Acórdão nº 124/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 124/2019

Processo n.º 905/2018

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Notificado da decisão sumária n.º 854/2018, que decidiu negar provimento ao recurso, na parte respeitante à violação de caso julgado constitucional formado pelo Acórdão n.º 819/2017 e, no mais, não conhecer do recurso, dela vem o recorrente A. reclamar para a Conferência, com invocação do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.

2. O presente recurso foi apresentado no âmbito de ação declarativa, movida pelo recorrente e outros contra o Município de Almada (teve lugar apensação de ações com o mesmo objeto), pedindo a condenação deste a reconhecê-los como «enfiteutas»/«rendeiros»/«utilizadores»/«possuidores», mais se declarando judicialmente reconhecida a enfiteuse por usucapião, e subsequentemente extinta, para que a propriedade plena dos prédios radique na sua titularidade, e que, em consequência, sejam declarados os seus direitos de propriedade sobre as parcelas de terreno e construções nelas implantadas e o demandado condenado a reconhecer tais direitos.

Na 1.ª instância, os AA. viram os seus pedidos julgados procedentes, declarado o respetivo direito de propriedade sobre as parcelas de terreno identificadas e condenado o R. a reconhecer tais direitos. Outra foi a posição do Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de julgamento de recurso de apelação apresentado pelo R, ao qual concedeu provimento, revogando a sentença de 1.ª instância e absolvendo Município demandado de todos os pedidos. Deste acórdão interpuseram os AA. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual, por acórdão de 13 de outubro de 2016, negou a revista (fls. 1680 a 1700); no que refere à aquisição da enfiteuse por usucapião e subsequente extinção com aquisição da titularidade plena sobre os prédios, à luz do regime especial do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação da Lei n.º 22/87, de 24 de junho, e da Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, desaplicou as normas dos n.ºs 5 e 6 do artigo 1.º, com fundamento em inconstitucionalidade, com referência concordante com o julgamento emitido pelo Acórdão n.º 786/2014.

Após a arguição de nulidade desse acórdão, indeferida por decisão de 13 de outubro de 2016, o também aqui recorrente A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a), b) e i), 2.ª parte, do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o qual apenas foi admitido pelo tribunal recorrido no que respeita à via de recurso prevista na alínea a).

Remetido o processo ao Tribunal Constitucional, veio a ser proferido, pela 1.ª Secção, o Acórdão n.º 819/2017 (fls. 1796 a 1844). Pelo mesmo foi decidido, com procedência parcial do recurso:

«a) não julgar inconstitucionais as normas contidas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, interpretados no sentido de permitirem uma relação de enfiteuse constituída por usucapião, tendo em vista a sua extinção, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo;

b) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76. De 16 de março, interpretada no sentido de a extinção do direito correspondente ao domínio direto numa relação jurídica de enfiteuse, com a consolidação da propriedade plena na esfera jurídica do titular do domínio útil, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 1 do referido Diploma, não conferir direito a indemnização;

c) determinar que os autos regressem ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o presente julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade.»

Regressados os autos, o STJ proferiu novo acórdão em 5 de abril de 2018, ora recorrido, nos termos do qual julgou o recurso improcedente e confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Importa aqui referir, ainda que resumidamente, a sua fundamentação, em especial na sua referência ao cumprimento do julgamento proferido no Acórdão n.º 819/2017. Assim, depois de relatadas as posições das partes e a evolução do processo, lê-se no referido aresto:

«Em conformidade [com o decidido no Acórdão n.º 819/2017], procedendo-se, nos termos do art. 80.º da Lei do Tribunal Constitucional, à reforma do acórdão de revista, cabe apreciar da pretensão dos AA. relativamente à aquisição da enfiteuse por usucapião, e subsequente extinção desta, com aquisição da titularidade de propriedade plena sobre as parcelas de terreno dos autos, ao abrigo do regime dos n.ºs 5 e 6, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de Março (introduzidos, sucessivamente, pela Lei n.º 22/87, de 24 de Junho, e pela Lei n.º 108/97, de 16 de Setembro), conjugado com o regime do n.º 1 do mesmo art. 1.º, afastado que se encontra o juízo de inconstitucionalidade de tais normas».

Mais adiante, após referir o decidido pelo acórdão do STJ de 12/03/2015, proferido no processo n.º 4583/07.6TBALM.L2.S1, conclui-se:

«Acolhendo a orientação reiteradamente seguida pela indicada jurisprudência deste Supremo Tribuna, e aplicando-a ao caso dos autos, temos que os factos dados como provados (têm os AA, há mais de 40 anos, bem como os seus antecessores, há mais de 100 anos, através de acordos verbais celebrados com os anteriores donos e mediante pagamento de quantia pecuniária anual, vindo a explorar e a cultivar diretamente os prédios dos autos, à vista de todos, pacificamente, sem oposição de ninguém e com autorização do R., neles erigindo construções e/ou cultivando hortas) não são, por si sós, conclusivos quanto à verificação do corpus correspondente ao domínio útil da enfiteuse, podendo, em alternativa, integrar o corpus correspondente a outro direito real; ou, mais provavelmente, corresponder ao mero exercício de um direito pessoal de gozo como arrendatário, o que não permite, com referência à data da extinção do instituto da enfiteuse (16 de Março de 1976), concluir pela existência de uma posse válida para efeitos de aquisição daquele direito real.

Quanto ao elemento subjetivo não foram alegados ou provados factos que permitam integrar o animus de enfiteutas ou, em geral, de possuidores por conta própria, pelo que inexistindo, qualquer que seja a via escolhida, elementos que permitam concluir pela sua verificação, improcede igualmente a ação por não estar verificado este elemento da relação enfitêutica pressuposto necessário do sucesso da ação.

Conclui-se, assim, não ter sido feita prova de que, à data da abolição da enfiteuse (16/03/1976), detivessem os AA. Recorrentes a qualidade de enfiteutas, não podendo, consequentemente, reconhecer-se que se tornaram proprietários dos prédios rústicos em causa por efeito da transferência do domínio direto para o titular do domínio útil nos termos do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março.»

Notificado, o recorrente apresentou incidente pós-decisório, o qual foi indeferido por acórdão de 14 de junho de 2018.

3. Nessa sequência, foi apresentado recurso para o Tribunal Constitucional, através de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT