Acórdão nº 193/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 193/2019

Processo n.º 252/18

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e o Instituto da Segurança Social, I.P., foi pelos primeiros interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão proferido pelo TRP, em 12 de julho de 2017, que confirmou, em matéria penal, a sentença condenatória proferida em primeira instância (cf. fls. 1588 a 1615-verso).

2. Na Decisão Sumária n.º 72/2019 decidiu-se não conhecer do objeto do recurso por não estar preenchido o pressuposto essencial – e cumulativo – de que depende tal conhecimento, relativo à dimensão normativa da questão de constitucionalidade colocada. Isto, nos seguintes termos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4. e ss.):

«4. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (mais recentemente, v., v.g., os Acórdãos deste Tribunal n.os 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018, 671/2018, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso, ainda que este tenha sido admitido pelo tribunal a quo. Conforme resulta do n.º 3 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se deve antes de mais apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos na LTC. Caso o Relator verifique que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Cabendo aos recorrentes identificar o objeto do recurso – a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada –, a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, bem como a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente – in casu, o acórdão proferido pelo TRP em 12 de julho de 2017.

Ora, do teor do requerimento de interposição de recurso resulta, desde logo, que a questão colocada pelos recorrentes não consubstancia uma questão de constitucionalidade normativa que possa vir a ser apreciada por este Tribunal. Não é, na verdade, possível identificar qualquer norma ou interpretação normativa, designadamente extraída do n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal, que seja generalizável ou dissociável do concreto modo como, no caso dos autos, as instâncias interpretaram e aplicaram o direito infraconstitucional pertinente.

De resto, as críticas dirigidas ao modo como o direito infraconstitucional foi interpretado pelas instâncias e, em especial, a censura incidente sobre a qualificação da pluralidade de crimes como crime continuado, tornam patente que as alegadas ofensas à Constituição, que os recorrentes pretendem ver reparadas, são expressamente imputadas à própria decisão judicial recorrida e não a qualquer norma ou interpretação normativa identificável.

Veja-se, outrossim, que nas alegações de recurso apresentadas ao tribunal a quo – momento em que, segundo os recorrentes, foi supostamente suscitada a questão de constitucionalidade (v. fls. 1366-1368 e 1423-1425) – são conjuntamente identificados vícios de violação da lei e da Constituição, os quais são expressamente assacados à sentença recorrida, nestes termos: «Ao decidir como fez, interpretando extensivamente o disposto no artigo 30.º, 2, do Código Penal, julgando a prática do crime contra a Segurança Social na forma continuada, quando ocorreram interrupções tais que determinavam e exigiam um segmento criminal distinto, para cada um dos momentos temporais em apreço, a Sentença proferida violou entre outros, os artigos 30.º, n.º 2, 119.º, 121.º, n.º3 do Código Penal, 21.º do RGIT em confrontação com o disposto no 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, bem como, ainda, os princípios penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, da adequação e da proporcionalidade.» (cf. fls. 1424).

No entanto, e como é sabido, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais, sob pena de inadmissibilidade. Tal como lapidarmente se afirmou no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3), «A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

Não podendo o Tribunal Constitucional substituir-se ao tribunal recorrido na apreciação dos factos e na interpretação do direito infraconstitucional aplicável às circunstâncias concretas do caso, sob pena de se desvirtuar o sistema recursivo vigente, não pode a decisão recorrida ser revista neste âmbito, por não constituir objeto idóneo do presente recurso de constitucionalidade.

6. Ante a ausência deste que é um dos pressupostos essenciais, e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, forçoso é...

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