Acórdão nº 368/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 368/2019

Processo n.º 15/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 19 de dezembro de 2018, que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo arguido da decisão do mesmo Tribunal de 22 de novembro de 2018, que rejeitou o recurso interposto pelo arguido da decisão do Tribunal Central de Investigação Criminal de 15 de maio de 2018. Esta última decisão indeferira a reclamação da avaliação em € 52.000 de um veículo de que o arguido é proprietário.

2. No recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Lisboa o recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«1. O Reclamante recorreu do despacho do Min. Juiz de Instrução que indeferiu a sua reclamação "do despacho proferido, no dia 5 de março de 2018, pelo Presidente do Conselho Diretivo do IGFEJ, I.P.", e não da avaliação do veículo que lhe foi arrestado.

2. Esse despacho incorpora duas decisões:

- uma, que homologa a avaliação do automóvel arrestado e confere ao arguido o prazo de dez dias para dela reclamar;

- outra, que comina ao Arguido o mesmo prazo de dez dias para requerer à autoridade judiciária competente a entrega do veículo contra o depósito do valor fixado.

3. O que o Reclamante discutiu, desde início, foi sempre e só a validade formal e substancial da decisão do Presidente do Conselho Diretivo do IGFEJ que, sem prévia informação sobre a relevância probatória do automóvel, e sem o GAB decidir e sem lhe comunicar a modalidade de administração do bem, lhe cominou aquele prazo de dez dias para requerer a entrega do automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação.

4. Foi dessa decisão que o Arguido reclamou perante a autoridade judiciária competente, ou seja, Juiz de Instrução que decretou o arresto - arts 184.º o Código do Procedimento Administrativo, 17º, 193º, 4, 194º, 1, e 228.º, 1, CPP.

5. O Reclamante não tem outra fonte de conhecimento do despacho do Presidente do IGFEJ senão a que provém da respetiva notificação (arts 111º, 1, c), e 3, c), CPP, e 114º, CPA), cujo teor se presume transmitir com fidedignidade, que ninguém pôs em causa, o conteúdo do ato decisório.

6. O Arguido não pediu ao Mmº JIC esclarecimentos nem informações sobre o despacho do Presidente do IGFEJ - de que ele, JIC, obviamente não é autor - e reclamou desse despacho e não da respetiva notificação.

7. O (pretendido) deferimento da reclamação que deduziu perante o Mmº JIC jamais poderia servir o escopo de "impugnar o arresto ou as suas consequências",

8. por ser apodítico que a modalidade de administração do veículo arrestado não interfere com a validade, abrangência ou subsistência do arresto,

9. nem com as consequências deste, que, no plano que interessa, resultam duma decisão do Presidente do IGFEJ e não da medida garantística em si.

10. O arguido nunca foi notificado do despacho que ordenou o arresto dos seus bens (incluindo o automóvel aqui em causa).

11. O despacho que contém os fundamentos e natureza do arresto anteriormente decretado nunca lhe foi notificado.

12. Acresce que os fundamentos e natureza do arresto não facultam ao Arguido os elementos imprescindíveis para ele optar ou não pelo pedido de entrega do veículo,

13. por isso que nada nos dizem sobre se o bem é considerado pelo MINISTERIO PÚBLICO meio relevante de prova, nem sobre o destino que o GAB do IGFEJ adstringe ao automóvel: conservá-lo em depósito, vendê-lo, afetá-lo a finalidade pública ou socialmente útil ou destruí-lo - arts 10º e 13º, 1, da Lei 45/2011.

14. É despropositado invocar a tal respeito a disciplina do artº 16º da Lei 45/2011, que não foi - não pode ter sido - conclamado ao arresto do automóvel sub judice,

15. dado que este preceito regula a administração de bens imóveis, categoria em que não se enquadra um automóvel.

16. Também o artº 228º, CPP, nada permite inferir sobre o destino ou modalidade de administração que o GAB do IGFEJ adstringe ao automóvel arrestado.

17. O que está em causa não é a razão ou fundamento que determinou o arresto; é a modalidade de administração do automóvel que, aliás, quanto à venda, afetação ou destruição, está condicionada pela sua relevância probatória, que não foi, no caso, objeto de pronúncia pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

18. O douto despacho reclamado enquadrou o objeto do recurso no nº 3 do artº 12º da Lei 45/2011, que postula a irrecorribilidade do despacho do Juiz competente que decide a reclamação da decisão de homologação da avaliação dos bens arrestados.

