Acórdão nº 386/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 386/2019

Processo n.º 620/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

(Conselheiro Claudio Monteiro)

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) intentou uma ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra B., C. e a sociedade D., S.A., pedindo a condenação destas Rés no pagamento da quantia de €500.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais por ele sofridos.

Alegou, em síntese, que, enquanto magistrado judicial, julgou improcedentes cinco processos de adoção, cujas decisões foram confirmadas pelo Tribunal da Relação, mas revogadas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Os casos subjacentes àqueles processos foram tratados pelas Rés em peça jornalística televisiva que, no entender do Autor, o apresentou ao público, sem fundamento, como alguém cruel para com as crianças, protetor dos progenitores que maltratam os filhos e profissionalmente inepto, com uma posição de princípio contrária ao instituto da adoção previsto na lei, julgando contra a lei e a Constituição, em detrimento do interesse das crianças, causando sofrimento a adotantes e adotados. O pedido indemnizatório corresponde aos danos morais decorrentes da transmissão da referida peça jornalística.

1.1. A ação culminou, em primeira instância, na prolação de sentença de improcedência, com absolvição das Rés do pedido.

1.1.1. Desta decisão apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão pelo qual confirmou a decisão de improcedência da primeira instância.

1.2. Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

1.2.1. Aí, verificando a extensão da motivação do recurso (ocupando 174 folhas dos autos) e das conclusões (em número de 104), o senhor juiz conselheiro relator, invocando o disposto no artigo 690.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC, na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, ali aplicável), convidou o recorrente a sintetizar as apontadas conclusões no prazo de 10 dias com a cominação expressa de não conhecer o recurso na parte afetada.

1.2.1.1. O Recorrente, ignorando o convite, não apresentou outra versão das suas alegações de recurso. Perante tal omissão, o senhor juiz conselheiro relator proferiu despacho no sentido do não conhecimento do objeto do recurso, nos termos do artigo 690.º, n.º 4, do CPC (na referida redação – “quando as conclusões faltem, sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afetada; os juízes-adjuntos podem sugerir esta diligência, submetendo-se a proposta a decisão da conferência”).

1.2.2. Desta decisão reclamou o Recorrente para a conferência, que, por acórdão de 22/05/2014, confirmou a decisão do relator. O Recorrente arguiu nulidades desta decisão, que viu indeferidas por acórdão de 11/09/2014.

1.3. Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo dos artigos 688.º e ss. do CPC (na redação atual), invocando contradição entre a posição afirmada pelo relator e sucessivamente confirmada pelos acórdãos de 22/05/2014 e de 11/09/2014 (referidos em 1.2.2), por um lado, e acórdão-fundamento que juntou, por outro, relativamente ao ónus de sintetizar conclusões previsto no artigo 690.º, n.º 4, do CPC (na redação atrás apontada).

1.3.1. Foi então proferido despacho, pelo mesmo relator dos acórdãos de 22/05/2014 e de 11/09/2014 (nos termos do artigo 692.º, n.º 1, do CPC), datado de 16/11/2015, no sentido da não admissão do recurso, por inexistir contradição entre esses acórdãos (de 22/05/2014 e 11/09/2014) e o acórdão-fundamento.

1.3.2. Desta decisão reclamou o Autor para a conferência, arguindo, inter alia, a respetiva nulidade, bem como a nulidade do acórdão de 11/09/2014, e o impedimento dos senhores juízes que subscreveram o acórdão recorrido. A este propósito, e em síntese, invocou a inconstitucionalidade do entendimento segundo o qual a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, sendo o acórdão que confirme tal rejeição proferido em conferência – constituída pelo mesmo relator e por dois adjuntos, que, em regra, coincidirão com os subscritores do acórdão recorrido – definitivo nas instâncias.

1.3.2.1. Por acórdão datado de 07/04/2016, o STJ manteve a decisão de não admissão do recurso. Deste acórdão foram arguidas nulidades, indeferidas por acórdão de 16/06/2016.

1.4. O Autor interpôs, então, recurso referido ao acórdão de 07/04/2016 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos.

1.4.1. Admitido tal recurso no STJ e remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, o relator (originário) referiu o recurso à apreciação da eventual inconstitucionalidade dos números 1, 3 e 4 do artigo 692.º do CPC, prosseguindo, em consequência, os autos para alegações nessa parte.

