Acórdão nº 229/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Abril de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 229/2019

Processo n.º 742/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., Lda. intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, uma ação administrativa especial contra B., S.A. (ao tempo da propositura da ação designada B1, S.A., a ora Recorrente), que ali correu os seus termos com o número 236/12.1BEMDL, tendo em vista a impugnação de uma taxa liquidada pela Ré, no valor de €35.226,00, pelo “acesso industrial à EN 315, ao km 29+000”.

A Ré contestou, a ação foi convolada para impugnação judicial e, a final, foi proferida sentença, julgando a impugnação procedente.

1.2. Desta decisão recorreu a Ré – a B. – para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Na motivação desse recurso, suscitou a Ré a seguinte questão:

“[…]

E – Da inconstitucionalidade da alínea g) do n.º 1 do artigo 15.º do DL 13/71, de 23 de janeiro, quando interpretada no sentido de não permitir a liquidação de taxa devida pela ampliação da área servida pela estrada nacional

Do vindo de referir, caso se entenda não permitir a liquidação de taxa devida pela ampliação da área servida pela estrada, independentemente da obra do acesso ser anterior ou contemporânea do DL 13/71, então estaremos perante situações que necessariamente implicam a violação do direito de igualdade de todos os cidadãos perante a lei (cfr. n.º 1 do artigo 13.º da CRP) e impede a Administração Rodoviária, aqui Recorrente de atuar no exercício das suas funções com respeito pelo princípio da igualdade (cfr. n.º 2 do artigo 266.º da CRP).

Estando demonstrado que o critério subjacente à taxa não está exclusivamente relacionado com a prestação concreta de um serviço público, a proceder o entendimento da Recorrida e do TAF de Mirandela, teríamos situações em que (i) um particular licenciava um acesso com a área industrial servida pela estrada de 100 m2 e (ii) outro com uma área de 1.000 m2, sendo que o primeiro poderia posteriormente aumentar a área servida pela estrada até aos 1.000 m2 sem que visse o valor inicial da taxa revisto.

Como poderá a lei e a Administração Rodoviária consentir com tal discriminação?

É, de facto, uma situação de manifesta injustiça que a Constituição da República Portuguesa não permite, pelo que a interpretação proposta pela Recorrida e pelo TAF de Mirandela é inconstitucional.

[…]”.

1.2.1. Pelo STA foi proferido acórdão, datado de 30/05/2018, negando provimento ao recurso, com os fundamentos seguintes:

“[…]

Suscita-se no presente recurso, a questão de saber qual a melhor interpretação a dar à alínea g) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, designadamente saber se a taxa ali prevista se aplica só aos casos em que os acessos à estrada nacional foram construídos após o início da vigência do Decreto-Lei acabado de referir (interpretação da sentença recorrida) ou se independentemente da data de construção de tais acessos desde logo a ampliação de instalações fabris determina, só por si, a aplicação de tais taxas (interpretação da recorrente que, desde logo, na conclusão de recurso VIII, expressa que os normativos de incidência da taxa em causa têm perfeita aplicação a ampliações de instalações industriais cujo acesso à estrada nacional é anterior à publicação do diploma supra referido).

Cremos que a sentença recorrida, no caso concreto dos autos, fez a interpretação correta dos preceitos legais em causa.

Não assiste razão à recorrente B., S.A. quando sustenta que o facto constitutivo da liquidação da taxa é não só a construção do acesso, mas também (só por si) as posteriores ampliações das instalações fabris.

É verdade que o Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, entretanto revogado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de abril, veio estabelecer no artigo 6.º, n.º 1, al. a), a necessidade de licenciamento da Junta Autónoma de Estradas para estabelecer acesso à zona da estrada, de acordo com os critérios elencados no artigo 7.º.

E que, o seu artigo 15.º, n.º 1, al. g), previa que fosse cobrada taxa pelo estabelecimento de acessos a instalações industriais, em função de cada metro quadrado de pavimento dessas instalações servidas pela estrada.

Mas, tanto o artigo 6.º, n.º 1, al. a), como o artigo 15.º, n.º 1, al. g), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, apenas faziam referência ao estabelecimento de acesso à zona de estrada.

Assim, o facto constitutivo da obrigação de pagamento de taxa é apenas e tão só a construção ou modificação desse acesso, nada sendo referido quanto à ampliação das instalações industriais, ainda que estas sirvam de referência para o cálculo da taxa a pagar quando tal deva suceder, designadamente através do fator multiplicador metro quadrado de pavimento das referidas instalações.

