Acórdão nº 195/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 195/2019

Processo n.º 2/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é reclamante A., S.A. e reclamada a Autoridade Tributária e Aduaneira, a primeira interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral que julgou improcedente a pretensão da reclamante «com fundamento na autoridade de caso julgado», considerando por isso prejudicado o conhecimento da questão de inconstitucionalidade que constituía o fundamento do pedido.

Não tendo o recurso sido admitido por decisão arbitral do CAAD, foi apresentada reclamação ao abrigo do artigo 76.º da LTC.

2. O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional tem o seguinte teor:

«A., S.A., notificada, na sua qualidade de Requerente, da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo à margem referenciado, que correu termos em sede de Tribunal Arbitral constituído neste Centro de Arbitragem Administrativa, vem, ao abrigo do nº 1 do artº. 25º do Dec.-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (que consagra o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária - RJAT), em conjugação com o regime dos artºs. 6º, 70º, nºs. 1, al. b), e 2, 71º, nº 1, 72º, nºs. 1, al. b), e 2, 75º, nº 1, 75º-A, nºs. 1 e 2, e 76º, nº 1, todos da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC), interpor recurso daquela Decisão para o Tribunal Constitucional, uma vez que a mesma aplicou uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (cf. o artº, 25º, nº 1, in fine, do RJAT, e o artº. 70º, nº 1, al. b), da LTC).

A norma objeto do presente recurso é o artº. 69º, nº 8, al. b), do Código do IRC, na formulação vigente no exercício de 2011, ao qual se reporta a factualidade relevante nos autos.

A vigência dessa norma (entretanto revogada, com a reforma da tributação das sociedades operada pela Lei nº 2/2014 de 16 de janeiro) violava o princípio constitucional da proporcionalidade, constante do artº, 18º, nº 2 e 267º nº 2, da Constituição, e igualmente ínsito no princípio do Estado de Direito previsto no artº. 2º do mesmo diploma, bem como o princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, consagrado no artº. 104º, nº 2, da Constituição, o qual é, no campo da tributação sobre as empresas, uma manifestação do princípio da capacidade contributiva, por sua vez uma emanação do princípio da igualdade estabelecido no artº. 13º.

As questões de constitucionalidade objeto do presente recurso foram suscitadas nos autos pela ora recorrente, de modo expresso e desenvolvido, designadamente nos pontos 92º a 143º do pedido de pronúncia arbitral, e nos pontos 93º a 144º das suas alegações finais, onde a inconstitucionalidade da norma em crise vem invocada e defendida direta e autonomamente.

Não obstante o disposto no artº, 25º, nº 4, do RJAT, o presente recurso é apresentado neste Centro de Arbitragem Administrativa em conformidade com o decidido pelo Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos nº 281/2014, de 25 de março, e nº 262/2015, de 6 de maio.

Nestes arestos entendeu-se, com efeito, que o citado preceito se encontra em contradição com o disposto nos artºs. 75º, nº 1, 75º-A, nº 5, e 76º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.

Assim, revestindo-se esta última de natureza reforçada, por se tratar de uma lei orgânica, a contradição entre a solução normativa fixada pelo nº 1 do artº. 25º do RJAT e o artº. 76º, nº 1, da LTC, resolve-se a favor deste último, em função da manifesta "ilegalidade 'próprio sensu"' da primeira, pelo que se impõe a desaplicação da norma extraída do nº 1 do artº. 25º do RJAT e a consequente aplicação do regime processual previsto na LTC.

A este propósito, importa ainda referir que, apesar de o artº. 23º do RJAT prever a dissolução do Tribunal Arbitral com a notificação da Decisão, e consequente esgotamento do respetivo poder jurisdicional, deverá entender-se que o mesmo Tribunal se reconstitui para efeitos de admissão do presente recurso, ou, em alternativa, que a dissolução do Tribunal Arbitral só ocorre após o decurso do prazo de 10 dias previsto na lei para interposição do recurso de constitucionalidade, devendo o mencionado art°. 23º ser interpretado em conformidade, sob pena de ilegalidade por violação do disposto no artº. 76º da LTC.

Em consequência, não é igualmente aplicável o artº, 25º, nº 5, do RJAT, uma vez que a necessidade de comunicar ao Centro de Arbitragem Administrativa a interposição do recurso é inutilizada pela obrigação de aí proceder à própria apresentação do respetivo requerimento.

Para além disso, perde igualmente sentido a junção de cópia do processo arbitral a que se refere o artº, 25º, nº 4, solicitando-se a V. Exas., ao invés, que ordenem a emissão de certidão de todo o processado, a qual deve acompanhar o presente requerimento na subida dos autos ao Tribunal Constitucional.

A recorrente é parte legítima e está em tempo, pelo que deverá ser admitido o presente recurso, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos, nos termos previstos nos artºs. 78º da LTC e 26º do RJAT.»

3. Por despacho datado de 4 de dezembro de 2018, o CAAD não admitiu o recurso de constitucionalidade, com os seguintes fundamentos:

«(…)

2. Como resulta com evidência do contexto da decisão recorrida, o pedido arbitral foi julgado improcedente com fundamento na autoridade de caso julgado constituído pela decisão proferida no Processo n.º 10/2017-T e, consequentemente, foi julgado prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade que havia sido suscitada (ponto 11).

É entendimento pacífico que só ocorre uma efetiva aplicação da norma, para efeitos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, quando ela constitui ratio decidendi da decisão proferida. Nesse sentido, entende-se que não há efetiva aplicação da norma quando a decisão recorrida assentou num outro e autónomo fundamento, quando a questão de constitucionalidade ficou prejudicada, ou quando a pronúncia do tribunal recorrido ocorre a título de obiter dictum (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 524/98, 319/94, 513/06, 320/07, 270/08).

Por outro lado, a exigência da efetiva aplicação da norma como pressuposto do recurso de constitucionalidade formulado ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional relaciona-se com o caráter instrumental do recurso. A decisão a proferir no recurso de constitucionalidade há de ter uma efetiva repercussão na solução do caso concreto, implicando a reforma da decisão recorrida e, por isso, não basta que o juízo de inconstitucionalidade possa ter interesse para prevenir futuros litígios (acórdão n.º 324/94) ou para dirimir outras questões que o tribunal a quo tenha de enfrentar ao proceder à reforma da decisão recorrida (acórdão n.º 635/99).

Tendo o tribunal julgado improcedente o pedido por efeito da autoridade de caso julgado resultante de uma outra decisão anterior já transitada, abstendo-se de reapreciar a questão da cessação do regime especial de tributação a que se refere a invocada disposição do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, [o] tribunal não efetuou um qualquer juízo autónomo sobre a constitucionalidade dessa norma, tendo antes...

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