Acórdão nº 370/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 370/2019

Processo n.º 253/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Conselho Superior da Magistratura, a primeira interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 9 de outubro de 2018 (a fls. 350 a 362) que julgou improcedente o recurso por si apresentado na sequência de deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura datada de 11 de julho de 2017 (a fls. 44 a 52), que manteve deliberação do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura datada de 2 de maio de 2017 sancionando a ora recorrente na pena de advertência registada.

2. Notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de outubro de 2018, a recorrente interpôs dele recurso para o Tribunal Constitucional (a fls. 368 a 376) e, no mesmo dia – 22 de outubro de 2018 –, apresentou reclamação do mesmo perante o próprio Supremo Tribunal de Justiça (a fls. 377 a 393), arguindo a sua nulidade.

2.1. O recurso apresentado para o Tribunal Constitucional apresenta o seguinte teor:

«I - No dia 11 de julho de 2017 foi, através de uma Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, aplicada à Recorrente a sanção de advertência registada, com fundamento no modo como a Recorrente deu seguimento ao determinado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito de um processo judicial, quer a nível objetivo quer a nível subjetivo.

Inconformada, a Recorrente interpôs recurso para a secção do contencioso do STJ dessa deliberação (dá-se aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos o teor integral daquele), tendo com isso pretendido a sua anulação e, além do mais, requereu a inquirição de diversas testemunhas e que lhe fossem tomadas declarações, tudo conforme é permitido desde logo pelo artigo 466.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi dos artigos 90.º, n.ºs 1 e 2, e 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Não obstante, não houve em momento algum uma audiência pública no âmbito da ação administrativa intentada nos termos acima mencionados, razão pela qual não foram sequer tomadas presencialmente declarações à ora Recorrente, e no dia 28 de fevereiro de 2018 o STJ proferiu um Acórdão através do qual julgou aquela improcedente.

Notificada daquele, a ora Recorrente apresentou uma reclamação, a qual veio a ser julgada procedente.

Em tal reclamação a ora Recorrente suscitou tempestiva e adequadamente diversas questões de constitucionalidade.

Com efeito, nessa mesma Reclamação a ora Recorrente sustenta expressamente que o disposto nos artigos 176.º a 178.º do EM] em nada obstava a que tivesse sido produzida prova testemunhal, a que fosse dada uma derradeira oportunidade à então Reclamante de explicar de viva voz as razões da sua conduta processual e a que lhe fosse dada a possibilidade de carrear mais documentos para os autos, documentos que, à luz do artigo 423.º, n.º 2, do CPC, que é aplicável subsidiariamente (cfr. supra), podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final),

Mais sustentou a ora Recorrente que uma interpretação normativa segundo a qual a sequência de formalidades processuais prevista nos artigos 176.º a 178.º do EMJ não incluiria a realização de uma audiência pública para discussão da matéria de facto e dos meios de prova carreados pela mesma violaria o disposto nos artigos 20.º, 32.º, n.º 10, 206.º e 268.º nºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa.

Não obstante, foi entretanto, na sequência da procedência parcial da citada reclamação, proferido um novo Douto Acórdão do STJ, este no dia 9 de outubro de 2018, e, além de este não ter sido precedido de qualquer audiência pública, consta expressamente do mesmo que "não há no presente recurso qualquer espaço para a realização da pretendida audiência pública, independentemente das suas finalidades" (cfr. a p. 3 do mencionado aresto).

Mais se afirma nesta decisão que "não havendo que levar por diante qualquer audiência oral e pública, nem havendo necessidade de ouvir a Recorrente, importa decidir o caso em conferência" (cfr. a p. 4).

Acresce que, como se referiu supra, à Recorrente havia sido aplicada a sanção disciplinar de advertência registada (mais gravosa do que a não registada).

Ora, à luz do oportunamente deliberado precisamente pelo Conselho Superior da Magistratura o regime aplicável no caso de aplicação de uma sanção de advertência registada é distinto do aplicável no caso de uma não registada.

Na realidade, "Decidir não registar a infração apenas pode ter um sentido: o órgão decisor não pretende que tal condenação seja tomada em consideração em futuros processos disciplinares ou em futuras avaliações de mérito posto que quem os vier a apreciar não terá conhecimento, pelo registo, de tais condenações. Diferente será o caso da advertência registada pois, por natureza, será mantida em registo para daí serem recitadas as devidas considerações" (excerto da ata n.º 12/2010 do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, disponível através do endereço https://www.csm.org.pt/ficheiros/deliberacoes/tematico/2010-05-25_advertencianaoregistada.pdf).

