Acórdão nº 317/19 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução29 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 317/2019

Processo n.º 339/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., reclamante nos presentes autos em que é reclamado B., interpôs, ao abrigo do disposto nos artigos 629.º, n.º 2, e 672.º, do CPC, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de fevereiro de 2018, que, tendo julgado a apelação do autor, ora reclamado, parcialmente procedente, revogou a decisão proferida em primeira instância e condenou os réus – o ora recorrente e Elisabete Gouveia Baptista Faim Pessoa –, a pagar ao autor a quantia de €12.840,00, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos contabilizados desde 13 de junho de 2006.

A desembargadora relatora, por despacho de 27 de setembro de 2018, não admitiu a revista.

Inconformado, o réu, ora reclamante, reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por decisão singular da conselheira relatora, indeferiu a reclamação e manteve o despacho de não admissão do recurso.

Notificado desta decisão, o ora reclamante apresentou reclamação da mesma para a conferência. Por acórdão de 15 de janeiro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerido e manteve a decisão reclamada.

2. Deste acórdão interpôs o réu, ora reclamante, recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), formulando, no respetivo requerimento de interposição, as seguintes “conclusões” (cf. fls. 125-128):

«a) Por decisão proferida em 23 de junho de 2017, pelo Juiz de Instância Local Cível de Cantanhede, julgou-se a ação totalmente improcedente, por não provada, em consequência do que se decide absolver o Réu e as intervenientes dos pedidos deduzidos. Da referida decisão veio o Autor, recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido proferido por este Venerando Tribunal em 27 de fevereiro de 2018 Acórdão no qual propugna pela condenação dos Réus, no pagamento ao Autor da quantia de 12.840,00 € acrescida de juros moratórios, contrariando in totum assim a decisão absolutória produzida pelo Tribunal a quo.

b) Desta decisão, e porque entendeu o Réu que referido acórdão condenatório continha erros materiais suscitou a sua apreciação em sede de reclamação. Após a referida pronúncia, instaurou o Réu recurso de revista extraordinário. Assim e pelo presente recurso pretende-se que o STJ possa exercer o controlo e decidir do juízo formado pela Relação sobre a matéria de facto, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou com violação da força probatória fixada. Nessas situações, do que se tratará é de saber se a Relação, ao proceder da forma como o fez, se conformou, ou não, com as normas que regulam tal matéria (direito probatório), o que constitui matéria de direito.

c) Tendo sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça decisão que julgou inadmissível a interposição do referido recurso. Ao que Réu apresentou a sua reclamação, tendo sido proferida decisão colegial em 15 de janeiro de 2019, que considerou confirmar a decisão impugnada, no sentido da não admissibilidade do recurso de revista apresentado. Pelo que, é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que possibilitem ao recorrente reagir contra a decisão, entendendo verificar-se a violação de direitos legais e constitucionais fundamentais que cumpre conhecer pelo tribunal Constitucional, suprimindo-se assim a referida violação.

d) De acordo com o disposto no n.º 2 do Art.º 202.º da C.R.P. incumbe aos Tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Além disso não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou em princípios nela consignados – Art.º 204.º da C.R.P Ora foi isto que sucedeu no presente, tendo o ora recorrente em sede de recurso de revista interposto para o STJ invocado a violação de preceitos constitucionais, que agora se pretende que sejam mesmos conhecidos por este Venerando Tribunal.

e) Desde logo, a violação do disposto no nº 4 do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. […] “O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.

f) Assim e voltando ao caso dos autos, o Tribunal da Relação de Coimbra ao decidir como decidiu, inverteu as regras do ónus da prova, em clara violação com preceitos legais decorrentes da doutrina e jurisprudência estabelecida, bem como violação de princípios constitucionais que importa agora ver declarados. Veja se, nas ações de condenação, como diz o prof. Lebre de Freitas, o interesse processual é inerente à afirmação do direito violado. E nestas o autor tem que alegar e provar que o seu direito existe e que ele foi violado. […] O que entendemos que manifestamente não aconteceu, indo a Relação de Coimbra muito para além da prova produzida e carreada pelo Autor, em clara violação de jurisprudência assente sobre as regras do ónus da prova. […].

g) Se um facto considerado fundamental para a decisão não for alegado nem provado pela parte que tinha o ónus de o fazer, sofrerá as consequências da sua inércia, isto é, verá rejeitada a sua pretensão ou julgado o pleito contra si. […] Assim, a obrigação de provar incumbe à parte que alegou o facto que pretende fazer obrigada a provar aquele que, por impugnação, alegou. É, como vimos, uma manifestação do princípio do dispositivo. Aquele a favor de quem certo facto pode produzir um direito é que se deve acautelar com os meios de prova. […A]o réu incumbe, por sua vez, a afirmação dos factos correspondentes à previsão (abstrata) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito pretendido pelo autor, competindo-lhe, portanto, a prova de factos impeditivos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a exceção por ele invocada.

h) Ora isto sucedeu nos presentes autos, na medida em que o Réu demonstrou quer através de prova testemunhal quer por documentos juntos que recebeu apoios e que estes apoios recebidos por terceiros, no caso mulher e filhas o foram na esfera destas recebido não tendo qualquer conexão com a relação negocial mantida com Autor. Que não fez qualquer prova que subsídios pudessem ser incorporados como receitas, em sede da sociedade irregular mantida entre as partes, indo o Tribunal da Relação infirmar novos factos para os quais Autor não fez prova.

i) […]

j) Por outro lado, consta ainda do referido acórdão da relação de Coimbra a condenação em juros moratórios dos Réus e conforme segmento decisório, desde 13-06-2006. O que manifestamente não pode aceitar-se nem compreender-se face à lei vigente e jurisprudência aceite. Entendendo que a contabilização que foi realizada destes ofende princípios constitucionais, ora atentemos. A obrigação de capital tornou-se exigível com a interpelação judicial - que, no caso, consistiu na citação para a ação. Mas surgiu paralelamente a obrigação de juros, como frutos civis do capital em dívida. Aquela e esta, reportadas a quantias ainda a apurar, em concreto, através da liquidação. Apurada a primeira, por decisão definitiva no processo, fica determinado o montante sobre o qual a obrigação de juros acabará por incidir. Donde, o momento do apuramento da incidência deixe imperturbada a data a partir da qual a obrigação de juros passa a vencer. Passa a vencer a partir da interpelação judicial acima referida, para a ação declarativa de condenação.

k) O que manifestamente não aconteceu no acórdão proferido e que ora se recorre, em que foi tida uma outra data que não a data da interpelação judicial para a presente ação. No caso, no que respeita aos juros moratórios, os Autores peticionaram a condenação do R. no pagamento de juros desde 13-06-2006. No entanto a ação foi instaurada em 1 de julho de 2011.Tendo os Réus sido citados em… Ora, tendo em conta que a presente ação deu entrada em juízo em 01 de julho de 2011 e que a citação do Réu ocorreu em 8/7/2011 é manifesto que a condenação do presente Acórdão da Relação no pagamento de juros desde 13-06-2006 extravasou claramente o momento da interpelação dos Réus.

l) Já que condenou o Réu no pagamento de juros vencidos, quando, calculados muito antes da citação dos réus para a ação, sem para tanto invocar qualquer razão que o fundamente. Na verdade, o tribunal violou o preceituado no mencionado art. 805.º e ss do Código Civil. […].

m) No caso de os créditos em causa serem ilíquidos, a regra é no sentido de que o devedor não incorre em mora enquanto não forem liquidados, salvo se a iliquidez lhe for imputável. A indemnização moratória corresponde aos juros legais ou convencionais a...

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