Acórdão nº 104/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 104/2019

Processo n.º 1090/17

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão daquele Tribunal que decidiu indeferir o pedido que o arguido fez, nos termos do disposto no artigo 80.º do Código Penal, de correção da liquidação da pena e de desconto dos dois períodos por si passados em prisão preventiva.

2. A decisão recorrida apresenta o seguinte conteúdo:

«O arguido A., através do requerimento de fls. 8874, requereu ao abrigo do disposto no art. 80º, nº 1, do Código Penal, que fosse descontada na pena de prisão liquidada e que atualmente cumpre à ordem do presente processo, o período de tempo de prisão preventiva sofrida à ordem do processo nº 581/01.1TAVNG. do atual Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia J3 e do processo nº 200/98.1 JAPRT, da extinta 2ª Vara Criminal do Porto.

Foi solicitado aos dois processos certificação da medida de coação aplicada ao arguido e período da provação da liberdade, com início e termo desse período, bem como data do trânsito em julgado dos acórdãos, informação certificada constantes de fls. 8883 a 8923, da qual resulta:

- No processo nº 200/98.1 JAPRT, da extinta 2ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi detido em 20 de julho de 2000, data em que ficou sujeito a prisão preventiva até 10 de julho de 2002, por acórdão proferido em 3 de julho de 2003 foi o arguido absolvido

- No processo nº 581/01.1TAVNG, do atual Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia J3, o arguido esteve sujeito a prisão preventiva desde 18 de julho de 2002 até 30 de outubro de 2002, data em que foi restituído à liberdade; em 8 de novembro de 2002, foi proferido acórdão tendo o arguido sido absolvido.

Apreciando e decidindo.

Dispõe o art. 80º do Código Penal, na atual redação que lhe foi conferida pela Lei nº 59/2007, de 4 de agosto que:

1. A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

2. Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de 1 dia de privação de liberdade por, pelo menos, 1 dia de multa.

Como se defende no Ac. do TRL de 03.06.09, disponível em www.dgsi.pt: “O instituto do desconto assenta na ideia básica de que as privações de liberdade que o agente tenha sofrido devem, por imperativo de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena [em] que o agente venha a ser condenado.

E na prossecução deste imperativo de justiça material a recente reforma alterou este preceito, no sentido de passarem a ser descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão todas aquelas medidas, “ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado. Deste modo, e contrariamente ao texto anterior, combatendo o que vinha sendo considerado uma injustiça ou desperdício, passou a conceder-se ao arguido o benefício de ver descontado no cumprimento da pena aplicada em processo diferente daquele em que esteve sujeito a qualquer uma das referidas medidas de coação, introduzindo-se, naturalmente, como limitação, que o facto por que venha a ser condenado tenha sido praticado “antes da decisão final do processo no âmbito do qual esteve sujeito a tais medidas.”

No caso sub judice, os factos praticados para efeitos de condenação do arguido, na pena única de 10 anos e 6 meses, no acórdão de cúmulo jurídico e acórdão do STJ, ocorreram entre janeiro de 2005 e setembro de 2009, conforme resulta dos acórdãos de fls. 8515 a 8549 e 8685 a 8782, respetivamente.

Assim sendo, não se verifica[m] os pressupostos para desconto dos dois períodos de prisão preventiva que o arguido sofreu à ordem dos referidos processos, tendo em conta que os factos dos processos objeto do cúmulo jurídico foram praticados em data posterior (de janeiro de 2005 a setembro de 2009), quer à data do acórdão do processo nº 581/01.1TAVNG, do atual Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia J3 (proferido em 8 de novembro de 2002), quer à data do acórdão do processo nº 200/98.1JAPRT, da extinta 2ª Vara Criminal do Porto (proferido em 3 de julho de 2003).

