Acórdão nº 424/19 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 424/2019

Processo n.º 336/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e Deco Proteste Editores, Lda., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em conferência, datado de 27 de fevereiro de 2019, que indeferiu a arguição das nulidades e inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente ao aresto proferido pela mesma Relação, em 19 de dezembro de 2018.

2. Através da Decisão Sumária n.º 390/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

6. De acordo com a identificação constante do requerimento de interposição de recurso, a decisão aqui recorrida é o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, notificado «pelo ofício com a Refª Citius nº 14172705, datado de 28/02/2019», que indeferiu a arguição das nulidades imputadas ao acórdão precedentemente proferido pela mesma Relação, através do qual fora julgado integralmente improcedente o recurso interposto pelo ora recorrente da decisão condenatória proferida em primeira instância.

Sem prejuízo de o acórdão recorrido se encontrar datado de 27 de fevereiro de 2019, certo é que o mesmo apenas foi depositado e notificado aos intervenientes processuais no dia 28 do mesmo mês e ano, não subsistindo, assim, qualquer dúvida, até pela referência Citius constante do requerimento de interposição, que a decisão de que o recorrente interpõe recurso é aquela e não outra, não obstante a descontextualizada menção, ao longo de tal requerimento, a outros acórdãos, incluindo ao proferido em primeira instância.

7. Incidindo sobre o acórdão que desatendeu a arguição dos vícios imputados ao aresto proferido em 19 de dezembro de 2018, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver apreciada «a legalidade e constitucionalidade da norma do artigo 127°, 355° nº 1, 379°, 399°, 400° nº 1 alíneas e) e f), 410° do CPP conjugado com os artigos 613° nº 1 e n° 2 e 615° nº 4 do CPC ex vi artigo 4° do CPP, com a Interpretação com que as mesmas foram aplicadas nos Doutos Acórdãos a quo objeto do presente recurso de constitucionalidade».

Apesar de ter condensado numa única e mesma formulação a questão de constitucionalidade que aparenta integrar o objeto do presente recurso — e, mais do que isso, de nela fazer convergir um conjunto de preceitos legais que, por disciplinarem matérias de natureza totalmente diversa, não são suscetíveis sequer de uma aplicação conjugada —, o certo é que o recorrente acaba por subdividir o requerimento de interposição do recurso em três diferentes segmentos, em cada um dos quais — pode admitir-se — é enunciada uma autónoma questão de constitucionalidade.

Nesta perspetiva, aceita-se que a pretensão do recorrente seja a de ver confrontada com a Constituição: i) em matéria do «Não conhecimento das Nulidades, Erros e Reforma do Acórdão», a «interpretação, expressa no douto Acórdão, das normas contidas nos artigos 613° nº 1 e nº 2 a artigo 615° nº 4, ambos do CPC, ex vi artigo 4° do CPP»; ii) quanto à «Não valoração da Prova Pericial», a «interpretação, no sentido com que ela foi tomada no caso concreto, prevalecente d[o] artigo 127.º do CPP sobre o disposto neste artigo 163º do CPP e dos seus exigíveis requisitos»; e, por último, (iii) no âmbito da «alegada Prova Não discutida em Julgamento», a «interpretação no sentido com que ela foi tomada no caso concreto, prevalecente d[o] artigo 127º do CPP sobre o disposto neste artigo 355º nº 1 do CPP e dos seus exigíveis requisitos».

Apesar de o recorrente não explicitar qualquer uma das interpretações cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, não se justifica, contudo, formular um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, em ordem a possibilitar o suprimento de tal omissão. E isto porque, conforme passará a demonstrar-se, não se encontram verificados no caso todos os pressupostos de que depende a admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que obstaria, em qualquer caso, à possibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, ainda que considerado na versão segmentada que resulta da subdivisão temática do requerimento de interposição.

8. Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância «da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional» (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

Ora, atentando na quase integralidade da extensa argumentação articulada pelo recorrente, facilmente se percebe que a pretensão subjacente à interposição do presente recurso — através do qual, afirma-o expressamente o recorrente, se tem em vista, além do mais, a renovação «da [p]rova que for julgada necessária a descoberta da [v]erdade material dos [f]atos» e a modificação «do Venerando Acórdão [recorrido] em conformidade com a legal aplicação das normas e do Direito» —, é apenas a de ver sindicadas as soluções de direito infraconstitucional sucessivamente alcançadas pelas instâncias, designadamente no âmbito da valoração dos elementos de prova subjacentes ao estabelecimento da respetiva responsabilidade criminal, soluções essas cuja correção ou acerto, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a normas ou princípios constitucionais, não é sindicável por este Tribunal. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 429/2014, o Tribunal Constitucional é um «Tribunal de normas», restringindo-se o objeto da sua análise «à avaliação de normas e não de quaisquer outros atos, designadamente decisões judiciais».

9. Mas esta não é sequer a única razão pela qual o recurso não pode ser admitido.

Tal como igualmente sublinhado na jurisprudência deste Tribunal, os recursos fundados na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõem, como condição da respetiva admissibilidade, que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou interpretação normativa impugnada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos «dirimir questões meramente teóricas ou académicas» (cf. Acórdão n.º 498/96), um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelos recorrentes, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio.

A decisão aqui recorrida é, conforme notado já, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27 de fevereiro de 2019, que indeferiu a arguição das nulidades e inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente ao aresto proferido a 19 de dezembro de 2018.

Neste acórdão, o Tribunal a quo limitou-se a responder à questão de saber se, em face do preceituado no artigo 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente dispunha da faculdade de arguir nulidades de um acórdão irrecorrível e, bem assim, a verificar...

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