Nenhum dos normativos fala em ampliação de instalações fabris mas apenas em estabelecimento do acesso à zona de estrada, o que significa que a ampliação das instalações fabris que são servidas por acesso construído antes de 1971, e que no caso dos autos não se sabe se foi modificado/melhorado, não tem relevância constitutiva para efeitos de incidência da taxa em causa.

Ora, o Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro entrou em vigor a 01.01.1971 (artigo 19.º).

E resulta dos factos dados como provados que o acesso à estrada é anterior a 1971, ou seja, na data de construção do acesso não existia norma que exigisse o pagamento da(s) taxa(s) em causa nos autos, pelo que estamos perante uma situação em que inexistia a previsão da liquidação da taxa nas leis em vigor à data dos factos constitutivos (construção do acesso).

Assim, a construção do acesso em causa não está sujeita à liquidação da taxa, já que como resulta do artigo 12.º, n.º 1, do CC, em princípio da lei só dispõe para o futuro.

Ora, reitera-se, que do probatório não resulta que o acesso tenha sido ampliado/melhorado ou alterado/mudado e estando em causa uma lei que vem impor o pagamento de uma taxa apenas pelo estabelecimento de acesso à estrada nacional, à qual não é atribuída eficácia retroativa ou feita qualquer referência aos acessos já construídos, dúvidas não há que apenas abrange a construção de novos acessos. E não vislumbramos em como esta interpretação possa violar o princípio da igualdade previsto na constituição da república já que embora determinada por um determinado caso concreto ela é também efetuada para a generalidade de situações factuais idênticas que se venham a revelar e relativamente às quais a recorrente se poderá/deverá abster de efetuar qualquer liquidação.

Assim sendo, a interpretação dos factos e a aplicação da lei operada pela sentença recorrida não enferma de vício de erro de julgamento a determinar a sua revogação e não se patenteia que a interpretação da lei aplicável viole qualquer princípio constitucional designadamente o da igualdade. Fica prejudicado pelo presente julgamento o conhecimento de quaisquer outras questões suscitadas no presente recurso.

Tal determina a improcedência do recurso.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.3. Desta decisão recorreu a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos – nos termos seguintes:

“[…]

3. O recurso tem por objeto a inconstitucionalidade da alínea g) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, quando interpretada no sentido de não permitir a liquidação de taxa devida pela ampliação da área servida pela estrada nacional.

4. O STA, com um voto de vencido, ao interpretar aquela norma no sentido da liquidação da taxa incidir exclusivamente sobre a área do estabelecimento industrial servida pelo acesso no momento da sua abertura (construção), excluindo a possibilidade de posterior atualização da taxa de acordo com a ampliação da área do estabelecimento industrial, independentemente da obra do acesso (construção) ser anterior ou contemporânea do Decreto-Lei n.º 13/71 violou, entre outros, o direito de igualdade de todos os cidadãos perante a lei (cfr. n.º 1 do artigo 13.º da CRP) e impede a Administração Rodoviária, aqui Recorrente, de atuar no exercício das suas funções com respeito pelo princípio da igualdade (cfr. n.º 2 do artigo 266.º da CRP).

5. A proceder o entendimento da Recorrida, do TAF de Mirandela e do STA, teríamos situações em que (i) um particular licenciava um acesso com a área industrial servida pela estrada de 100 m2 e (iii) outro com uma área de 1.000 m2, sendo que o primeiro poderia posteriormente aumentar a área servida pela estrada até aos 1000 m2, sem que visse o valor inicial da taxa revisto.

6. Estava, assim, encontrada a forma para evitar a liquidação da totalidade da taxa devida pela disponibilidade do acesso à estrada nacional por parte dos estabelecimentos industriais, os quais propenderiam a licenciar o acesso (construção) quando servido, por exemplo, pela portaria ou outras áreas reduzidas, e depois de obtida a licença, poderiam implantar a restante área do estabelecimento industrial, sem que lhes pudesse ser exigível nova liquidação sobre o aumento da área servida pela estrada nacional, a qual constitui o único critério para a liquidação da taxa.

7. É, de facto, uma situação de manifesta injustiça que a Constituição da República Portuguesa não permite, pelo que a interpretação proposta pela Recorrida, pelo TAF de Mirandela e pelo STA, com voto de vencido, é inconstitucional.

8. A ora Recorrente suscitou aquela inconstitucionalidade de forma processualmente adequada, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 72.º da LOTC, mais precisamente no recurso para o STA.

9. É importante que o TC esclareça esta situação,...

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