Acórdão nº 53/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução23 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 53/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Juízo do Trabalho de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em que é recorrente A. e recorrida a B.. S.A., foi pelo primeiro interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da sentença daquele Tribunal, proferida em 23 de abril de 2018, que julgou improcedente a ação proposta pelo recorrente (cf. fls. 285-294) com vista a que fosse declarada a ilicitude da cessação do contrato de trabalho celebrado com a recorrida, o qual fora declarado extinto ao abrigo do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro.

2. Foi dado provimento ao recurso através da Decisão Sumária n.º 778/2018, em que se determinou (cf. fls. 308-315):

«a) Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte que determina a extinção do contrato de trabalho de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado administrador dessa sociedade antes de decorrido um ano desde a celebração do contrato, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na redação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro; e, em consequência;

b) Julgar procedente o recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o julgamento da questão de inconstitucionalidade.»

3. Inconformada com a Decisão Sumária n.º 778/2018, a recorrida reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo as suas alegações (de fls. 319-477) nos seguintes termos (cf. fls. 346-348):

«IV. CONCLUSÕES

A. Emerge a presente Reclamação da Decisão Sumária que (i) julgou inconstitucional a norma constante no n.º 2 do art.º 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado administrador dessa sociedade antes de decorrido um ano desde a celebração do contrato, por violação dos art.º 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a) da CRP e, em consequência, (ii) julgou procedente o recurso e determinou a reforma da decisão recorrida em conformidade com o julgamento da questão de inconstitucionalidade.

B. Para tanto, entendeu a Conselheira Relatora que a questão a decidir seria simples por já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal, ao abrigo do art.º 78.º-A, n.º 1, da LTC.

C. Sucede que a questão a decidir não é de todo simples porque:

(i) O reenvio para a argumentação aduzida noutras decisões do TC, sem nova apreciação jurídica das questões em causa, através de uma jurisprudência precedentalista, conduz a um engessamento jurisprudencial;

(ii) Um dos dois acórdãos que servem de fundamento à Decisão Sumária - o Acórdão n.º 626/2011 - integra um voto de vencido, proferido pelo Conselheiro CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA;

(iii) A Decisão Sumária constitui a terceira decisão de inconstitucionalidade proferida em sede de fiscalização concreta da norma do art.e 398.º, n.º 2, do CSC, pelo que, face à eminência de esta norma ser para sempre erradicada do ordenamento jurídico português, a questão carece de uma análise mais cuidada;

D. Para além de a questão não ser simples, importa reavaliar os três fundamentos que suportaram os (pré)juízos de inconstitucionalidade - inserção da norma em apreço no conceito de "legislação laboral"; o seu caráter inovador; e a inobservância do direito constitucional de participação dos organismos representativos dos trabalhadores - à luz dos argumentos acima expendidos e que se encontram melhor desenvolvidos no parecer proferido pelo Professor José ENGRÁCIA ANTUNES, junto à presente reclamação.

E. A norma não se enquadra no conceito de "legislação laboral" porque:

(i) Se reveste de natureza materialmente comercial, atendendo tanto à sua inserção sistemática, como aos princípios fundamentais de direito que a inspiram, designadamente a manutenção da integridade do estatuto jurídico do administrador, a proteção dos interesses da sociedade e, por último, obstar à efetivação de intuitos fraudulentos;

(ii) Somente possui uma conexão ou repercussão meramente indiretas, reflexas ou incidentais sobre esta matéria dado que não estão em causa direitos dos trabalhadores enquanto tal, ou das respetivas organizações associativas, mas sim direitos dos administradores das sociedades, tendo a norma como destinatário o administrador da sociedade, nessa qualidade, visando obstar a que este adquira a qualidade de trabalhador da sociedade.

