Acórdão nº 201/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 201/2019

Processo n.º 50/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de abril de 2018, foi julgado improcedente o recurso de apelação apresentado pela aqui Reclamante, A., Lda. contra a sentença que, em primeira instância, declarara a sua insolvência, requerida por B. (fls. 32 a 45 destes autos).

Na sequência da arguição de uma alegada nulidade do sobredito acórdão, foi, em 21 de junho de 2018, proferida decisão colegial que determinou a suspensão da instância, nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1, in fine do Código de Processo Civil “até que transite em julgado a sentença proferida nos embargos à insolvência”. Consequentemente, foi ordenada a remessa dos autos à 1.ª instância, “ali se aguardando o trânsito em julgado relativamente àquela sentença”.

2. A aqui Reclamante veio, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, do acórdão, de 26 de abril de 2018 (fls. 51 destes autos):

«A., S.A., e outro, recorrentes nos autos de Apelação à margem identificados, em que é recorrida B., S.A., notificada do douto Acórdão proferido em 26-04-2018, (objeto de arguição de nulidade não conhecida pelo Acórdão de 21-06-2018), vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b), do nº 1., do artº 69º, artº 72º, alínea b) e artº 75º-A, nºs 1 e 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, e com os fundamentos seguintes:

1. Nas alegações de recurso interposto da douta sentença proferida no Tribunal de Comércio do Funchal, o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, a propósito daquela sentença ter dispensado a citação da recorrente, nos termos do artº 12º do CIRE, interpretando aquela disposição em termos que a inconstitucionaliza, por haver, sem realização do mínimo de diligências exigidas, negado o contraditório e as garantias de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, com manifesta violação do artº 20º da CRP.

2. Na verdade, não foram ordenadas nem efetuadas as diligências que se impunham para garantir o contraditório e o legítimo direito de defesa, mostrando-se insuficientes as realizadas, se é que a própria admissão de dispensa de citação, ela mesma não é inconstitucional.

3. Ora, o Acórdão sob recurso manteve a mesma interpretação da 1ª Instância no sentido de considerar que a urgência do processo justifica que se decrete uma insolvência, sem contraditório e mesmo sem que se tenham esgotado as mais elementares diligências de citação da Ré, recorrente (V. entre outros, o Acórdão nº 259/2000, do Tribunal Constitucional, de 02-05-2000, in DR, II Série, de 07-11-2000).

Estão, pois, para além da suspensão da instância, relativamente às demais questões e para que se assegure a sua tempestividade, reunidos os requisitos legais e processuais para a interposição do presente recurso, a admitir como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo (artºs 69º e 78º, nº 4., da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional- Lei nº 28/82, de 15 de novembro)».

3. O recurso não foi admitido, com fundamento na circunstância de não ter sido, prévia e adequadamente, suscitada uma questão de constitucionalidade normativa. Além disso, o despacho refere ainda que, após a prolação da decisão censurada pelo Reclamante, foi decidido suspender a instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida nos embargos à insolvência (fls. 53 e 78).

4. Mantendo-se irresignada, a Reclamante apresentou a seguinte Reclamação para a conferência:

«A., S.A., e outro, recorrentes nos autos de Apelação à margem identificados, em que é recorrida B., S.A., notificada da não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, vem, nos termos do artº 77º da Lei do Tribunal Constitucional, RECLAMAR para a Conferência a que se refere o artº 78º-A nº 3 da mesma Lei, o que fazem com os fundamentos seguintes:

1. Nas suas alegações de recurso de apelação, que constituíram a sua primeira intervenção nos autos, a qual, por estranho que possa ser, só teve lugar depois de proferida a sentença da 1ª Instância, os RR., ora recorrentes, suscitaram a inconstitucionalidade do artº 12º do CIRE, uma vez que a interpretação dada àquela disposição conduzia, de forma manifesta, à violação do artº 20º da Constituição da República Portuguesa.

2. Por assim ser, o douto Acórdão da Relação de fls., de 26-04-2018, conheceu de tal questão, decidindo que não ocorria a inconstitucionalidade suscitada, com o que os recorrentes não concordam, nem se conformam.

3. Arguiram os recorrentes a nulidade daquele acórdão, insistindo-se na inconstitucionalidade em causa, para que, em nenhuma circunstância, se admitisse que os recorrentes tinham abandonado tal questão.

