Acórdão nº 161/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução13 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 161/2019

Processo n.º 1455/2017

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Ministério Público interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC) do saneador-sentença proferido em 9 de novembro de 2017 pelo Juízo de Execução de Coimbra, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

2. O presente recurso é incidente de apenso de embargos de executado, deduzidos por A. contra B., S.A., com base em requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, no âmbito do qual o Juízo de Execução de Coimbra, Juiz 1, da Comarca de Coimbra, decidiu declarar a «falta/nulidade» da notificação do embargante no âmbito do procedimento de injunção e a nulidade do título executivo quanto ao embargante, declarar extinto o processo executivo quanto ao executado/embargante, ordenar o «levantamento/cancelamento/restituição» de toda e qualquer penhora determinada no processo executivo sobre o património do executado e fixar o valor dos embargos de executado em €3.444,67. Para o efeito recusou a aplicação, por violação do artigo 20.º da Constituição, da “norma constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09 (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17/02), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00, quando interpretada no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para a única morada conhecida, apurada nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 4 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição”.

3. É desta decisão que recorre o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, peticionando a apreciação da constitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada.

4. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, apenas o recorrente apresentou alegações, pugnando por julgamento positivo de inconstitucionalidade do sentido normativo recusado e consequente improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

5. O sentido normativo em questão nos presentes autos decorre do preceituado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, comportando três elementos nucleares: (i) a frustração de notificação pessoal do requerido, por via de carta registada com aviso de receção, dirigida para o endereço indicado no requerimento de injunção; (ii) o subsequente envio de nova carta, agora por via postal simples, para o mesmo endereço, coincidente com aquele resultante da consulta das bases de dados de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação; (iii) e, por último, o início da contagem do prazo para a dedução de oposição com o depósito dessa segunda carta, mesmo que o requerido não resida na morada de destino.

O juízo de recusa de aplicação constante da decisão recorrida louvou-se na jurisprudência do Acórdão n.º 222/2017, que se pronunciou pela inconstitucionalidade de sentido normativo idêntico, diferenciando-se daquele em questão no presente recurso na circunstância de o mecanismo de consulta de moradas do requerido em bases de dados, previsto no n.º 3 do artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, ao invés do que sucedeu nestes autos, ter oferecido mais do que um resultado, caso em que, nos termos do n.º 5 do preceito, é enviada carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas.

Essa orientação jurisprudencial culminou, recentemente, na prolação do Acórdão n.º 99/2019, no âmbito de processo aplicável à repetição do julgado, previsto no artigo 82.º da LTC, na declaração, com força obrigatória geral, da «norma constante dos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000 – na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a) do referido Decreto-Lei n.º 32/2003 –, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12.º), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do artigo 12.º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa».

A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, arrimada à apreciação da questão efetuada no Acórdão n.º 222/2017, foi fundamentada nestes termos:

«6. O Acórdão n.º 222/2017, que está na base da linha jurisprudencial que deu origem ao presente processo de generalização, julgou inconstitucional a norma sub juditio por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

6.1 Nesse aresto n.º 222/2017, começou por se proceder a um enquadramento sucinto do regime da injunção, no qual se insere o artigo (12.º) de cujos números 3 e 5 se extrai a norma em causa nos presentes autos (cfr. II – Fundamentação, 5.):

«A consagração do procedimento de injunção, pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de dezembro, fez parte dum movimento de desburocratização e simplificação de atos processuais, com o objetivo de obter maior celeridade e eficácia na resposta da justiça à multiplicação de litígios, que constituía - e ainda constitui - uma das principais causas de congestionamentos no sistema de justiça.

Pesem embora as inegáveis virtualidades do regime, nos primeiros anos da sua vigência o instituto não mereceu a aceitação esperada, constatando-se que o recurso ao procedimento de injunção não acompanhava o aumento exponencial que registavam as ações de reconhecimento e cobrança de dívidas, intentadas sobretudo por grandes empresas comerciais, com padrões de contratualização abrangendo múltiplos consumidores.

Foi com vista a incentivar o recurso ao procedimento de injunção, que foi publicado o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que introduziu alterações substanciais ao regime, revogando aquele primeiro diploma. O objetivo, declarado no preâmbulo, foi o de criar, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior ao da alçada dos tribunais de 1.ª Instância, um modelo de ação, inspirado no figurino da ação sumaríssima, mas com maior simplificação, em consonância com a corrente simplicidade das pretensões subjacentes, frequentemente caracterizadas pela não oposição dos demandados.

O regime da injunção viria a ser objeto de mais alterações, sendo de realçar as que se traduziram no aumento do valor do procedimento e no alargamento do seu âmbito de aplicação. No que respeita ao valor, o limite que constava da versão originária do Decreto-Lei n.º 269/98, que se cingia aos contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, foi sucessivamente aumentado, primeiro, para «valor não superior à alçada da Relação» (ex-vi Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1 de julho) e, depois, para «valor não superior a € 15.000,00» (ex-vi Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto). No que respeita ao segundo, o procedimento passou a abranger - independentemente do valor - a obrigação de pagamento decorrente de transações comerciais entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.

Apesar de introduzidas por via de diversos diplomas legais, em diferentes momentos, o conjunto destas alterações, embora pontuais, por incidirem em aspetos essenciais do regime, acabaram por conduzir a uma certa descaracterização do regime inicialmente pensado pelo legislador».

6.2 No mesmo Acórdão, de seguida, clarificam-se alguns aspetos da tramitação do procedimento de injunção e analisa-se em particular o regime da notificação (cfr. II –Fundamentação, 6.):

O procedimento tem início com a apresentação do requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunção. Pode haver recusa pelos fundamentos de natureza formal do artigo 11.º do Regime Anexo, admitindo-se reclamação para o juiz do ato de recusa.

Se o requerimento for admitido como – atenta a taxatividade e a natureza das causas de recusa – sucederá em regra seguir-se-ão os procedimentos de notificação do requerimento, através dos...

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