Acórdão nº 329/19 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria Clara Sottomayor
Data da Resolução29 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 329/2019

Processo n.º 790/18

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. No Juízo de Execução de Lousada (J2, Comarca de Porto Este), correm termos os autos de execução, sob a forma sumária, com o n.º 907/14.8TBFLG, em que é Exequente Herança Aberta por óbito de A. e Executados B., estando em causa um crédito garantido por hipoteca.

Na referida execução, procedeu-se à penhora de um determinado imóvel; porém, verificando-se que sobre o mesmo recaíam outras penhoras, registadas em momento anterior em favor da Fazenda Nacional, o agente de execução sustou a execução, nos termos previstos no artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Inconformados com a decisão de sustação da execução, os Exequentes peticionaram a renovação da instância de execução (requerimento de fls. 35 a 41), levando à prolação do seguinte despacho, pelo Juiz a quo (fls. 45 a 47):

«A Lei nº 13/2016, de 23 de Maio, entrou em vigor no dia a seguir ao da sua publicação, ou seja, no dia 24 de maio de 2016 (vide art. 6º dessa lei).

Assim sendo, o Serviço de Finanças em causa nestes autos, apesar da penhora registada a favor do processo de execução fiscal em apreço ser a primeira que consta do registo predial respetivo, não avançou para a venda do imóvel em causa ao abrigo da citada lei - como decorre do despacho de indeferimento do prosseguimento do ai requerido pelo credor reclamante e aqui exequente comunicada ao Agente de Execução de 10.08.2016.

Ora, esta situação, à luz do disposto no art. 794º, do CPC e face à sustação desta execução empreendida pela Srª AE, dado que a penhora realizada nestes autos e que incidiu nesse imóvel ser posterior à penhora registada a favor do referido processo de execução fiscal nº 1775200901060732, causa um verdadeiro nó górdio neste processo, com claro prejuízo para o direito de crédito exercitado pelo aqui exequente. Ou seja, a respeitar esse despacho proferido no aludido processo de execução fiscal, a, aqui exequente jamais poderá ver tutelado o seu direito de crédito.

Sucede, pois, que a citada Lei nº 13/2016 (com a nova redação que introduziu no art. 244º, nº 2, do Código do Procedimento e Processo Tributário) contém uma verdadeira lacuna, visto que não acautelou a situação do credor comum (incluindo o hipotecário) e apenas atentou o crédito fiscal.

Nesta conformidade, e dado que esse impasse na prossecução da venda no processo de execução fiscal, causa um verdadeiro desequilíbrio injustificado no que tange aos créditos respeitantes ao imóvel em apreço, violando, pois, os princípios da proporcionalidade, da confiança e da igualdade com tutela constitucional (vide arts. 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa), entendo, salvo o devido respeito, que a interpretação do disposto no art. 244º, nº 2, do C.P.P.T., segundo a qual a venda jamais poderá ocorrer, mesmo na execução comum, face ao aí determinado e mesmo perante requerimento do credor reclamante junto do processo de execução fiscal em causa, é inconstitucional.

Note-se ainda que o disposto no art. 1º da Lei nº 13/2016 visa proteger a casa de morada de família, proibindo a venda deste imóvel em processo de execução fiscal, independentemente de valor e da origem da dívida fiscal. No entanto, também decorre dessa lei que o impedimento legal à realização da venda do imóvel que constitua habitação própria do executado e do seu agregado familiar só opera quando a garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal for a penhora. Contudo, esta restrição à venda não é oponível aos credores comuns do devedor, como é o caso do credor hipotecário, sob pena de grave e intolerável violação do direito baseado nessa garantia real diferente da penhora a favor da administração fiscal.

Assim sendo, declaro a inconstitucionalidade desse preceito, na interpretação referida, determinando, em consequência, que a venda judicial em causa ocorra nestes autos, com quebra da sustação da execução prevista no art. 794º, nº 2, do CPC e concedendo, por força desta decisão, um prazo de 15 dias para a Administração tributária e Aduaneira vir a estes autos reclamar o seu crédito fiscal de que goza face à aqui executada, por forma a tutelar esse seu direito e tendo em conta a suspensão do processo de execução fiscal em apreço, devendo a Srª Agente de Execução notificar fazenda Publica serviço Finanças de Felgueiras para quendo reclamar o seu crédito sobre o imóvel».

2. O Ministério Público apresentou, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, o seguinte requerimento de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (fls.49):

«O Ministério Público junto deste Juízo de Execução vem, nos termos dos artigos 69º, 70º, nº 1, al. a), 72º, nº 3, 75º-A, nº 1, e 78º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, 3º, nº 1, al. f), e nº 2, do Estatuto do Ministério Público, 645º, nº 2, e 647º, nº 1, do Código de Processo Civil, interpor recurso, a subir separado e com efeito meramente devolutivo, do douto despacho que recusou a aplicação do art. 244º, nº 2, do C.P.P.T., na interpretação segundo a qual "(...) a venda jamais poderá ocorrer, mesmo na execução comum, face ao aí determinado e mesmo perante requerimento do credor reclamante junto do processo de execução fiscal em causa (..."), e que considerou ser inconstitucional por violador dos princípios da proporcionalidade, da confiança e da igualdade com tutela constitucional – artºs. 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa.

Requer-se que o recurso seja instruído com certidão...

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