Acórdão nº 406/19 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 406/2019

Processo n.º 409/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente), foi condenado, pelo Juízo Central Criminal de Leiria, por acórdão de 09/11/2017, na pena única de 18 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico que englobou 31 penas parcelares, aplicadas pela prática de crimes de violação de interdição, falsificação de documento, roubo agravado, roubo, sequestro, coação agravada e falsas declarações, e, bem assim, na pena acessória de expulsão do território português.

1.1. Inconformado com tal decisão, e com outras decisões interlocutórias proferidas no contexto do mesmo julgamento, delas interpôs recurso o arguido A. para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 08/05/2018, decidiu: (i) julgar improcedentes todos os recursos relativos às decisões interlocutórias; (ii) julgar parcialmente procedente o recurso da decisão final, absolvendo-o da prática de um crime de falsificação de documento; (iii) julgar improcedente o recurso da decisão final quanto à prática dos demais crimes; (iv) condenar o arguido na pena única de 17 anos e 11 meses de prisão; e (v) manter a pena acessória de expulsão que havia sido aplicada pelo tribunal de primeira instância, fixando a proibição de entrada em território nacional pelo período de 10 anos.

1.1.1. Mediante requerimento de 16/05/2018 o arguido arguiu a nulidade/irregularidade do acórdão porquanto “[…] decidiu não [o] convidar […] ao aperfeiçoamento das suas conclusões nos termos que impõe o artigo 417.º, n.º 3, do CPP e da inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido faz do artigo 412.º, n.º 3, e do artigo 417.º, n.º 3, ambos do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa” e invocou a “[…] nulidade do Acórdão proferido pelo tribunal recorrido na parte em que decidiu, que podia ele próprio suprir a nulidade do Acórdão proferido pela 1.ª instância, por omissão de pronúncia, quando esta não fixou, como estava obrigada a fixar, o período de tempo em que está vedado ao arguido a sua entrada em território nacional”.

1.1.2. Por acórdão de 10/07/2018, o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu, contudo, as nulidades, irregularidades e inconstitucionalidades arguidas, mantendo na íntegra a decisão.

1.2. O arguido interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), quer do acórdão de 08/05/2018, quer do acórdão de 10/07/2018. Das respetivas conclusões consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

I. Da Nulidade/Irregularidade do Acórdão proferido pelo Tribunal Recorrido quando decidiu não convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das suas conclusões nos termos que impõe o artigo 417.º, n.º 3, do CPP e da inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal recorrido faz do artigo 412.º, n.º 3, e do artigo 417.º, n.º 3, ambos do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

a) – O Tribunal recorrido, no Acórdão que proferiu, indicou concretamente as questões que entendeu terem sido discutidas pelo Recorrente na sua motivação de recurso, mas que não foram autonomizadas e sumariadas nas conclusões do recurso interposto pelo Recorrente;

b) – O Tribunal Recorrido devia, por imposição legal, ao contrário do que afirma no acórdão que proferiu, convidar o Recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, dando-lhe o prazo de 10 dias para o fazer (n.º 3 do artigo 417.º do CPP);

c) – Mesmo depois de admitido o recurso e depois dele chegar à fase do exame preliminar, a lei mostra o maior empenho em que o recurso seja conhecido do seu mérito. Por isso, se mesmo depois de sujeito ao crivo do juiz do processo, ainda não for possível apreender integralmente ou em parte as alusões a que se reporta o artigo 412.º, n.º 2, e, caso ainda não tenha sido feito o convite a que alude o artigo 411.º, n.º 2, o relator tem de convidar o recorrente a formular ou a completar as conclusões da sua motivação.

d) – O TC e o STJ têm decidido pela inconstitucionalidade do entendimento que foi perfilhado pelo Tribunal recorrido no acórdão proferido nos presentes autos segundo o qual entende que é de rejeitar o recurso quanto à matéria de facto sem previamente convidar o recorrente a suprir as deficiências e obscuridades das conclusões do mesmo.

e) – Trata-se de casos, como acontece com o dos presentes autos, em que o recorrente expôs de forma válida e consistente as razões concretas da sua discordância na parte da motivação – aliás como é admitido pelo Tribunal recorrido – mas depois, por mero lapso, não as assinalou devidamente nas respetivas conclusões.

