Acórdão nº 399/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Claudio Monteiro
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 399/2019

Processo n.º 914/18

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Cláudio Monteiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. No âmbito de processo arbitral em que é requerente A., S.A. e requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, veio esta última interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

Invoca, como fundamento do recurso, a recusa de aplicação, pelo tribunal a quo, da interpretação normativa literal do n.º 2 do artigo 135.º B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), argumentando que tal recusa foi justificada por inconstitucionalidade, com base na violação do princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

2. A aqui recorrida, A., S.A., requereu a constituição de tribunal arbitral e subsequente pedido de pronúncia arbitral relativamente, entre outras questões, à anulação parcial da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) relativo ao ano de 2017, identificada pelo documento com n.º 2017 004638520, quanto ao montante de € 4.044,99, concernente ao valor patrimonial tributário do prédio com o artigo matricial urbano … da União das freguesias de Oeiras, S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, do concelho de Oeiras, peticionando, além da referida anulação, o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. Argumenta que tal liquidação se reporta a terreno para construção com a menção de “serviços” no tipo de coeficiente de localização, razão por que se deve considerar excluído da incidência do AIMI.

Defende a aqui recorrida que o artigo 135.º B, n.º 2, do CIMI exclui da incidência objectiva do imposto os prédios urbanos para serviços, pelo que deve entender-se que também exclui os terrenos para construção, cuja afectação prevista dos edifícios a construir seja para serviços, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade.

A decisão arbitral, datada de 30 de junho de 2018, veio dar razão à recorrida, nesta parte, considerando que uma interpretação literal do n.º 2 do artigo 135.º B do CIMI, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, não sendo admissível “considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos”. Em conformidade, julgou ilegal a liquidação impugnada no que se refere ao valor tributável do terreno para construção supra identificado, com o artigo matricial 5645.º, determinando a sua anulação, nessa parte, ou seja, quanto ao valor de € 4.044,99, mais julgando procedente o pedido de reembolso dessa quantia e de pagamento dos juros indemnizatórios.

É desta decisão arbitral que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe o presente recurso de constitucionalidade.

3. Admitido o recurso pelo tribunal a quo, subiram os autos ao Tribunal Constitucional, tendo sido determinado o prosseguimento para a fase de alegações e delimitado o objecto do recurso, por despacho da relatora datado de 13 de novembro de 2018, nos seguintes termos:

“Conjugando o teor do requerimento de interposição de recurso com a específica dimensão normativa cuja aplicação o tribunal a quo recusou, porque, sendo prima facie aplicável no caso, se revelou desconforme com parâmetros constitucionais, decide-se determinar o prosseguimento dos autos para a fase de alegações, relativamente ao seguinte objeto: a norma resultante da conjugação do artigo 135.º B, n.º 2, com o artigo 6.º, n.º 1, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, segundo a qual a exclusão da incidência objetiva do adicional ao imposto municipal sobre imóveis abrange os prédios urbanos para serviços mas já não os terrenos para construção, cuja afetação prevista dos edifícios a construir seja para serviços.

4. A recorrente exerceu o seu direito de produzir alegações, concluindo as mesmas do seguinte modo:

“A. O presente recurso foi interposto à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.° da L TC.

B. A norma cuja aplicação foi recusada com fundamento em inconstitucionalidade consta do n.º 2 do art. 135°-B do CIMI, o qual define a incidência objectiva deste adicional ao IMI.

C. A norma cuja desaplicação foi decidida remete expressamente para o art. 6° do CIMI.

D. A Requerente pedia, a título subsidiário, a anulação parcial da liquidação, quanto aos terrenos para construção com afetação prevista dos edifícios a construir a "serviços", considerando-a incompatível com o princípio constitucional da igualdade.

E. O tribunal arbitral singular entendeu, seguindo o entendimento firmado no acórdão proferido no processo n.º 668/2017-T, contra o qual também foi interposto recurso, o seguinte:

«(….) tendo [sic] o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o tributo a edifícios destinados a serviços e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.

Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.°, n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica, deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n. ° 2 do artigo 135. °-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «para serviços» como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados construção desses prédios.

De qualquer forma, a adoptar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.

Em situações de injustificado tratamento discriminatório, traduzido na imposição de um dever ou encargo com violação do princípio da igualdade, o que é ilegítimo é, em princípio, o acto de imposição do dever apenas a alguns dos contribuintes, devendo a desigualdade ser resolvida com eliminação dos deveres ou encargos para quem com eles foi discriminatoriamente onerado.» - cfr. págs. 8 e 9 da decisão (destaques nossos).

F. Em suma sustentou, erroneamente, o Tribunal Arbitral que as considerações tecidas sobre o recorte legal de incidência do AIMI consubstanciam uma violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.

G. A referida inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de pronúncia arbitral pela Requerente e contradita da pela Requerida, tendo o Tribunal Arbitral decidido (erradamente) a questão no sentido propugnado pela Requerente.

H. Para tal, adotou um critério normativo que classifica como interpretação extensiva da norma de exclusão de incidência, começando por justificar com elementos interpretativos infraconstitucionais mas concluindo pela recusa da interpretação normativa literal da norma contida no n.º 2 do art. 135°-B do CIMI, com fundamento na inconstitucionalidade material da norma, com tal sentido.

I. Contudo, inexiste fundamento para tal recusa, bastando para tal atentar no fundamento racional subjacente à delimitação da incidência efetuada pelo legislador por reporte apenas aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.° Código do IMI.

J. Assim, no que concerne agora ao mérito do recurso interposto, e tendo por base a alegada violação do princípio da igualdade, como sustentou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ter-se-ão de ter presentes as normas constantes dos artigos 13°, 134° n.º 3 e 266° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

K. E ainda ao disposto no n.º 3 do art.º 104.° da CRP, em relação ao qual, de acordo com a melhor doutrina, o princípio da igualdade, no que concerne ao património, tem que ser interpretado com restrição, no sentido de que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património.

L. Idêntica posição ressalta dos Acórdãos deste TC, de que são exemplo os Acórdãos referentes aos processos n.º 563/96 ou n.º 695/2014.

M. Assim, do exposto resulta, em suma, que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo, todavia, a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

N. Neste sentido o princípio da igualdade concretiza-se e possui diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação.

O. Pelo que se impõe determinar se as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI, efetuadas...

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