Acórdão nº 90/19 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 90/2019

Processo n.º 501/18

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Claudio Monteiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A. veio, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), interpor recurso do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de março de 2018, que condenou o ora Recorrente na pena conjunta de cinco anos e sete meses de prisão, pela prática de nove crimes de corrupção ativa e dois crimes peculato (fls. 53310 a 53494), bem como do acórdão proferido pelo mesmo tribunal, em 2 de maio de 2018, pelo qual se indeferiu o requerimento apresentado pelo Recorrente a fls. 53541.

2. No seu requerimento de interposição de recurso o Recorrente apresentou, em síntese, os seguintes fundamentos (fls. 53704 a 53725):

«(…)

Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

5. As normas resultantes dos artigos 374.º, n.º 1, 372.º, e 119.º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, interpretadas e aplicadas no sentido, genérico e abstracto, segundo o qual o prazo de prescrição do crime de corrupção activa previsto e sancionado pelo artigo 374.º, n.º 1, com referência ao disposto no artigo 372.º, do Código Penal, na mesma versão, nas situações em que à promessa de vantagem se siga a efectiva entrega da mesma ao funcionário, se conta a partir do momento em que tal entrega tenha ocorrido;

5.1. É inequívoco que o Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018 aplicou as normas extraídas das disposições legais citadas, no sentido acima assinalado.

Com efeito, depois de se concluir que a questão da prescrição suscitada terá de ser decidida por aplicação da lei substantiva penal resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, afirma-se expressamente no Acórdão recorrido o seguinte:

“Tomando posição sobre a questão dir-se-á que, como se decidiu no acórdão recorrido, conquanto o crime de corrupção activa se tenha por formalmente consumado com a mera promessa de vantagem e que o crime de corrupção passiva se considere formalmente consumado com a solicitação ou aceitação (ou a sua promessa), suposto (aquando) o seu conhecimento pelo corruptor activo, a verdade é que o início do prazo prescricional, em ambas as modalidades do crime, não se verifica desde o dia da sua consumação formal. A lei, mais concretamente o n.º 1 do artigo 119º do Código Penal ao estatuir que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado não pode deixar de ser interpretado e aplicado como tendo em vista, em situações como a ocorrente nos autos, a consumação material do crime ou terminação.

(…)

Certo é pois que o prazo prescricional dos crimes de corrupção objecto dos autos só corre a partir da data do pagamento dos subornos ou do acto ou omissão contrário aos deveres do cargo do agente passivo do crime no caso de corrupção passiva antecedente” (cfr. pp. 305 e 306 do Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018 – realces e sublinhados nossos).

5.2. Não resta, assim, a menor dúvida de que o Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018 interpreta e aplica as normas resultantes dos artigos 374.º, n.º 1, 372.º, 119.º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, no sentido segundo o qual o prazo de prescrição do crime de corrupção activa previsto e sancionado pelo artigo 374.º, n.º 1, com referência ao disposto no artigo 372.º, do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, nas situações em que à promessa de vantagem se siga a efectiva entrega da mesma ao funcionário, se conta a partir do momento em que tal entrega tenha ocorrido (“data do pagamento dos subornos”), momento que o Supremo Tribunal de Justiça designa por momento da consumação material ou terminação. Verificando-se, por conseguinte, uma completa identidade normativa entre a interpretação normativa genérica e abstracta cuja inconstitucionalidade o Arguido A. suscita e a interpretação normativa que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou no Acórdão recorrido, como fundamento para a decisão da questão da prescrição do procedimento criminal.

Sendo certo que o próprio Supremo Tribunal de Justiça reconhece a aplicação da interpretação normativa resultante da conjugação das normas supra referidas, no exacto sentido (genérico e abstracto) aí enunciado, quando, depois de referir que o prazo prescricional dos crimes de corrupção objecto dos autos só corre a partir da data do pagamento dos subornos, afirma que tal interpretação, que acolhe, “ao contrário do alegado pelo arguido A. não incorre em inconstitucionalidade por violação dos artigos 2.º, 13.º, l8.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, e 30.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa” (cfr. pp. 306 e 307 do Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018).

5.3. Por fim, e apesar de ser, em face de tudo quanto se deixou dito, evidente a aplicação no Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018 da interpretação normativa dos artigos 374.º, n.º 1, 372.º, 119.º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, no sentido acima assinalado, não pode deixar de se realçar, por ser demonstrativo da efectiva aplicação da interpretação normativa em causa, que o Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia, em concreto, a questão da prescrição relativamente ao Arguido A., volta a sufragar e aplicar a referida interpretação normativa, e, com base na mesma, decide quais os crimes cujos procedimentos criminais se encontram prescritos, como decorre, de forma expressa, da seguinte passagem, que a benefício de exposição se transcreve:

“Dir-se-á que relativamente ao crime de corrupção activa relativo às falências em que interveio como liquidatário judicial o co-arguido B., como bem se consignou no acórdão recorrido, a data a ter em consideração para o início da contagem do prazo prescricional é a correspondente à da entrega do último suborno, o que se veio a verificar em 9 de Julho de 2001, razão pela qual, nos termos das disposições legais atrás citadas, a prescrição só ocorrerá em 9 de Julho de 2019.

Quanto aos crimes de corrupção activa relativos às falências em que intervieram como liquidatários C., D., E., F., G., H., I., J., K. e L., certo é que a data a ter em conta para o início da contagem do prazo prescricional também é a correspondente à da entrega do último suborno ou, obviamente, no caso de um só suborno, a data do mesmo” (cfr. pp. 307 e 308 do Acórdão recorrido – realces nossos).

Em suma, tomando em consideração o exposto, sempre se terá de concluir que a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade o Arguido suscita foi efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018, na medida em que consubstancia o fundamento jurídico determinante para a solução jurídica encontrada quanto à questão da verificação (ou não) da prescrição do procedimento criminal dos crimes imputados ao Arguido A..

— Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados

5.4. A dimensão normativa dos artigos 374.º, n.º 1, 372.º, 119.º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março acolhida e aplicada pelo Acórdão recorrido viola, entre o mais, os artigos 2.º, 13.º, l8.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, e 30.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, devendo tal inconstitucionalidade ser aferida à luz da redacção que ao último dos referidos preceitos foi conferida pela Revisão Constitucional de 1982 ou, caso assim não se entenda, pela versão resultante da Revisão Constitucional de 1997.

— Peças processuais em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade

5.5. A questão de (in)constitucionalidade normativa referida no ponto 5 supra foi suscitada nas pp. 240 do Recurso interposto pelo Arguido A. a fls. …, com entrada em 10 de Dezembro de 2015, bem como nas Conclusões § 141 e §154, da mesma peça processual (corrigidas conforme requerimento que deu entrada em 14 de Dezembro de 2015 e foi admitido por despacho de 6 de Fevereiro de 2016).

II.

— Norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

6. As normas penais contidas nos artigos 372.º, n.º 1, e 374.º, n.º 1, ambas do Código Penal, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, interpretadas e aplicadas no sentido, genérico e abstracto, segundo o qual a prática de um acto contido nos poderes discricionários do funcionário que haja actuado motivado pela promessa do pagamento de um suborno se traduz na prática de crime de corrupção para acto ilícito.

6.1. Sobre esta matéria, o Acórdão recorrido de 21 de Março de 2018 diz o seguinte:

“Decidindo, dir-se-á que a corrupção própria distingue-se da imprópria, com claramente resulta da letra da lei, tendo por referência os deveres do cargo exercido pelo agente passivo do crime. Se o acto praticado se mostra conforme aos deveres do cargo estaremos perante corrupção imprópria, ao invés, caso estejamos perante acto contrário aos deveres do cargo estaremos face a corrupção própria

(…)

independentemente da ultrapassagem da esfera de discricionariedade, o acto dever-se-á considerar ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância, fundada num vício que, segundo terminologia tradicional, se designa desvio de poder (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo (1980), 506- 12 e Afonso Queiró, 0 Poder Discricionário da Administração (1944), e ID., BFDC XLI (1966), quando o agente se deixou influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou a respectiva promessa) não tivesse...

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