1.4.2. Aceitando a delimitação do objeto do recurso indicada pelo relator, o Recorrente especificou as várias dimensões que pretendia ver apreciadas do seguinte modo:

“[…]

I.

Sendo o recurso para uniformização de jurisprudência um recurso extraordinário, a conhecer, se admitido, por apenso e após distribuição própria, pelo Pleno das Secções, são inconstitucionais (…) as normas conjugadas dos n.os 1, 3 e 4 do artigo 692.º do Código de Processo Civil, por permitirem que seja o relator a decidir da não existência da oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no n.º 3 do artigo 688.º e que possa ser a Conferência a decidir, em acórdão irrecorrível, da verificação dos pressupostos do recurso, incluindo a contradição invocada como seu fundamento;

II.

[…] são inconstitucionais as normas conjugadas do artigo 692.º, n.os 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil, por permitirem que seja o relator e a Conferência a praticarem atos que ultrapassem o mero expediente, em especial a prática de atos que interfiram com o caso julgado da ação e sobretudo de atos que determinem a sorte do recurso para uniformização de jurisprudência;

III.

[…] são inconstitucionais as normas conjugadas do artigo 692.º, n.os 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil, por permitirem que, quanto ao recurso extraordinário, o Tribunal, nesse caso, a quo, funciona em dois momentos decisivos, como Tribunal ad quem, com poderes para decidir, de forma irrecorrível, o acesso a recurso extraordinário das suas próprias decisões, com possível influência sobre o êxito ou inêxito da demanda de tal recurso;

IV.

[…] é inconstitucional a norma do artigo 692.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao prever que para o conhecimento do recurso para uniformização de jurisprudência seja o próprio relator do acórdão onde se verifica a oposição de julgados a proceder ao exame preliminar;

V.

[…] são inconstitucionais as normas conjugadas dos n.os 3 e 4 do artigo 692.º do Código de Processo Civil, ao preverem que o acórdão da Conferência, constituída pelo mesmo relator e pelos mesmos dois adjuntos do acórdão onde se verifica a oposição de julgados, seja irrecorrível;

VI.

[…] são inconstitucionais as normas conjugadas dos n.os 3 e 4 do artigo 692.º do Código de Processo Civil, ao preverem que, mesmo ficando imediatamente esgotado o poder jurisdicional dos juízes quanto à matéria da causa, sejam os mesmos juízes de uma Conferência a ter jurisdição para decidirem em matéria relativa à admissibilidade de recurso para uniformização de jurisprudência;

VII.

[…], são inconstitucionais as normas conjugadas do artigo 692.º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Civil, ao preverem que, mesmo ficando imediatamente esgotado o poder jurisdicional dos juízes quanto à matéria da causa, sejam os mesmos juízes de uma Conferência a ter jurisdição para decidirem em matéria relativa a decisões por eles proferidas e que estejam em contradição com outro anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

[…]”.

…e rematou as alegações – através de 58 conclusões – conforme ora se transcreve:

“[…]

I – O artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP e o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH prescrevem que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…”, “…mediante processo equitativo” e “por um tribunal independente e imparcial…”.

II – Nestas normas, conjugadas, essencialmente, com as dos artigos 202.º e 203.º da CRP, contempla-se, necessariamente, o direito ao recurso, em qualquer área do direito onde sejam proferidas decisões que afetem “direitos e interesses legalmente protegidos” das pessoas.

III – Para o efeito, são imprescindíveis instrumentos processuais próprios (ou por aplicação subsidiária), que constituem o chamado “direito adjetivo” e que, como leis instrumentais para o exercício de direitos, têm também de se subordinar e respeitar plenamente os comandos constitucionais, nacionais ou adquiridos por integração (artigo 8.º da CRP).

IV – Logo, não se pode interpretar qualquer instituto processual dissociado do conteúdo axiológico-normativo dos princípios constitucionais que regem a sua aplicação, antes se deve buscar a outorga de concretude aos direitos e garantias fundamentais estabelecidos constitucionalmente.

V – Sem a indicada subordinação, na sua plenitude e coerência, das regras processuais às normas e princípios constitucionais, é manifesto e notório que as pessoas não...

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