4. Entendeu este Venerando Tribunal da Relação, no discutível e sintético acórdão de 21-06-2018, não conhecer das nulidades suscitadas e, pura e simplesmente, suspender a instância, determinando a baixa dos autos à 1ª Instância, para aguardar o acórdão a proferir em recurso de apelação nos autos de embargo em que se revogou a sentença de insolvência.

5. Claro que os recorrentes não iam voltar a suscitar a nulidade do acórdão de

21-06-2018, por omissão de pronúncia, que efetivamente ocorre, e que pode mesmo consubstanciar uma denegação de justiça.

6. No entanto, também não podiam deixar precludir o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional.

7. Efetivamente, de harmonia com o art? 221º da CRP: "O Tribunal Constitucional é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional".

8. O artº 2º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei m? 28/82, de 15 de novembro), refere que: "As decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades".

9. Ou seja, em matéria de constitucionalidade, a última palavra cabe ao Tribunal Constitucional, sendo o direito de recurso irrenunciável, nos termos do artº 73º da Lei do Tribunal Constitucional.

10. O artº 70º daquela Lei é claro, no seu nº 2, de que só cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotado.

11. De harmonia com o art? 75º da mesma Lei, o recurso interpõe-se no prazo de 10 dias, o que os recorrentes observaram, como observaram os requisitos do artº 75º-A, da citada Lei.

12. Acontece que, ilegal e infundadamente, a recorrida, invocando disposições legais não aplicáveis e erradamente interpretadas, veio apresentar umas contra-alegações, (de alegações que não existiram), por não haver, nesta fase, lugar a elas.

13. Foram os recorrentes notificados, na pessoa do seu mandatário, nos termos dos artigos 221º e 255º do CPCivil, daquele anómalo e ilegal requerimento alegação, cabendo-lhes pronunciarem-se, no prazo de 10 dias, sobre o mesmo, ou seja, requererem o seu desentranhamento.

14. Ora, tal prazo de 10 dias teria o seu termo no dia 30 de julho, prazo este que foi totalmente desrespeitado pelo Senhor Juiz Desembargador-Relator de turno, que, não só considerou tão anómalo requerimento/contraalegação, inteiramente legal, como ainda fundamentou nele o douto despacho de não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, de que ora e reclama.

15. Mas como se tal não bastasse, fê-lo, com total desrespeito pelo princípio do contraditório – artº 3º do CPCivil, ou seja, sem aguardar o decurso do prazo que assistia aos recorrentes de se pronunciarem sobre o anómalo requerimento da recorrida.

16.Acontece que a recorrida, de má-fé, deturpa as normas do processo civil aplicável, pois invoca o artº 638º, nº 5., do CPCivil, para legitimar a sua contra-alegação, o que não mereceu o menor reparo do Senhor Juiz Desembargador-Relator.

17. Ora, como é sabido, o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se em dez dias, nos termos do artº 75º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, enquanto que as alegações de recurso só são apresentadas no Tribunal Constitucional, quando tal prazo é fixado, nos termos do artº 79º da mesma Lei.

18. Por assim ser, a aplicação supletiva do Código de Processo Civil (atual) tem de ser feita, com cuidado, e acima de tudo, de boa-fé, pois, como na atual apelação as alegações são apresentadas, com o requerimento de interposição de recurso, segue-se, desde logo, o prazo de contra-alegações, nos termos do citado artº 638º, nº 5., do CPCivil, o que não acontece, como a recorrida bem sabe, no caso do recurso para o Tribunal Constitucional.

19. Daqui decorre que, só a partir da apresentação das alegações dos recorrentes tem lugar a aplicação do artº 638º, nº 5, do CPCivil, pelo que o Senhor Juiz Desembargador-Relator de turno, deveria ter proferido despacho a repor a legalidade, ordenando o desentranhamento da anómala, abusiva e dolosa contra-alegação da recorrida.

20. Ao invés disso, e fazendo suas, sem prévio contraditório, as considerações da recorrida, proferiu o despacho de não admissão do recurso, de que ora se reclama.

21. Vem intempestivamente e com o expediente de fazer a errada aplicação do artº 638º, nº 5, do CPCivil, e à falta de melhores razões referir que se trata de recurso "manifestamente infundado".

22. Acontece que, ao contrário do que distorcidamente, a recorrida vem, com o fraudulento expediente...

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