Acórdão nº 121/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 121/2019

Processo n.º 24/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. , arguido e aqui Reclamante, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal de Cantanhede, que o condenou, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática, em concurso real e efetivo, de um crime de violência doméstica e de um crime de detenção de arma proibida (fls. 10v e 11).

Após formulação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações daquele recurso, a que o Recorrente acedeu, o Tribunal da Relação de Coimbra não admitiu o recurso interposto pelo arguido.

2. Inconformado, o arguido apresentou o seguinte requerimento de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (fls. 38 a 40):

«A., Recorrente nos presentes autos, notificado do Acórdão ora proferido, vem nos termos dos artigos 70º n.º 1 b) e g) da LTC interpor o competente recurso para o Tribunal Constitucional,

Nos Termos e Fundamentos Seguintes

1

Como se disse a omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe sejam conhecidas, que abrange quer as questões de conhecimento oficioso, quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais.

2

Nessa medida o Tribunal da Relação, continua a violar um dos princípios fundamentais contidos na Constituição da Republica Portuguesa, designadamente do contraditório cuja consagração constitucional plasmada no artigo 32º n.º 5, é inviolável, designadamente, tendo em conta a aplicação subsidiária do C.P.C por força do artigo 4º do C.P.C, na mediada em que se proíbe expressamente as decisão-surpresa, ao abrigo do artigos 3º n.º 3 do C.P.C, que fere de nulidade toda a decisão o que também se invoca expressamente.

3

Pelo que a omissão de pronuncia nos termos expostos, viola notoriamente os artigos 32º n." 1 e 5, 13º e 20º da C.R.P, por interpretação e aplicação inconstitucional das normas supra invocadas do C.P.P e C.P.C.

Sem prescindir,

4

Dir-se-á que o acórdão ora proferido se encontra ferido de inconstitucionalidade por violação interpretativa e aplicativa do artigo 417º n.º 3 do C.P.P.

5

Com efeito, conforme se depreende da leitura do recurso interposto, o mesmo respeita todos os pressupostos da sua apreciação, designadamente, o Recorrente apresentou a sua motivação de recurso, transcrição de prova, indicação dos pontos da matéria de facto que pretende ver reapreciados fundamentando com indicação expressa quais os pontos incorretamente apreciados e respetiva fundamentação, tal como formulou, ainda que exaustivamente, as conclusões de recurso onde também aponta as normas jurídicas violadas e como as mesmas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no entender do Recorrente.

6

Resulta inequivocamente do Recurso apresentado que o mesmo está redigido em língua portuguesa, com linguagem técnico-jurídica percetível, e que as conclusões de recurso são perfeitamente inteligíveis, já que o Ex.mo Procurador do Tribunal da Relação apresentou resposta às mesmas, reconhecendo inclusive razão ao Recorrente relativamente a uma nulidade invocada, ainda que considerasse a mesma com possibilidade de sanação.

7

Andou mal o tribunal ad quem, que apesar da existência da motivação e conclusões de recurso, não só não aproveitou a parte que poderá não estar afetada pela "pseudo impercetibilidade”, e equipara a situação pura e simplesmente à inexistência de quaisquer conclusões, tal como faz tábua rasa dos requerimentos apresentados pelo Recorrente, tendo o mesmo manifestado sempre o propósito de responder ao convite, ainda que necessitasse de esclarecimento.

8

A interpretação que o Tribunal da Relação faz do artigo 417º n.º 3 é totalmente inconstitucional por violação dos mais elementares direitos de defesa, acesso ao direito, principio da segurança jurídica, da confiança, do processo equitativo e da igualdade de armas plasmados nos artigos 32º n.º 1, 2, 5, 20º e 13º da C.R.P.

9

É baluarte do processo penal, assegurar o exercício de um legítimo grau de recurso e consequente direito de defesa que se reconhece como filosofia inspiradora do processo penal em nome de um "due process". O que no caso não aconteceu.

10

Aliás, o Tribunal da Relação nem se deu ao esforço de aproveitar, eventualmente, a parte não afetada, que claramente seria possível, em particular no respeitante às primeiras 5 conclusões onde é suscitada a questão da Nulidade da Sentença por Excesso de Pronúncia e Violação dos artigos 379 nº 2 al. c) e 380º b) do C.P.P

11

Assim, é constitucionalmente inaceitável, por violação do direito a um processo equitativo c do próprio direito ao recurso (arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1, da CRP), a interpretação do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP segundo a qual o a parte não afetada pelo eventual não cumprimento das exigências processuais relativas às conclusões da motivação do recurso, conduz também à sua rejeição.