Nesta conformidade, indefere-se o pedido de correção da liquidação da pena e de desconto dos dois períodos de prisão preventiva, nos termos do art. 80º do Código Penal

3. O recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, por entender que a norma extraída do artigo 80.º, n.º 1 do CP, “quando interpretada no sentido de que o desconto de pena aí previsto só opera em relação a penas de prisão em que o arguido seja condenado, quando o facto que originou a condenação tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no qual a medida de prisão preventiva foi aplicada, é inconstitucional por violação dos artigos 13.º e 18.º da CRP.

Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações, replicando em grande parte o conteúdo já constante do seu requerimento de recurso, nas quais concluiu o seguinte:

(…)

K. O instituto do desconto encontra-se regulado nos artigos 80.º a 82.º do CP, aí se prevendo o desconto, no cumprimento da pena, de medidas processuais privativas de liberdade aplicadas ao arguido (artigo 80.º do CP) e de pena anterior que venha a ser substituída por outra (artigo 81.º do CP), mesmo que as medidas processuais ou a pena anterior, pelo mesmo ou pelos mesmo factos, tenham sido sofridas pelo agente no estrangeiro (artigo 82.º do CP).

L. No nosso sistema penal, o instituto do desconto, positivado no artigo 80.º do CP, surge relativamente a medidas processuais, que se traduzam em restrições ou limitações de liberdade, e ainda quanto a penas anteriores e a medidas processuais ou penas sofridas no estrangeiro.

M. Antes de mais, importa referir que ao instituto do desconto subjaz uma ideia de justiça material.

N. São, assim, razões que se radicam em imperativos de justiça material que justificam que as restrições de liberdade, impostas apenas por exigências processuais — que não devem ser consideradas como antecipação do cumprimento de uma pena e que podem consubstanciar-se numa detenção, numa imposição de obrigação de permanência na habitação ou numa prisão preventiva — sejam descontadas no cumprimento da pena que, a final, venha a ser aplicada.

O. Na prossecução da aludida justiça material impõem-se, pois, que as restrições de liberdade que tenham sido impostas durante a tramitação de um processo que venha a terminar por um despacho, ou por uma decisão absolutória, que conheça, ou não, do mérito da causa, venham a ser descontadas no âmbito de um outro processo no qual venha o mesmo sujeito a ser condenado em pena privativa da liberdade.

P. Atrevemo-nos a afirmar, desde já, que o vertido no artigo anterior - i.e. desconto noutro processo - assume plenitude de justiça material, apenas e tão só, na medida em que se subsuma na realidade dos factos que brotam do mundo para o julgador, independentemente da data em que tenha surgido a privação de liberdade ou a derradeira sanção jurídica sobre o privado de liberdade.

Discorrendo,

Q. As exigências de justiça material, que justificam o respetivo desconto, sobrepõem-se assim às decorrentes das finalidades de aplicação de uma pena, sejam elas de prevenção geral ou de prevenção especial.

R. No que respeita ao instituto do desconto, estatuía o nº 1 do artigo 80º do CP, aprovado pelo D.L. nº 400/82, de 23 de setembro, que “a prisão preventiva sofrida pelo arguido no processo em que vier a ser condenado é descontada no cumprimento da pena que lhe for aplicada”.

S. Na versão introduzida pelo D.L. nº 48/95, de 15 de março, o nº 1 do artigo 80º do CP passou a determinar que “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado, são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada”.

T. A atual redação do nº 1 do artigo 80º do CP, introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, estipula, como supra se disse, que “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”.

U. Como se vê, no regime anterior eram descontadas na pena as medidas de privação de liberdade de caráter processual sofridas pelo arguido no processo em que viesse a ser condenado.

V. Com a redação dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, foi eliminado o anterior pressuposto da unidade processual, admitindo-se a extensão do desconto a um processo diferente daquele em que tinha tido lugar a aplicação daquelas medidas de privação de liberdade.

W. Na Proposta de Lei nº 98/X, que teve por fonte os trabalhos da Unidade de Missão para a Reforma Penal, criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 113/2005, de 29 de julho, com, além de outros, o objetivo de elaborar uma proposta de diploma de reforma do Código Penal...

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