19. Todavia, não foi essa a decisão impugnada.

20. O artº 12º, nº 3, da Lei 45/2011, não se aplica, por isso, ao caso vertente, que está, assim, sujeito às regras gerais da impugnabilidade das decisões que contendem com direitos dos cidadãos (no caso, o direito de propriedade) – artº 184º, CPC - e da recorribilidade das decisões judiciais – artº 399', CPP.

21. Nenhum preceito legal impede que o Arguido reclame contra a decisão do Presidente do IGEFJ que, sem decidir e sem lhe comunicar a modalidade de administração do bem, lhe cominou o prazo de dez dias para requerer a entrega do automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação.

22. Nenhum preceito legal determina, ademais, a irrecorribilidade do despacho da autoridade judiciária que indefere essa reclamação.

23. Assim sendo, como é, esse despacho admite reclamação para o JIC - arts 184º, CPC, 17º, 17', 193º,4, 194º, 1, e 228º, 1, CPP - e recurso da decisão que este profira sobre a reclamação – artº 399", CPP.

24. Ao decidir o contrário, o douto despacho reclamado violou estes preceitos.

25. O conjunto normativo integrado pelos arts 12º, nº 3, e 13', nº 1, als. a) e b), da Lei nº 45/2011, de 24 de junho, alterada e republicada pela Lei nº 30/2017, de 20 de maio, e pelos ares 184º do Código do Procedimento Administrativo, e 17º, 193º, 4, 194.º 1, 227º e 228.º, 1, CPP, interpretado no sentido de que o arguido arrestado não pode reclamar perante o juiz de instrução contra a decisão do Presidente do IGEFJ que, sem decidir e sem lhe comunicar a modalidade de administração do bem, lhe comina o prazo de dez dias para requerer a entrega do automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação, é inconstitucional, por violação dos princípios da necessidade da restrição dos direitos, liberdades, e garantias (arts 17º e 18.º 2, CRP), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artº 20º, CRP), do direito fundamental de propriedade privada (artº 62º, CRP) e da competência reservada do juiz (artº 32.º 4, CRP).

26. O conjunto normativo integrado pelos arts 12º, 3, 13º, nº 1, als, a) e b), da Lei nº 45/2011, de 24 de junho, alterada e republicada pela Lei nº 3012017, de 20 de maio, e 399º, CPP, interpretado no sentido de que o arguido arrestado não pode recorrer do despacho do Juiz de Instrução que indeferiu a sua reclamação contra a decisão do Presidente do IGEFJ que, sem decidir e sem lhe comunicar a modalidade de administração do bem, lhe comina o prazo de dez dias para requerer a entrega dum automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação, é inconstitucional, por violação do direito ao recurso, componente das garantias de defesa do processo criminal - are 32º, 1, CRP.»

3. No referido Acórdão de 19 de dezembro de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se nos seguintes termos:

«Está em causa a recorribilidade da decisão proferida pelo Mm.º Juiz do TCIC que entendeu que a reclamação apresentada pelo aqui recorrente, apenas podia ter como fundamento uma discordância relativamente à avaliação do bem em causa - um veículo automóvel sobejamente identificado nos autos - e não a notificação para no prazo de dez dias requerer a entrega do automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação.

Como reconhece na sua conclusão 3 "O que o Reclamante discutiu, desde início, foi sempre e só a validade formal e substancial da decisão do Presidente do Conselho Diretivo do IGFEJ que, sem prévia informação sobre a relevância probatória do automóvel, e sem o GAB decidir e sem lhe comunicar a modalidade de administração do bem, lhe cominou aquele prazo de dez dias para requerer a entrega do automóvel apreendido, contra o depósito do valor da avaliação", usando para o efeito a reclamação que a lei prevê como meio de reação contra a avaliação feita pelo GAB, homologada pelo Presidente do Conselho Diretivo do IGFEJ, pois em seu entender terá que ser o JIC a apreciar a questão apresentada.

Salvo o devido respeito, não assiste razão ao reclamante. Na verdade, e reiterando o que já se escreveu a este propósito na decisão deste Tribunal objeto desta reclamação, a reclamação apresentada ao JIC no âmbito e ao abrigo da Lei 45/2011 de 24-06 apenas pode ter como objeto/fundamento a reclamação contra a avaliação do bem, no caso do veículo automóvel. Na verdade, o art.º 12º, n.º 3 da Lei 45/2011 de 24-06 determina que "Da decisão de homologação da avaliação pelo presidente do IGFEJ, I. P., cabe reclamação para o juiz competente, no prazo de 10 dias após notificação, que decide por despacho irrecorrível após a realização das diligências que julgue convenientes, comunicando a decisão ao GAB, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 68.º do Código de Processo Penal". E como da sua leitura atenta se conclui, nada mais constitui fundamento para reclamação para o JIC. O recorrente não...

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