Acórdão nº 182/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 182/2019

Processo n.º 12/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, datado de 29 de novembro de 2019, que indeferiu a reclamação da decisão sumária proferida pela Juíza Conselheira Relatora, que rejeitou o recurso interposto pelo ora recorrente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de janeiro de 2018, o qual, por sua vez, indeferira a nulidade imputada ao aresto precedentemente proferido pela mesma Relação, datado de 12 de janeiro de 2017.

2. Através da Decisão Sumária n.º 68/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

5. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Em consonância com a previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa, identifica-se «o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98), orientação desde há muito consolidada na jurisprudência constitucional.

Com efeito, conforme vem este Tribunal reiteradamente afirmando, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, têm, por força do disposto no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição, um objeto estritamente normativo, no sentido em que apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou dimensões normativas, e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância «da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional« (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 26), mas apenas do critério ou padrão normativo que lhes subjaz.

É esta a razão pela qual, no segmento que tem em vista o reconhecimento de que se verificou «uma nítida violação das garantias de defesa do arguido, do seu direito de recurso, e do seu direito à tutela jurisdicional efetiva, tanto nas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa, que não conheceram do objeto do recurso e do requerimento de arguição de nulidade e não cumpriram com o dever de fundamentação a que estavam sujeitas, como nas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que consideraram o recurso para o mesmo interposto como inadmissível», o presente recurso não é processualmente admissível.

Assim enunciada pelo recorrente, tal questão não reveste natureza normativa.

Em linha com a quase integralidade da extensa argumentação articulada no requerimento de interposição de recurso, tal modo de enunciar a questão é, ao invés, relevador de que a pretensão subjacente à interposição do presente recurso é apenas a de ver reapreciadas as soluções de direito infraconstitucional sucessivamente alcançadas pelas instâncias, soluções essas cuja correção ou acerto, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a normas ou princípios constitucionais, não é sindicável por este Tribunal. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 429/2014, o Tribunal Constitucional é um «Tribunal de normas», restringindo-se o objeto da sua análise «à avaliação de normas e não de quaisquer outros atos, designadamente decisões judiciais».

6. Para além do carácter normativo do respetivo objeto, os recursos interpostos com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõem, como condição da respetiva admissibilidade, que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou interpretação normativa impugnada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos “dirimir questões meramente teóricas ou académicas” (cf. Acórdão n.º 498/96), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelos recorrentes, deverá poder “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por isso, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

Ora, de acordo com a síntese formulada pelo recorrente no ponto 71. do requerimento de interposição, o objeto do presente recurso é integrado ainda pela interpretação que o recorrente considera ter sido extraída pelo Supremo Tribunal de Justiça «do artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, que considera como irrecorríveis as decisões dos Tribunais da Relação, que não conheçam, a final, do objeto dos processos, quando estas mesmas decisões não conheçam do objeto do recurso para estes tribunais interposto, nomeadamente, quando o objeto do recurso se consubstancie na nulidade da decisão recorrida».

Sucede, todavia, que, conforme decorre da fundamentação constante do acórdão aqui recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça não interpretou o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal no sentido impugnado pelo recorrente.

Com efeito, tal sentido pressupõe que, para confirmar a decisão sumária de não admissão do recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de janeiro de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça considerou serem irrecorríveis, por força da regra estabelecida no referido preceito legal, as decisões proferidas pelos Tribunais da Relação que não conheçam, a final, do objeto dos processos, mesmo quando tais decisões não hajam conhecido do objeto do recurso interposto para estes Tribunais.

Apesar de ser essa a convicção do recorrente ¾ isto é, a de que, tanto no acórdão datado de 12 de janeiro de 2017, como naquele que proferiu em 11 de janeiro de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre as questões que em concreto lhe foram submetidas ¾, o certo é que assim não foi considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Senão vejamos.

No acórdão ora recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça começou por notar que o recurso de cuja não admissão reclamava então o ora recorrente fora interposto apenas do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de janeiro de 2018, que desatendera a nulidade, por omissão de pronúncia, imputada ao aresto proferido em 12 de janeiro de 2017, através do qual fora negada procedência ao recurso interposto da decisão condenatória proferida em primeira instância.

Não tendo sido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 12 de janeiro de 2017, a questão de saber se, em tal acórdão, este Tribunal conhecera ou não do objeto do recurso interposto da decisão proferida em primeira instância encontrava-se excluída do thema decidendum da reclamação que incidiu sobre a decisão sumária proferida pela Juíza Conselheira Relatora, razão pela qual não foi sequer considerada no acórdão aqui recorrido.

Já quanto ao acórdão proferido em 11 de janeiro de 2018 ¾ o único, repete-se, do qual fora interposto recurso ¾, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que, nele, o Tribunal da Relação conhecera do objeto do pedido, isto é, da «arguição de nulidade do anterior acórdão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação».

Ao incluir um elemento que, conforme se viu, não foi reconhecido nem considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos fundamentos que conduziram à confirmação da decisão singular de não admissão do recurso, a dimensão interpretativa impugnada afasta-se irremediavelmente da ratio decidendi do acórdão aqui recorrido, o que torna o recurso de constitucionalidade, também nesta parte, processualmente inadmissível.

7. Ex abundantis , não deixará de notar-se que, ainda que a dimensão sindicada encontrasse a necessária correspondência no fundamento jurídico do julgado, a pretensão do recorrente sempre soçobraria por não ter sido suscitada, de forma processualmente adequada, perante o Tribunal aqui recorrido, qualquer questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

De acordo com o recorrente, a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso terá sido suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da reclamação, dirigida à conferência, que incidiu sobre a decisão singular de admissão do recurso, devendo ter-se, assim, por observado, o ónus imposto pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC....

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