Acórdão nº 76/19 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 76/2019

Processo n.º 41/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, a primeira foi condenada pelo Juízo Central Criminal de Loures da Comarca de Lisboa Norte na pena única de dez anos de prisão, pela prática, em concurso efetivo e na forma consumada, de vinte seis crimes de furto qualificado.

Inconformada, o ora reclamante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 30 de maio de 2018, concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a pena única para oito anos e seis meses de prisão.

Novamente inconformada, a ora recorrente impugnou o referido aresto junto do Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão datado de 28 de novembro de 2018, negou provimento ao recurso.

2. No segmento que aqui releva, consta do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a seguinte fundamentação:

2. Recurso da arguida A.

2.1. Coloca a arguida as seguintes questões:

a) Nulidade do acórdão recorrido, por não ter apreciado a impugnação da matéria de facto;

b) Valorização das declarações dos coarguidos como prova plena, face ao silêncio da recorrente;

c) Não individualização dos critérios de punição e de determinação da medida concreta da pena.

Termina pedindo a absolvição de todos os crimes imputados.

2.2. É inteiramente sem fundamento a primeira questão proposta. Na verdade, a arguida não impugnou nos termos devidos a matéria de facto fixada pelo acórdão da 1.ª instância.

[…]

2.3. Alega a recorrente que foi condenada apenas com base nas declarações dos coarguidos, aos quais teria sido atribuída força de "prova plena", o que constituiria violação do n.º 4 do art. 343° do CPP e do art. 32°, n.º 1, da Constituição, "no sentido em que em caso de dúvida prevalecerá o princípio da inocência (...) não sendo admissível como prova para condenar um arguido as declarações de outro coarguido".

Não se compreende sinceramente a convocação do art. 343°, n° 4, do CPP, que se limita a regular a forma de prestação de declarações dos coarguidos em audiência.

Porventura, a recorrente pretenderá referir-se ao n° 4 do art. 345° do mesmo diploma. Transcreve-se todo o artigo:

Artigo 345.º

1. Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e os jurados pode fazer-lhe as perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.

2. O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.

( ... )

4. Não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2.

Constata-se da leitura do artigo que as declarações do coarguido são válidas, nos termos gerais, ou seja, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP), e nunca obviamente como "prova plena", com a restrição imposta pelo n.º 4.

Para além disso, tem sido considerado que viola o princípio da presunção de inocência a fundamentação exclusiva da condenação nas declarações do coarguido, exigindo-se que outros meios de prova corroborem essas declarações.'

No caso dos autos, e relativamente à arguida A., a prova baseou-se, é certo, nas declarações dos coarguidos B., seu filho, e C., conforme resulta da motivação da matéria de facto (fls. 3907-3909). Mas estas declarações não estão abrangidas pela exceção estabelecida no n° 4 do art. 345.º do CPP, pois eles prestaram declarações sem quaisquer restrições.

Por outro lado, a convicção do Tribunal fundou-se ainda no depoimento do coordenador da investigação, que indicou ao Tribunal os passos que foram dados sucessivamente no aprofundamento dessa investigação, que incluiu vigilâncias aos arguidos, nomeadamente aos comportamentos da arguida A., que foi observada a passar no cemitério de … dois ou três dias antes do furto aí verificado, e que ela "fazia quilómetros sem destino, parava em zonas de moradias, avaliava as casas e depois ia-se embora" (fls. 3907 v.).

Não é pois verdade que a convicção do Tribunal tivesse assentado apenas nas declarações dos coarguidos, aliás validamente prestadas como já se referiu.

Improcede pois esta segunda questão colocada pela recorrente.

2.4. Por último, carece também de fundamento a alegação de falta de individualização da medida da pena.

Com efeito, o acórdão recorrido confirmou o acórdão da 13 instância, exceto quanto aos crimes imputados nos NPUICs 120/16GCCLD, 239/16.7GDTVD (23 ocorrência) e 171116.4GCCLD, dos quais absolveu a arguida.

A Relação tinha apenas que corrigir a pena conjunta, face a essa absolvição, e foi o que fez.

Nenhuma censura há a fazer ao procedimento adotado.

E nenhuma outra questão foi colocada pela arguida, nomeadamente quanto à medida da pena.»

3. Deste acórdão interpôs a ora reclamante recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez através de requerimento com o seguinte teor:

«A., arguida nos Autos melhor identificada não se conformando com o Douto Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de justiça, vem interpor Recurso para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo e subida diferida nos próprios autos (artigos 411º, 406º, 407º, n? 2, a) e 432º, nº 1, alo b) do Código de Processo Penal), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes

[…]

13º

Salvo o devido respeito e melhor opinião, vem a ora Recorrente recorrer para o Tribunal Constitucional de acordo com o disposto nos arts. 70º, nº. 1 als. a.) e b.), nº. 2 e 4 da Lei do Tribunal Constitucional

14º

Tendo a ora Recorrente legitimidade para tal nos termos da al. b.) do nº 1 e nº 2 do art. 72º da supra citada lei;

15º

Pelo que apresentado em tempo deve o mesmo ser admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. nº. 4 do art. 78º da Lei do Tribunal Constitucional);

Ou seja,

16º

Encontra-se agora a Recorrente face a esta situação, de que é inequívoco que os presentes autos se encontram irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários para fazer valer a inconstitucionalidade supra alegada;

17º

Assim vem a Recorrente apelar a este Tribunal que lhe possibilite, de acordo com a previsão do art. 280º da Constituição da República Portuguesa reagir contra a decisão de aplicação da interpretação das supra citadas normas do Código de Processo Penal com a qual continua a não poder conformar-se.

18º

E de cuja inconstitucionalidade continua inabalavelmente persuadida, quer não só do ponto de vista material, mas também da que resulta da desconformidade com a intenção do legislador constitucional de possibilitar que em caso de falta de indícios suficientes relativamente à culpabilidade da mesma teria de ser absolvida quanto aos factos que lhe eram imputados;

De facto,

19º

E de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 75ºA da Lei do Tribunal Constitucional, desde já a recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade da interpretação dada ao princípio in dúbio pro reo com a Lei Fundamental do país;

20º

Atento o disposto nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo das quais o presente recurso é interposto,

21º

E ainda atento o disposto no artigo 672 da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68º seguinte),

22º

Designadamente a inconstitucionalidade arguida tanto em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa como para o Supremo Tribunal de Justiça em que:

I. se considera que se encontra violado a interpretação dada ao n.º 4 do art. 343º do Código de Processo Penal o qual viola o artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa no sentido em que em caso de dúvida prevalecerá o princípio da inocência com a sua consequente absolvição, não sendo admissível, como prova, para condenar um Arguido as declarações de outro co-Arguido;

II. Sendo que a prova apresentada se mostra manifestamente insuficiente, sendo certo que do texto do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação nas páginas 93 a 96 a fim de determinar as consequências jurídicas do crime, este não individualiza os critérios da punição, e bem assim faz uma análise em conjunto dos quatro arguidos não individualizando a concreta medida da culpa e do dolo de cada agente de per si, desta forma, violando o disposto no art. 71º do CP. e o art. 30º da C.R.P.;

23º

E também das normas que decorram deste diploma legal (CP) lhes sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram.

24º

E que obriga a que «os...

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