Ora, a este respeito, na parte que ora mais interessa, pode ler-se no Acórdão proferido pelo STJ no dia 9 de outubro de 2018 que "a dispensa de registo da pena autorizada pelo n.º 4 do art. 85.º do EMJ só se admite, naturalmente, relativamente a situações que, em face das circunstâncias da infração (desculpabilidade dos factos) e da postura subsequente do infrator (reconhecimento da falta, arrependimento, reparação das consequências), devam ser encaradas com compreensão e benevolência. Não é, manifestamente, o que se passa no caso vertente. A arguida agiu de forma intencional (logo, não há que falar em desculpabilidade). E sempre insistiu e continua a insistir - tudo contra a evidência documental e objetiva dos factos - na ideia de que nada deixou de acatar (isto está bem explícito, por último, no ponto 309 do seu pronunciamento sobre o parecer do Ministério Público, aí onde se escreve que "... a Sra. ]uíza tudo acatou, cumpriu e obedeceu"). Logo, adota uma postura de não reconhecimento da falta e de não arrependimento. Está no seu direito, mas não pode querer ser agraciada por isso. Não se vê, deste modo, como poderia o seu caso ser visto, com compreensão e benevolência, de modo a fazer excluir o registo da pena" (cfr. as pp. 22 e 23).

Significa isto, em síntese, que o STJ recusou proceder a uma audiência pública na qual fosse concedida à Recorrente, Juíza de direito sancionada de um modo que não é o menos gravoso dos abstratamente previstos no EMJ, o direito de prestar declarações numa audiência pública e de ver serem inquiridas presencialmente as testemunhas arroladas pela mesma, e que veio depois a considerar ser de manter a sanção aplicada pelo Conselho Superior da Magistratura, com fundamento nas alegadas circunstâncias de a Recorrente ter agido intencionalmente (e, por conseguinte, com dolo e até direto) e de não vislumbrar por que razão poderia a sua atuação vir a merecer uma compreensão e uma benevolência conducentes ao não registo da pena de advertência.

A Recorrente pretende assim que seja apreciada e declarada a inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 176.º a 178.º do EMJ, segundo a qual no recurso de deliberações do Conselho Superior da Magistratura previsto no EMJ não há, independentemente da sua finalidade, lugar à realização de uma audiência pública.

Considera a Recorrente ser esta norma violadora dos artigos 20.º, 32.º, n.º 10, 206.º e 268.º nºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa e a mesma foi aplicada pelo Tribunal a quo.

Esta questão de constitucionalidade havia sido suscitada na reclamação apresentada pela Recorrente (cfr. maxime os pontos 9 a 55 da mesma), reclamação essa que foi apresentada quando foi confrontada com a primeira decisão no sentido da não realização de uma audiência pública (e, dado que a impugnação que apresentou foi julgada em primeira e única instância pelo STJ, entende que não lhe era exigível que tivesse suscitado a dita questão de outra forma, o que consigna).

Nestes termos, é do referido Acórdão do STJ de 9 de outubro de 2018 que aplicou a referida norma, cuja inconstitucionalidade havia sido invocada pela Recorrente, que se interpõe agora recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

Tanto mais que esta matéria que também contende com a aplicação do Direito Comunitário, já foi apreciada no TEDH, culminando invariavelmente com a condenação do Estado Português, por estes mesmos motivos, o que não deixa de causar natural embaraço e que esse Tribunal Constitucional deve evitar e reparar, como verdadeiro paladino da defesa do texto constitucional e da sua correta interpretação que é.

Independentemente das faltas disciplinares apontadas aos juízes no processo disciplinar e no recurso judicial, o TEDH preocupou-se em saber se tinham sido asseguradas as garantias de defesa que a Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra.

E que a nossa Constituição também consagra.

Ora, é de difícil compreensão que sendo os princípios os mesmos no STJ, e no TC, não se afira da Inconstitucionalidade de tal interpretação e não se a decrete e depois no TEDH se chegue sucessivamente a tal conclusão.

Com efeito, nos termos do art.º 6.º da CEDH, "qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa examinada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT