Acórdão nº 150/19 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 150/2019

Processo n.º 1163/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Correu termos no Juízo Central Criminal de Leiria, com o número 4/03.1IDACB um processo comum para julgamento por tribunal coletivo, em que é arguido (entre outros) A. (o ora Reclamante). O tribunal de primeira instância condenou-o, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 104.º, n.os 1, alíneas d), e ), e 2, do RGIT e pelos artigos 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob a condição resolutiva do pagamento de €153.962,23 à Fazenda Nacional no período da suspensão.

1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando, designadamente, o seguinte:

“[…]

m) o procedimento criminal deve sempre ser declarado prescrito, em virtude de o crime continuado ser sancionado pela lei vigente à data da conduta mais grave que integra a continuação, sem prejuízo da aplicação de lei mais favorável posterior – vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.01.2011, prolatado no processo n.º 2335/06.4TAGMR.G1;

n) na conduta mais grave dada como provada é a respeitante ao IRC de 1999, vigorando nessa data o RJIFNA, sendo o prazo de prescrição de 5 anos;

o) assim, tendo-se consumado o crime continuado em 28.11.2003, data da última fatura, incluída em declarações fiscais pela B., Lda., o procedimento criminal extinguiu-se por efeito da prescrição em 29 de maio de 2014, porquanto nesse dia se mostravam decorridos 10 anos e seis meses;

p) é que, deve-se distinguir, entre tempus delicti e o momento da consumação;

q) o Acórdão recorrido fez interpretação inconstitucional da norma do artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, ao considerar que é o RGIT a lei aplicável, por o último ato criminoso ter sido praticado depois da sua entrada em vigor, por violação dos artigos 29.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

[…]” (sublinhado acrescentado).

1.1.1. Pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido acórdão, datado de 20/06/2018, pelo qual foi concedido parcial provimento ao recurso do arguido A., unicamente quanto período de suspensão da execução da pena de prisão, que viu alargado para três anos. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

A argumentação do recorrente assenta desde logo num pressuposto que não se acolheu, qual seja o da alteração à matéria de facto, isto mormente no sentido que começa por alegar de que expurgada da mesma a factualidade de 2003, a última fatura, incluída em declarações fiscais, foi emitida em 26.03.2001, data em que começou a correr o prazo prescricional, mostrando-se vigente o RJIFNA, que não o RGIT; ora, pelo que já demonstrámos supra, o acervo fáctico deve manter-se intacto e daí que por tal fundamento não colha esta sua pretensão.

Por outro lado, mostra-se inequívoco o entendimento sufragado no acórdão recorrida (citando o aresto prolatada pelo TRG no processo 20/20.0IDBRG-X.G1, acessível em www.dgsi.pt/jtrg) e em cujos termos o crime de fraude fiscal praticado através da emissão de fatura falsa, após acordo prévio dos vários arguidos, consuma-se com a emissão da fatura, senda essa a data relevante para o início da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, acrescendo que sendo o crime cometido através da emissão de várias faturas, a contagem do prazo prescricional inicia-se com a emissão da última fatura.

Fixado o início de vigência do RGIT em 5 de julho de 2001, e sendo a emissão de algumas das faturas posterior a esta data é então este o regime aplicável, isto sem que daí decorra qualquer preterição aos mandamentos constitucionais do coligido artigo 29.º, n.os 1 e 4.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. O arguido interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), do Tribunal Constitucional, tendo em vista a apreciação da inconstitucionalidade da norma “[…] contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretada [no sentido em] que é aplicável o regime à data do último crime cometido (no caso dos autos o RGIT), apesar de a conduta mais grave cometida integrante do crime continuado ter sido cometida quando estava em vigor lei anterior (no caso dos autos o RJIFNA)”, invocando que suscitou a questão nas alegações de recurso dirigidas ao Tribunal da Relação de Coimbra.

1.2.1. Tal requerimento foi objeto de um despacho de não admissão – que constitui a decisão aqui objeto de reclamação –, por não ter sido observado o ónus da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC (para além de, no entender do senhor desembargador relator, não ter sido indicada no requerimento de interposição do recurso, com suficiente clareza, uma questão de inconstitucionalidade com adequada dimensão normativa).

1.3. O Recorrente reclamou, então, para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC – reclamação que deu origem aos presentes autos – com os fundamentos seguintes:

“[…]

Fundamenta-se o despacho reclamado em dois fundamentos:

a) Não ser enunciada, com um mínimo de clareza, qual a questão de constitucionalidade normativa que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional;

b) O ora reclamante não cumpriu o ónus de suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, de forma a criar um dever de pronúncia sobre a matéria.

Salvo o devido respeito não merecem acolhimento os fundamentos invocados.

Analisemos o primeiro fundamento: Não ser enunciada, com um mínimo de clareza, qual a questão de constitucionalidade normativa que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional

No requerimento de interposição de recurso (em que se seguiu o modelo constante a pág. 101 in Breviário de Direito Processual Constitucional de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, 2.ª edição, Coimbra Editora), consta:

‘pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da seguinte norma:

– contida no artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretada de que é aplicável o regime à data do último crime cometido (no caso dos autos o RGIT), apesar de a conduta mais grave cometida integrante do crime continuado ter sido cometida quando estava em vigor lei anterior (no caso dos autos o RJIFNA).

Tal norma, assim interpretada, viola os artigos 29.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa;’

Parece ao reclamante não suscitar dúvidas qual a questão colocada à apreciação desse Alto Tribunal para dirimir.

No Acórdão condenatório foi aplicado in totum o regime penal fiscal previsto no RGIT por o último facto dado como provado ter ocorrido em 28.11.2003, apesar de o crime mais greve dado como provado ter ocorrido com a declaração de IRC do ano de 1999 e, por isso, na vigência do RJIFNA.

Preceituando o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal, que o crime continuado é punido com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, a questão colocada é se a interpretação efetuada, de ser aplicável o regime vigente à data do último crime integrante do crime continuado, não afronta o disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 4, da CRP, quando o crime mais grave ocorreu na vigência de uma lei mais favorável, do que a vigente à data do último criminoso.

Decorre com meridiana clareza que o reclamante entende que não pode sofrer pena mais grave do que a prevista no momento em que ocorreu o crime mais grave por si cometido na conduta criminosa continuada.

Destarte, a questão colocada é se não padece de inconstitucionalidade a interpretação efetuada quer no Acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, quer no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de ser aplicável o RGIT, regime vigente à data do último facto integrante da conduta criminosa, apesar de o RJIFINA, regime vigente à data do crime mais grave integrante da conduta criminosa, ser mais favorável ao arguido, devendo ao invés, ser interpretado o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal como sendo aplicável o regime mais favorável entre os regimes vigentes à data do crime mais grave integrante da conduta criminosa e do último crime integrante da conduta criminosa.

Analisemos o segundo fundamento; não cumprimento do ónus de suscitação adequada de uma questão de constitucionalidade, de forma a criar um dever de pronúncia sobre a matéria

Alegou o ora reclamante na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra:

‘O Acórdão recorrido considerou ser “o RGIT a lei aplicável, por o último ato criminoso ter sido praticado depois da sua entrada em vigor em 05/07/2001”, louvando-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/11/2014, proferido no processo n.º 20/02.OIDBRG-X.G1.

Salvo o devido respeito, não se sufraga este entendimento relativamente ao crime continuado, o qual se encontra em oposição ao Acórdão do mesmo Venerando Tribunal de 10.01.2011, proferido no processo n.º 2335/06.4TAGMR.G1.

Com efeito, preceitua o artigo 79.º, n.º 1, do Código Penal que o ‘rime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação’.

Disposição similar à anterior, contida no artigo 78.º, n.º 5, que regia que o ‘crime continuado é punível com a...

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