Acórdão nº 337/19 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 337/2019

Processo n.º 341/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nos autos de processo comum para julgamento por tribunal coletivo n.º 9/12.1PELRA, do Juízo Central Criminal de Leiria, foi proferido acórdão que, relativamente à arguida A. (a ora Recorrente), contém a condenação da mesma, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período.

1.1. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, pugnando, inter alia, pela não suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida.

1.1.1. Pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi proferido acórdão, datado de 12/07/2017, no qual se decidiu, relativamente à identificada arguida, revogar a suspensão da execução da pena de prisão.

1.2. Pretendeu a arguida recorrer desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), recurso que o senhor desembargador relator no Tribunal da Relação de Coimbra não admitiu, com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP).

1.2.1. Desta decisão reclamou a arguida, nos termos do artigo 405.º do CPP.

1.2.2. Por despacho da senhora Conselheira Vice-Presidente do STJ de 13/02/2019, foi a reclamação indeferida.

1.3. A Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:

“[…]

1) O recurso funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e sucessivas alterações, sendo certo que o Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dele conhecer – cfr. artigo 72.º, n.º 2, da mesma lei orgânica.

2) Na verdade, o Recorrente invocou no seu requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e posteriormente na sua reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que a interpretação operada pelo M.mo Juiz Desembargador Relator da disposições conjugadas dos artigos 400.º, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, no sentido de não ser admissível Recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que revogou a suspensão da execução da pena de prisão e aplicou pena de prisão não superior a cinco anos, sem que haja a denominada dupla conforme, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, e mesmo das disposições consagradas nos artigos 2.º e 29.º, todos da CRP.

3) Interpretação essa que foi sufragada na decisão que recaiu sobre a Reclamação do despacho que não admitiu o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a qual, consequentemente, se encontra inquinada do mesmo vício/inconstitucionalidade, o que aqui se alega e suscita para os devidos e legais efeitos.

4) [A arguida] pretende a verificação da inconstitucionalidade normativa, que radica em questões de desconformidade constitucional entre o artigo 205.º da CRP e o artigo 400.º, alíneas e) e f), e 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP .

5) Tal como foi alegado, primeiramente no seu Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e posteriormente, na sua Reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, onde apelou, desde logo, à existência de tal inconstitucionalidade.

6) Efetivamente, o Recorrente pretende a fiscalização da constitucionalidade do critério geral e abstrato, que aquele tribunal utilizou para sustentar a sua decisão no que tange à sua fundamentação.

7) Existe ainda a inconstitucionalidade material decorrente da violação do artigo 32.º do Constituição da República Portuguesa, uma vez que, face às dúvidas em sede de prova da prática dos factos em audiência de Julgamento e por isso reclamadas pelo Recorrente no recurso por si apresentado para o Tribunal da Relação de Coimbra, verificou-se também uma violação do princípio "in dúbio pro reu", pois foram dados como provados factos sem qualquer prova da sua prática por parte do arguido, ora recorrente, prova esta, antes assente em meros juízo, o que, de todo, é inconstitucional.

8) As questões das inconstitucionalidades acima referidas foram suscitadas nos autos nas motivações de Recurso e respetivas conclusões, recurso esse interposto do acórdão proferido pelo Tribunal supremo Tribunal de Justiça, bem como na Reclamação para o Sr. Presidente desse Tribunal.

9) O arguido tem legitimidade para interpor o presente recurso (artigo 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 da Lei n.º 28/82), sendo o direito de recurso para o Tribunal Constitucional irrenunciável (cfr. artigo 73.º da citada Lei).

10) O presente recurso é interposto dentro do prazo legal de 10 dias previsto no artigo 75.º, n.º 1, da referida Lei n.º 28/82, de 15/11.

11) O presente recurso cumpre os requisitos previstos no artigo 75.º-A da mencionada Lei n.º 28/82 de 15/11.

12) O presente recurso tem subida imediata e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. artigos 27.º e 78.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82 e alterações – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

[…]”.

1.3.1. O recurso foi admitido no STJ, com efeito suspensivo, mas apenas relativamente à norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, por apenas esta ter constituído critério normativo da decisão recorrida.

1.4. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária, pelo relator (coube-lhe o número 294/2019), nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância. Assentou tal decisão nos seguintes fundamentos:

“[…]

2. A jurisprudência constitucional já se debruçou, por diversas vezes, sobre a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretado no sentido de ser irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pelo tribunal de primeira instância (é este o preciso sentido normativo em causa no presente recurso, aliás corretamente delineado pela Recorrente no requerimento de interposição do recurso).

2.1. A propósito da inconstitucionalidade da norma referida, pode ler-se na Decisão Sumária n.º 46/2018, do ora relator:

“[…]

2. A questão a apreciar […] já mereceu a atenção do Tribunal Constitucional, que, reiteradamente, em diversas decisões sumárias e, designadamente, nos Acórdãos n.os 245/2015, 357/2017 e 804/2017, se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa.

2.1. Pode ler-se na fundamentação do Acórdão n.º 245/2015 o seguinte:

“[…]

3. Admitido o recurso (fls. 3146) e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 187/2015, determinando-se (…) o não provimento do recurso, remetendo para jurisprudência constitucional anterior, com base na seguinte fundamentação:

«(…)

6. Resta assim a questão elencada sob o n.º 3 do requerimento de interposição do recurso respeitante à alegada inconstitucionalidade da norma segundo a qual «[d]a conjugação das normas da alínea c), do n.º 1, do artigo 432.º, e da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, ambos do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, é irrecorrível o Acórdão proferido pela Relação, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade não superior a 5 anos». Está em causa, por conseguinte, o problema da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão efetiva não superior a 5 anos, revogando a suspensão da execução de pena de prisão decretada pela primeira instância.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade de normas que não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão condenatória proferida em recurso de decisão absolutória da primeira instância, considerando que o acórdão da relação consubstancia, em si mesmo, a garantia constitucionalmente tutelada do duplo grau de jurisdição, uma vez que o arguido tem a possibilidade de, perante tal instância de recurso, fazer valer as suas razões de defesa; na verdade, esta possibilidade, atento o âmbito de tutela constitucional do direito ao recurso, basta para...

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