acusação, requereu a abertura da instrução.

Por despacho datado de 14 de março de 2018, o Juiz de Instrução Criminal rejeitou tal pedido, com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução.

Notificado de tal decisão, o ora recorrente dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora.

Através do acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Com interesse para os presentes autos, pode ler-se nesse aresto:

«Finalmente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 389/2005, de 14.7.2005, publicado no D.R. IIª Série, de 19.10.2005, teve oportunidade de se pronunciar no sentido de que não é inconstitucional a interpretação dos artigos 287º e 283º que conclua não ser obrigatória a formulação de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de instrução, mais constando da sua fundamentação “O estabelecimento de um prazo perentório para requerer a abertura da instrução – prazo esse que, uma vez decorrido, impossibilita a prática do ato – insere-se ainda no âmbito da efetivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura da instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado.”.

Posteriormente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2005, publicado no D.R. nº 212, Série I-A, de 04.11.2005, veio fixar jurisprudência no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”.

E, deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de que não discordamos, a argumentação aí desenvolvida é também aplicável, com as devidas adaptações, quando o requerimento para abertura de instrução é apresentado pelo arguido e ademais é inepto à finalidade da instrução – v.g. ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2014,proferido no processo nº3871/12.4 TBVFR-A.P1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.01.2014, proferido no processo nº 1878/11.8 TAMAI.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Como se lê, e bem, no despacho de sustentação proferido no Tribunal a quo, “não se olvide que, estando em causa o RAI do arguido, o convite ao aperfeiçoamento implicará uma violação do princípio da igualdade de armas em relação ao assistente (nos processos em que é admissível a constituição como assistente) bem como em relação ao Mº Pº, os quais, deduzindo uma acusação a que faltem elementos essenciais, não poderão beneficiar de qualquer convite ao aperfeiçoamento. Ao arguido será, então, concedido um direito não concedido aos outros sujeitos processuais, pondo em causa a perentoriedade do prazo para ser requerida a abertura de instrução (…)”.

Nestes termos, forçoso é concluir que a decisão recorrida não merece qualquer censura e o recurso interposto pelo arguido é improcedente.»

3. Desta decisão foi interposto o presente recurso, cujo objeto veio a ser definido pela Decisão Sumária n.º 772/2018, nos seguintes termos:

«[A]preciação da constitucionalidade da norma do artigo 287.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, com o sentido de que não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para a abertura da instrução apresentado pelo arguido, que não contenha algum ou alguns dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, por eventual violação do artigo 32.º, n.os 1 e 4 e do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, ambos da Constituição.»

4. O recorrente produziu alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

«1- O arguido, notificado da acusação, requereu a abertura de instrução, que foi rejeitada por inadmissibilidade legal;

2- Foi interposto recurso para o tribunal da Relação de Évora que decidiu não conceder provimento ao recurso;

3-A razão para a inadmissibilidade legal, embora contra a jurisprudência e doutrina, assenta na não concretização pelo arguido, no seu requerimento de instrução, do modo como as nulidades que invoca podem vir a contaminar os factos descritos na acusação;

a. Que o arguido podia e devia corporizar até ao encerramento do debate instrutório, nos termos da al. c)do n.º3 do artigo 120º do CPP

b. E desenvolver o necessário contágio em sede de debate instrutório.

4- Tendo sido a questão alegada – existência nulidades – e que os factos que são imputados ao arguido A. não são suportados sem prova válida, concluindo que nestes termos deve ser proferido despacho de não pronúncia, o tribunal, podia e devia ter pedido ao arguido que concretizasse essa conexão;

5- A instrução, tem por finalidade impedir a sujeição a julgamentos sem a devida consistência e fundamentação, o que, não só corresponde à concretização de garantias de defesa, como também, ao sentido último daquela fase do processo;

6- Devia o arguido ter sido convidado a concretizar o já alegado no seu requerimento e tal é admissível;

7- A norma do artigo 287º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, interpretada com o sentido de que não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para a abertura de instrução apresentado pelo arguido, que não contenha algum ou alguns dos requisitas previstos no n.º2 do artigo 287º do Código de Processo penal, é inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 4 e do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18º, ambos da Constituição.»

5. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, podendo ler-se na sua resposta:

« (…)

53. Em primeiro lugar, observámos que o recorrente não menciona, na motivação do seu recurso, qualquer argumento que se relacione, ainda que vagamente, com matéria de constitucionalidade, não invocando razões que sustentem a invocada desconformidade da norma jurídica de direito ordinário com o Texto Fundamental nem, sequer, justificando os motivos de convocação dos parâmetros constitucionais identificados na conclusão da sua alegação.

54. Num segundo momento, notámos a importância atribuída pelo recorrente à efetiva distinção de tratamento entre as normas processuais penais respeitantes aos arguidos e as respeitantes aos assistentes, outorgada pela jurisprudência constitucional, não deixando de assinalar que sendo tal distinção relevante no contexto do presente dissídio, ela não se nos afigura essencial para a adequada solução do mesmo.

55. Com efeito, sendo inegável, conforme reiterado pelo Tribunal Constitucional, entre outros, no seu douto Acórdão n.º 636/2011, que “[a]s garantias de processo criminal que, no artigo 32.º, a CRP consagra, são essencialmente as garantias da defesa” e que, consequentemente, “o estatuto do assistente não poderá nunca ser equiparável ao estatuto do arguido”, não é menos incontestável que a essência da questão que aqui se discute extravasa o cotejo e a contraposição entre os estatutos constitucionais do arguido e do ofendido, fixando-se, diversamente, no apuramento da compatibilidade constitucional do resultado do exercício da liberdade de conformação do legislador processual penal consistente na inadmissibilidade da formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, ainda que apresentado pelo arguido, visando a prossecução do direito e da justiça, a perseguição dos infratores e a promoção da paz jurídica e social.

56. Passando a analisar a substância do litígio, afirmámos que, conforme já admitíramos, a diferença entre os estatutos constitucionais do arguido e do assistente não era totalmente irrelevante para a perceção da presente discussão e, bem assim, que a doutrina dos Acórdãos n.ºs 636/2011 e 175/2013, do Tribunal Constitucional, se aplica exclusivamente aos requerimentos de abertura de instrução subscritos por assistente, não deixando, contudo, o apurado, de apontar para o reconhecimento da existência de uma ampla liberdade de conformação do legislador quanto à admissibilidade ou inadmissibilidade da emissão judicial do convite ao aperfeiçoamento dos mencionados requerimentos.

57. Aceite o exposto, procurámos atender ao entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional quanto ao referido convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução subscrito por assistente buscando, todavia, cruzá-lo com a doutrina por ele, igualmente, expendida quanto aos ónus processuais imponíveis ao arguido, designadamente em sede de recurso, e à concomitante inexigência constitucional do despacho de aperfeiçoamento.

58. Para tanto, procurámos desvendar - tendo presente a reflexão revelada pelo Tribunal sobre o estatuto constitucional do arguido e sobre a refração daquele nos...

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