Acórdão nº 204/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 204/2019

Processo n.º 78/18

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., S.A., vem recorrer ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de novembro de 2017, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Município de Estarreja – recorrido nos presentes autos – da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações de taxas relativas às bombas abastecedoras de combustíveis e de ar e água do posto de abastecimento da área de serviço de Antuâ-A1, km 262, referentes aos anos de 2009 a 2012, no total de € 10 868,18. Naquela sentença, considerou-se que as liquidações em causa se baseavam em normas feridas de inconstitucionalidade orgânica: as verbas 7.1.2. e 7.2.2. (referentes a bombas abastecedoras de carburantes líquidos) da “Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais” anexa ao Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de março de 2010.

Diferentemente, no acórdão recorrido (fls. 559-593., também acessível a partir da ligação http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase), entendeu-se relativamente à questão da inconstitucionalidade, e no que ora releva, o seguinte:

«[Em] revisão da anterior jurisprudência [constitucional], os Acórdãos 581/12 de 05.12.2012 e 316/14, de 01.04.2014 (Do Plenário do Tribunal Constitucional), julgaram não inconstitucional, mesmo quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, a taxa […], no entendimento de que o que releva é o tipo de instalação e não a natureza pública ou privada em que a mesma se encontra instalada.

No caso em apreço o posto de abastecimento (área de serviço de Antuã) situa-se em terreno pertencente à concessão da Brisa, em regime de subconcessão à A., e não ocupa qualquer porção de território integrado no domínio público ou semipúblico do Município de Estarreja.

E o Tribunal recorrido considerou que o Município de Estarreja não logrou provar a existência de qualquer ação concreta e individualizada de análise ou inspeção, de formação ou de aconselhamento ou qualquer outra prestação administrativa causada ou aproveitada individualmente pela Impugnante. […]

Mas será que é exatamente assim?

Será que estando em causa a exploração de posto de abastecimento de combustível, que implica o armazenamento e o manuseamento de materiais altamente inflamáveis e que envolve inequivocamente riscos para a segurança e para a saúde das pessoas e, além do mais, interfere com a qualidade do ambiente, sendo as taxas impugnadas fundamentadas pelo dever que incumbe aos municípios de prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil e de defesa do ambiente, se justifica e é razoável impor aos municípios que estes, para cobrarem tais taxas, tenham de fazer a prova de todas e cada uma das ações realizadas em cumprimento de tal dever?

A resposta, a nosso ver, deve ser negativa.

De facto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido que possa não existir um ato concreto de prestação a justificar a cobrança da taxa, desde que os índices ou presunções em que a mesma assenta sejam razoáveis e permitam identificar a ocorrência da prestação de um serviço provocado ou aproveitado pelo seu sujeito passivo.

Como se evidencia no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional proferido no recurso 316/2014, “o simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis envolve riscos para a segurança e a saúde das pessoas e interfere com a ‘qualidade do ambiente’ […], razões que levaram o legislador a estabelecer um quadro normativo técnico com caráter preventivo e a consagrar um sistema de fiscalização destinado a fazê-lo respeitar. Estas ações do legislador configuram por isso – ao menos, também – uma concretização do dever de proteção do ambiente. Na verdade, os postos de abastecimento de combustíveis, em si mesmos enquanto depósitos, e o seu funcionamento, representam uma fonte de poluição, em especial para os componentes ambientais ar, água, solo e subsolo nas suas imediações (cfr. o artigo 21.º da Lei de Bases do Ambiente). É também a proibição de poluir que justifica os condicionamentos normativos e os termos concretos da ação fiscalizadora a desenvolver (cfr. o artigo 26.º da Lei de Bases do Ambiente).

A partir do início de vigência do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, os municípios adquiriram um papel central na operacionalização do sistema de fiscalização (cfr. o respetivo artigo 25.º). A importância dos municípios e da fiscalização por eles exercida é tanto mais de sublinhar, desde logo, porque é o ambiente de cada município em que se localizam postos de abastecimento de combustíveis que é degradado. Por outro lado, atenta a duração longa das licenças de exploração deste tipo de instalações – até 20 anos, sendo esta a situação normal, de modo a amortizar os investimentos vultosos realizados pelos seus promotores […] – frequentemente é apenas ao nível da fiscalização que os municípios podem intervir em defesa dos seus interesses e dos seus munícipes.

(…) Ou seja, incumbe aos municípios o dever de proteção dos interesses acautelados na legislação e regulamentação própria dos postos de abastecimento de combustíveis. E esse dever legal é permanente e específico, porque dirigido à garantia de regras especiais, de modo a, por exemplo, detetar situações de “perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e a segurança dos locais de trabalho e o ambiente” e “tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo” (cfr. o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro); ou situações de infração às regras de exploração de postos de abastecimento (cfr. o artigo 45.º e seguintes do Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis).

Há aqui manifestamente um plus, relativamente aos deveres gerais de polícia administrativa. Com efeito, não é indiferente para um qualquer município, ter ou não ter postos de abastecimento de combustíveis localizados na sua circunscrição, já que, em caso de acidente, a omissão de uma fiscalização diligente pode ser considerada como tendo contribuído para o mesmo e, assim, ser causa de danos para o próprio município e fonte de obrigações de indemnização de danos de terceiros (Sublinhado nosso.) […]

Ora é indubitável que a exploração de um posto de abastecimento de combustível, como o que está em causa nos autos, configura por si só, e independentemente da natureza pública ou privada do local onde se encontre, uma situação de risco e geradora de impactos...

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