Acórdão nº 269/19 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 269/2019

Processo n.º 1002/2018

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos B. e C., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 15 de maio de 2018, que confirmou a sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 3 -, datada de 18 de dezembro de 2017.

2. Os aqui recorridos intentaram contra a ora recorrente uma ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando-se a última no imediato despejo do locado, bem como no pagamento do valor correspondente quer rendas e juros, vencidos e vincendos, até integral e efetivo despejo.

Através de sentença datada de 18 de dezembro de 2017, o Tribunal de primeira instância decidiu: i) declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre autores (aqui recorridos) e ré (aqui recorrente), condenando a mesma a despejar o locado nos termos previstos no artigo 1087.º do Código Civil; e (ii) condenar a ré (aqui recorrente) a pagar aos autores (aqui recorridos) os juros contabilizados à taxa legal de juro civil desde a data de vencimento de cada uma das rendas referentes aos meses de agosto, setembro e outubro de 2016, desde a data dos respetivos vencimentos, bem como as rendas entretanto vencidas e vincendas e respetivos juros até integral e efetivo despejo.

3. Inconformada, a ora recorrente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, recurso esse que foi julgado integralmente improcedente através do acórdão ora recorrido.

No segmento que aqui releva, pode ler-se na fundamentação do referido aresto:

«O art.º 65.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à habitação, o qual faz parte dos direitos sociais. O direito à habitação está igualmente consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e na Carta Social Europeia, estando Portugal vinculado a ambas.

No entanto, tal como explica Gomes Canotilho, as normas constitucionais não devem ser consideradas isoladamente, mas sempre integradas num todo unitário em obediência ao princípio da unidade constitucional. Além disso, cabe ao legislador ordinário a tarefa de concordância prática entre os bens constitucionalmente tutelados e os valores que representam.

Ora, não podemos esquecer que a Constituição da República Portuguesa consagra, a par do princípio invocado pela Recorrente, igualmente o direito à propriedade privada, no respetivo art.º 62.º, prescrevendo que "A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. Bem como que as regras atinentes à cessação da relação jurídica de arrendamento consagradas no C Civil são precisamente uma forma de conciliação entre estes dois princípios constitucionais potencialmente conflituantes.

Assim sendo, a mera alegação da Recorrente que viveu durante 30 anos no mesmo locado e que foi despejada por um período curto de mora no pagamento das rendas não pode seguramente levar à conclusão de que a decisão recorrida praticou uma inconstitucionalidade. Aliás, a Recorrente poderia ter obstado ao despejo, caso tivesse optado por depositar as rendas em falta, acrescida da indemnização previsto na lei.»

4. Deste acórdão foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«1. O presente recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade do art.º 1087 do CC na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

2. Que considerou na decisão recorrida, o prazo de um mês para a desocupação do locado

3. Tal interpretação é, no entendimento da Recorrente, violadora do disposto no art.º65 da Constituição da República Portuguesa.

4. A inconstitucionalidade foi suscitada oportunamente, a Recorrente levantou perante a Relação do Porto - na sequência do Acórdão desta que julgou improcedente o recurso que lhe havia sido submetido.

5. A Recorrente tem legitimidade para recorrer nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 e do nº 2 do art. 72° da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

6. O recurso é tempestivo e interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo do nº 1 do art. 75° e da alínea b) do nº 1 do art. 70° da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e da alínea b) do art. 280° da Constituição da República Portuguesa.

7. O presente recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 78° da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional».

5. Por despacho proferido pela relatora, foi ordenada a notificação das partes nos termos e para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC, considerando-se o objeto do presente recurso integrado pelo artigo 1087.º do Código Civil, no segmento que fixa em um mês a contar da resolução do contrato o prazo para desocupação do locado, nos termos do 1081.º do referido Código.

