Acórdão nº 107/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 107/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi pelos primeiros interposto recurso para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante referida pela sigla «LTC»), do «douto Acórdão neles proferido», do qual discordam.

2. Na Decisão Sumária n.º 922/2018, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso – considerando como decisão recorrida para este Tribunal quer a decisão sumária proferida pelo Relator no TCA Sul em 6/9/2018, quer a decisão proferida pelo Relator no TCA Sul em 24/10/2018 – , com fundamento no não preenchimento do pressuposto relativo à dimensão normativa do objeto do recurso e do pressuposto relativo à prévia suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa – e, acrescidamente, quanto à segunda decisão, do pressuposto relativo à ratio decidendi (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss., em especial A), n.ºs 8-10 e B), n.ºs 11-13):

«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal a quo de 13/11/2018, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como sucede in casu (cfr. requerimento, 1.) – depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto – in casu, segundo os recorrentes, o «douto Acórdão» proferido nos autos (Processo n.º 662/18.2BELSB e 664/18.9BELSB).

7. Cumpre desde logo, face ao teor impreciso do requerimento de interposição de recurso, identificar a decisão recorrida (ou decisões recorridas) para este Tribunal.

Para o efeito, tenha-se presente que, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, «Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso». Assim sendo, tendo o requerimento de interposição de recurso sido admitido por despacho do TCA Sul, o «douto Acórdão» identificado pelos recorrentes apenas se pode reportar a decisões proferidas por aquele Tribunal Central Administrativo.

Ora, resulta dos autos, que foram duas as decisões proferidas pelo TCA Sul, ora recorrido: a Decisão Sumária proferida pelo relator em 6/9/2018 (no Recurso n.º 662/18.2BELSB) na qual se decidiu (cfr. 3.- Decisão) improcederem as conclusões recursórias, o que determinou a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida proferida em primeira instância (que julgou improcedente a impugnação jurisdicional dos despachos proferidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Ministério da Administração Interna, no âmbito de processos aí tramitados, pelos quais se julgaram infundados os pedidos de proteção internacional efetuados pelos requerentes, ora recorrentes); e, ainda, a Decisão do relator no TCA Sul, proferida em 24/10/2018, que não admitiu, por intempestividade (desrespeito do prazo previsto no artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), reduzido a metade por se tratar de processo urgente), o recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), interposto pelos requerentes e ora recorrentes, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, da decisão proferida em segundo grau de jurisdição no TCA Sul.

Deste modo, pese embora a decisão recorrida para este Tribunal ter sido identificada como «douto Acórdão» proferido nos autos, apenas se podem afigurar decisões recorridas as duas referidas decisões proferidas pelo respetivo relator no TCA Sul. Ora, não tendo os recorrentes identificado exatamente de qual daquelas pretendiam interpor recurso para este Tribunal – e admitindo-se que pretendiam recorrer de ambas –, há que aferir do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso relativamente a cada uma das decisões do TCA Sul em causa.

A) Recurso interposto da Decisão Sumária proferida pelo Relator no TCA Sul em 6/9/2018

8. Tenha-se presente que, na parte do requerimento de interposição de recurso que releva para a apreciação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso (cfr. requerimento de interposição de recurso, 2.), os recorrentes identificam o respetivo objeto do seguinte modo:

«(…) apreciação da inconstitucionalidade na interpretação das normas contidas no art. 33.° da Convenção de Genebra, o n.º 2 art. 3.° e 19.° do regime jurídico aprovado pela Lei n. 27/2008, de 30 de junho, o art. 7 PIDPC, o art. 3.° da CEDH, o art. 25.° da CRP, o art. 8.° da Lei n.º 15/98, de 26 de Março, art.ºs 3.°, n.º 2, 8.°, n.º 1, 9.°, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 44.º, 202.º, n.º 2 e 203.º Constituição da República Portuguesa, maxime o art. 6.°, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, entre os mais.»

9. Resulta do enunciado do objeto do recurso efectuado pelos recorrentes, bem como teor do requerimento de interposição de recurso, que não se encontram preenchidos vários pressupostos de que depende o conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

9.1 Desde logo, no enunciado do objeto do recurso, os recorrentes reportam-se indistintamente não apenas a normas infraconstitucionais («normas contidas (…) [n]o n.º 2 art. 3.° e 19.° do regime jurídico aprovado pela Lei n. 27/2008, de 30 de junho (…), o art. 8.° da Lei n.º 15/98, de 26 de Março (…)»), mas também a parâmetros constitucionais («(…) («normas contidas (…) [n]o art. 25.° da CRP (…), art.ºs 3.°, n.º 2, 8.°, n.º 1, 9.°, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 44.º, 202.º, n.º 2 e 203.º, da Constituição da República Portuguesa (…)») e internacionais («normas contidas no art. 33.° da Convenção de Genebra, (… ) o art. 7 PIDPC, o art. 3.° da CEDH, (…) maxime o art. 6.°, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, entre os mais.») – assim elencando no mesmo plano as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie e a norma ou princípio constitucional que considera violado (cfr. artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC.).

9.2 Depois, resulta do restante teor do requerimento (em especial 3., alíneas a) e e)), bem como do teor das alegações de recurso em que os recorrentes alegam ter suscitado a pretensa questão de inconstitucionalidade que pretendem ver apreciada por este Tribunal («conclusões VI a XVII», na qual consideram...

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