12

O princípio constitucional de que o processo penal tem de assegurar todas as garantias de defesa, inclusive o direito ao recurso é imperativo e corolário da Declaração Universal dos Direitos do Homem cujo respeito é consagrado no artigo 16º da C.R.P, considerando-se a interpretação efetuada pelo Tribunal da Relação dos artigos 417º n.º 3 e 412º n.º 3 e 4, como contrários aos preceitos constitucionais invocados.

Termos em que nos Doutamente supridos e nos mais de Direito, deve ser admitido o presente recurso para o Tribunal Constitucional».

3. Porém, por despacho do Relator, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade não foi admitido, nos termos e com os fundamentos seguintes (fls. 41 a 44):

«1 A., arguido no âmbito processual, notificado do acórdão desta Relação documentado na peça de fls. 1145/1149, por cujo conteúdo essencialmente se lhe irreconheceu/indeferiu a suscitada invalidade do anterior deste mesmo Tribunal, de fls. 1120/1123, por putativo vício de nulidade jurídico-processual, de omissão de pronúncia, virtualmente tipificado sob o art.º 379.º/1/c) do CPP, dele ora se propõe recorrer para o Tribunal Constitucional (TC), pelas peças juntas a fls. 1154/1155 e 1157/1159 (cujos dizeres nesta sede se têm por integrados), respetivamente expedidas - pela sua Exm.ª defensora - por telecópia e por via postal registada, arrimando o respetivo/evocado direito nas disposições das als. b) e g) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (compêndio legal doravante abreviadamente referenciado pela sigla LTC), associadas - tanto se logra inteligir do seu jurídico-processualmente impreciso argumentário - à pretensa inconstitucionalidade interpretativa e aplicativa dos arts. 417.º/3 e 412.º/3/4 do CPP, por suposta violação dos direitos de defesa, acesso ao direito, princípio da segurança jurídica, da confiança, do processo equitativo e da igualdade de armas plasmados nos artigos 32º n.º 1, 2, 5, 20º, n.º 4 e 13º da CRP.

2 - Porém, por força da imperatividade da dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos preceitos ínsitos sob os arts. 132.º/1 e 144.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) [subsidiariamente aplicáveis por força da disposição do art.º 4.º do Código de Processo Penal (CPP)], e 1.º, ns. 1, 2 e 6, als. a) e b), 3.º e 5.º/1, da sua regulamentar Portaria n.º 280/2013, de 26/08, na versão/redação introduzida pelo art.º 2.º da Portaria n.º 170/2017, de 25/05, vigora desde 01/07/2017 no ordenamento jurídico nacional a obrigatoriedade para os respetivos advogados (mandatários/defensores) de apresentação de peças processuais respeitantes a processo criminal - que ora releva - através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, no endereço eletrónico https://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções aí constantes, salvo em caso de ocorrência de respeitante justo impedimento, prevenido sob o n.º 8 do citado art.º 144.º do CPP, devidamente invocado e comprovado, em rigoroso respeito pela respetiva disciplina jurídico-processual estabelecida sob o art. 140.º do CPC, então eventualmente legitimante da prática do próprio ato por uma das três excecionais modalidades legais prevenidas sob o n.º 7 do mesmo dispositivo: direta entrega na secretaria judicial; respetiva remessa pelo correio, sob registo; e/ou envio através de telecópia [naturalmente se particularmente autorizada, nos estritos limites regulamentados e disciplinados pelo regime legal-especial aprovado pelo D.L. n.º 28/92 (de 27/02), como ora verificado].

Observa-se, contudo, a absolutamente injustificada inobservância pela Exm.ª defensora, signatária das sinalizadas peças, desse inelutável ónus.

Por conseguinte, a consequência jurídica do seu opcional desrespeito por tal imperativo rigorismo procedimental haver-se-á, naturalmente, de aferir pela disciplina geral dos atos jurídicos contrários à legalidade expressa, e, logo, pelo regime geral - aplicável em qualquer jurisdição - estabelecido pela dimensão normativa resultante da conjugada interpretação dos arts. 295.º e 294.º do Código Civil, apodicticamente determinativa da correspondente invalidade (nulidade).

3 - Ainda que outro hipotético entendimento - juridicamente indescortinável - se ousasse, sempre, doutra sorte, apodicticamente se imporia o indeferimento do respetivo requerimento, pela singela e incontornável razão de que pelo referenciado acórdão deste Tribunal de fls. 1145/1149 (de 03/10/2018) - meramente apreciativo...

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