6. A recorrente apresentou, então, as respetivas alegações, invocando para o efeito os argumentos seguintes:

«1. O objeto deste recurso é a fiscalização concreta da constitucionalidade da interpretação do Tribunal da Relação do Porto quanto ao normativo previsto no artº 1087º do Código Civil, por se considerar que essa interpretação viola o disposto no artº 65º da Constituição da República Portuguesa.

2. Na sentença da 1ª instância e no acórdão recorrido deu-se como provado que “Por acordo verbal, os autores proporcionaram à ré o gozo temporário do prédio urbano sito na Travessa Viver do Mar, s/n, da União de Freguesias de Custóias, Leça do Balio e Guifões, do concelho de Matosinhos, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artº 614, com o fim exclusivo de habitação, mediante o pagamento pela ré de uma retribuição mensal de 46,06€, a pagar até ao dia 8 de cada mês”.

3. Porém, o que não ficou a constar da factualidade dada como provada e que é elemento essencial para apreciação da interpretação inconstitucional que ora se invoca é que esse acordo verbal foi celebrado em meados dos anos 80, sendo assim a ré arrendatária da mencionada habitação há mais de 30 anos.

4. Este facto, alegado pela ré na sua contestação e não impugnado pelos autores, ou seja, admitido por acordo das partes (artºs 587º nº 1 e 574º nº 2, do Código de Processo Civil), essencial para a aplicação ponderada do disposto no artº 1087º do Código Civil, foi inexplicavelmente ignorado pelo tribunal da 1ª instância e repetido tal erro no tribunal recorrido, não obstante as alegações da recorrente nesse sentido.

5. Com efeito, nas suas alegações apresentadas no Tribunal da Relação do Porto a recorrente voltou a invocar, expressamente, ser residente no locado há mais de 30 anos.

6. Essa alegação, não impugnada nem contrariada em contra-alegações, foi admitida pelo tribunal recorrido, embora não tenha incluído tal facto no elenco dos factos provados. Mas fica evidente que o tribunal recorrido considerou que é um facto, tanto que sobre o mesmo se pronunciou.

7. Igualmente relevante e ignorado quer pelo tribunal da 1ª instância, quer pelo tribunal recorrido é o facto documentalmente provado nos autos (que a recorrente tem uma condição cultural, social e económica débil, é divorciada e tem 59 anos de idade (à data da decisão recorrida, 58 na data da decisão proferida na 1ª instância), tanto que beneficia de proteção jurídica nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento da compensação de patrono oficioso.

8. E para que equívocos não subsistam sobre este facto, ainda se deixa esclarecido que a recorrente tem como único rendimento mensal a quantia de 154,66€ a título de Rendimento Social de Inserção.

9. Ora, também este facto (a recorrente tem uma condição social e económica débil, é divorciada e tem 59 anos de idade), era imediatamente apreensível pelo tribunal recorrido, considerando a documentação de concessão do benefício de apoio judiciário junta nos autos, e essencial para a aplicação ponderada do disposto no artº 1087º do Código Civil.

10. Igualmente o mesmo foi, inexplicavelmente ignorado pelo tribunal da 1ª instância, repetindo-se tal erro no tribunal recorrido, não obstante a condição pessoal da despejada ser um fator a ponderar na fixação do prazo de despejo do arrendado, como adiante se demonstrará.

11. Qualquer dos dois factos que abaixo se sistematizam, eram do conhecimento do tribunal recorrido (bem como do tribunal da 1ª instância) os quais tinham, aliás, o dever de sobre os mesmos se pronunciarem, independentemente de alegação, como resulta das disposições conjugadas dos artºs 411º, 412º nº 2 e 413º, todos do Código de Processo Civil:

- O acordo verbal entre autores e ré foi celebrado em meados dos anos 80, sendo assim a ré arrendatária da mencionada habitação há mais de 30 anos;

- A ré tem uma condição cultural, social e económica débil, é divorciada e tem 59 anos de idade;

12. É obrigação do juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento pelo exercício das suas funções, e o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas.

13. Conhecimento que neste caso é também da faculdade, competência e obrigação de V. Excelências, Senhores...

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