F. A norma não tem caráter inovador porque o efeito por ela preconizado - a cessação do contrato de trabalho - já decorria de uma ponderação global e articulada do ordenamento jurídico vigente à data de entrada em vigor do CSC, designada mente por nulidade (violação de princípio imperativo de proibição de cumulação da qualidade de trabalhador e administrador, já defendido de forma unânime naquela época), caducidade (por impossibilidade absoluta, definitiva e superveniente) ou confusão.

G. Concluindo-se, como já o fizeram diversas instâncias judiciais, que a norma não se pode enquadrar no conceito de "legislação laboral", cai por terra fatalmente o argumento de inobservância do direito constitucional de participação dos organismos representativos dos trabalhadores porque tal obrigação de auscultação prévia seria inexistente no caso concreto.

Nestes termos, vem a Recorrida apresentar a sua Reclamação para a Conferência do TC, requerendo que a presente reclamação seja julgada procedente e, em consequência, seja revogada a Decisão Sumária, prosseguindo o recurso a sua tramitação normal, facultando-se às partes a produção de alegações sobre a matéria.».

4. O recorrente apresentou resposta, no sentido do indeferimento da reclamação, nos seguintes termos (cf. fls. 480-487):

«A., Recorrente nos autos acima identificados notificado para apresentar, querendo, a sua resposta ao requerimento de reclamação para a conferência apresentada pela Recorrida B., S.A., vem apresentar a sua

RESPOSTA,

O que o faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I – Enquadramento

1. Como consabido, os presentes Autos têm origem na instauração, pelo ora Recorrente e contra a ora Reclamante, de ação declarativa de condenação, em processo comum, na qual pediu, no essencial, que o Tribunal desaplicasse por inconstitucionalidade a norma do art.º 398.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais ("CSC"), na parte que nela se estatui a extinção dos contratos de trabalho celebrados há menos de um ano por trabalhador da sociedade que venha a ser designado seu administrador (doravante, “398.º, n.º 2, 1.ª parte”); e que, em consequência, declarasse a ilicitude do despedimento decorrente da cessação do Contrato de Trabalho pela R. com invocação da referida norma do CSC, com as consequências legais.

2. O Tribunal a quo, por seu turno, na decisão de mérito da causa, entendeu aplicar a norma reputada inconstitucional pelo Autor e ora Recorrente, e em consequência, julgou a ação improcedente e absolveu a ora Reclamante do pedido.

3. Foi da referida sentença que o Autor e ora Recorrente interpôs, em 10 de maio de 2018, recurso direto para o Tribunal Constitucional, assim habilitado pela alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) conjugada com o n.º 5 do artigo 280.º da CRP da República Portuguesa (CRP), que consagram o recurso direto para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais comuns que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

4. Recurso que foi admitido no Tribunal a quo por Despacho de 22 de junho de 2018, tendo os Autos sido remetidos para este Venerando Tribunal Constitucional.

5. Tendo a Exm.ª Relatora designada para o processo no Tribunal Constitucional, MM.ª Juíza Conselheira Professora Doutora Maria José Rangel de Mesquita, proferido Decisão Sumária nos termos da qual julga “(…) inconstitucional a norma constante do n.° 2 do artigo 398.° do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado administrador dessa sociedade antes de decorrido um ano desde a celebração do contrato, por violação dos artigos 55.°, alínea d), e 57.°, n.°2, alínea a), da CRP, na redação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro”; e, em consequência, dá provimento ao recurso determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o julgamento da questão de inconstitucionalidade.

6. Decisão esta, como se vê e a LOTC permite, remissiva para a fundamentação dos Acórdãos invocados pelo ora Recorrente, quando Autor, como precedentes de inconstitucionalidade, o que fez, a Exm.ª Relatora, habilitada pela norma do n.º 1 do artigo 78.º-A da LOTC, de acordo com a qual “Se entender que (…) a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal (…), o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.”

II – Do infundado dos argumentos aduzidos pela Reclamante contra a legitimidade da douta Decisão Sumária que colocou em crise

II.1. – Razão...

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