[…]

l) – Apesar da imperfeição das conclusões apresentadas, da respetiva motivação resulta com clareza, a amplitude e as razões de discordância integrantes do objeto do recurso – pelo que a Relação estava obrigada ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas pelo Recorrente nos termos do artigo 417.º, n.º 3, do CPP, não assegurando, pois, as garantias de defesa que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República consagra, mais concretamente o direito ao recurso.

m) – Não apreciando o recurso da matéria de facto, nem formulando aquele convite ao aperfeiçoamento, o acórdão do Tribunal Recorrido mostra-se ferido de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

n) – Assim, a interpretação que o Tribunal Recorrido fez do artigo 412.º, n.º 3, do CPP é inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido em que interpretou a Relação de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência” – Inconstitucionalidade que desde já se alega para todos os efeitos legais.

II. Nulidade do Acórdão proferido pelo tribunal recorrido na parte em que decidiu, que podia ele próprio suprir a nulidade do Acórdão proferido pela 1.ª Instância, por omissão de pronúncia, quando esta não fixou, como estava obrigada a fixar, o período de tempo em que está vedado ao arguido a sua entrada em território nacional.

[…]

v) – o entendimento defendido pelo Tribunal recorrido quanto à matéria agora em causa está-se a subtrair – quanto ao período em que o ora recorrente se encontra impedido de entrar no território nacional e que lhe foi fixado pela primeira e única vez por esta Relação – o único grau de recurso que o recorrente dispunha violando-se de forma grosseira e intolerável a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no artigo 32.º da CRP, isto porque o acórdão proferido por esta Relação, no âmbito dos presentes autos não admite recurso para o STJ, exceto quanto à pena única aplicada, pelo que fica o Recorrente impedido em absoluto de interpor recurso quanto ao período de interdição que o tribunal Recorrido lhe fixou!!!

w) – a interpretação que o Tribunal recorrido faz das normas contidas no nosso CPP, mais concretamente do artigo 379.º, n.º 2, do CPP é inconstitucional por violação clara da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (artigo 32.º da CRP).

x) – Cometida a omissão de pronúncia numa sentença penal final e arguida a respetiva nulidade em recurso, só pode a mesma ser conhecida pelo tribunal de recurso, pelos motivos seguintes:

– Em primeiro lugar, a que acabamos de expor por ser essa a solução imposta pela consagração constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, acolhido no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

– Em segundo lugar, por ser essa a solução imposta pelo nosso modelo – processual e substantivo – de determinação da sanção decidida pela 1.ª instância a culpabilidade de arguido condenado pelo tribunal de 1.ª instância, deve ser este [a 1.ª instância] a proceder à determinação da espécie e medida da pena concreta a aplicar, de harmonia com o disposto nos artigos 369.º e seguintes do Código de Processo Penal e 70.º e seguintes do Código Penal.

– Por outro lado, os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, assumem também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre vontade, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado.

y) – Concluindo-se, por conseguinte, que, para além da necessidade decisiva de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da medida concreta da pena implica que deva ser o tribunal de 1.ª instância a proferir a respetiva decisão.

z) – os efeitos da inconstitucionalidade da interpretação que o Tribunal Recorrido fez do artigo 379.º, n.º 2, do CPP no sentido de que poderia suprir a nulidade do acórdão de 1.ª Instância por omissão de pronúncia expressamente por si declarada quando tal subtrai ao recorrente/arguido a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição previsto no artigo 32.º da CRP abrangem, esses efeitos, também a parte do acórdão proferido pela Relação quando a mesma decidiu de matéria que não poderia decidir tendo em conta o julgamento da questão da inconstitucionalidade, i. e., toda a matéria que ultrapasse a matéria das nulidades, em concreto a decisão proferida quanto à impugnação da matéria de facto e quanto à impugnação em matéria de Direito. Aquelas são questões prévias e estas questões principais que ficam prejudicadas pela decisão...

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