Acórdão nº 411/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução09 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 411/2019

Processo n.º 526/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 11 de abril de 2019, que negara provimento ao recurso interposto pelo arguido da decisão da 1.ª instância que o condenou na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e com sujeição a regime de prova, pela prática de um crime de homicídio por negligência (artigo 137.º, n.º 2, do Código Penal), numa pena de multa, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal), e numa pena acessória única de 15 (quinze) meses de inibição de condução de veículos a motor.

2. No recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de Évora, o arguido formulou a seguinte questão:

«As normas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 134.º e do n.º 3 do artigo 145 do Código de Processo Penal e do artigo 452.º do Código de Processo Civil são inconstitucionais por violação dos n.os 1, 7 e 8 do artigo 32.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 202.º da lei fundamental, se interpretadas no sentido de que a parte civil que legitimamente se recusa a prestar depoimento pode ser obrigada a prestar depoimento de parte, sendo tal depoimento válido como meio de prova.»

3. A decisão recorrida – o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de abril de 2019 (a fls. 726 e ss.) – apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«Analisando o recurso sobre o depoimento da demandante:

O recorrente invoca, no essencial e em síntese, que a demandante B. foi forçada a prestar depoimento, após ter-se legitimamente recusado a prestar depoimento, É sobejamente consabido ser inviável contornar a legítima recusa de prestar depoimento com o truque do falso pretexto de forçar o depoente a proferir declarações sob as vestes de depoimento de parte, pois não existe nenhuma lacuna para integrar e o nº 3 do artigo 145º do CPP expressamente estipula que a prestação de declarações pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação de prova testemunhal.

Preconiza, assim, que o depoimento da demandante seja declarado nulo, por violação das normas legais que indica e, ainda, que a interpretação seguida pelo tribunal seja ti da por inconstitucional.

Afigura-se, pois, que o recorrente se insurge contra a circunstância da demandante ter prestado declarações acerca da matéria civil, não obstante se tivesse recusado a fazê-lo no âmbito criminal.

Com efeito, decorre do que ficou vertido na ata da audiência de julgamento que a demandante foi advertida nos termos do art. l34.º, n.º 1, alínea b), do CPP, dado que vivia com o arguido, aqui recorrente, em condições análogas às dos cônjuges aquando dos factos em análise, sendo que declarou não pretender prestar declarações quanto à matéria penal em causa.

No tocante à faculdade de recusa de depoimento, resulta, além do mais, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 154/2009, de 25.03.2009, in www.dgsi.pt: a possibilidade de recusa a prestar depoimento por parte dos familiares, cônjuge e afins do arguido (bem como por parte do ex-cônjuge de quem com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação), tem o propósito imediato de evitar situações em que tais pessoas sejam postas perante a alternativa de mentir ou, dizendo a verdade, contribuírem para a condenação do seu familiar. Entendeu aqui a lei que o interesse público da descoberta da verdade no processo penal deveria ceder face ao interesse da testemunha em não ser constrangida a prestar declarações. Mas, além de pretender poupar a testemunha ao conflito de consciência que resultaria de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um arguido com quem tem parentesco ou afinidade próximos, o legislador quer proteger as "relações de confiança, essenciais à instituição familiar" (...) a razão de ser da norma é, não só a de obstar ao conflito de consciência que resultaria para a testemunha de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um seu familiar ou afim, mas também e sobretudo proteger as relações de confiança e solidariedade, essenciais à instituição familiar - verdadeiramente, é esta a sua raiz última (...) o fundamento último da legitimidade da recusa a depor por parte das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 134.º do CPP situa-se no interesse da família enquanto elemento fundamental da sociedade e espaço de desenvolvimento da personalidade dos seus membros (n.º 1 do artigo 67.º da CRP), cuja importância supera o interesse da punição dos culpados. A possibilidade de um familiar próximo vir a ser constrangido a testemunhar contra outro perturba a confiança, fundada no afeto ou nas projeções sociais sobre o afeto devido, que é o cimento da coesão desse elemento básico da sociedade. Por este ângulo, o que a regra do n.º 1 do artigo 134.º protege, em última linha, é a confiança e a espontaneidade inerentes à relação familiar, prevenindo (enquanto desenho do sistema jurídico relativo a esse ambiente privilegiado no qual as relações e as trocas de informação se devem desenvolver sem receio de aproveitamento por terceiros ou pelo Estado) e evitando (quando, perante um concreto processo, o risco passa de potencial a atual) que sejam perturbadas pela possibilidade de o conhecimento de factos que essa relação facilita ou privilegia vir a ser aproveitado contra um dos membros. E visa também - aliás, é essa a sua justificação de primeira linha - poupar a testemunha ao angustioso conflito entre responder com verdade e com isso contribuir para a condenação do arguido, ou faltar à verdade e, além de violentar a sua consciência, poder incorrer nas sanções correspondentes. Trata-se de uma forma de proteção dos escrúpulos de consciência e das vinculações sócio-afetivas respeitantes à vida familiar que encontra apoio no n.º 1 do artigo 67.º da Constituição e que outorga ao indivíduo uma faculdade que se compreende no direito (geral) ao desenvolvimento da personalidade, também consagrado no artigo 26.º n.º 1, da Constituição, enquanto materialização do postulado básico da dignidade da pessoa humana (...).

Na situação, ainda que tratando-se, não só de testemunha indicada pela acusação, como também demandante civil, a advertência justificava-se, se bem que, relativamente à condição de parte civil, não se desconheça que a questão é controvertida, em razão de que o n.º 3 do art. 145.º do CPP dispõe que "A prestação de declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime da prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente", motivo por que, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código de Processo Penal", Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, pág. 404...

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