Acórdão nº 428/19 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 428/2019

Processo n.º 470/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial e reclamadas A., Lda. e B., Lda., foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido a 05 de fevereiro de 2019, que ordenou o desentranhamento e devolução ao apresentante do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão aí proferido em 26 de setembro de 2017, ainda que limitado ao segmento relativo às custas processuais.

2. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de setembro de 2017, decidiu julgar improcedente o recurso interposto da decisão de primeira instância, que recusara o registo da marca “….” e, em substituição, concedera o registo da aludida marca nacional n.º …., destinada a assinalar «SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO, BARES E CATERING», condenando o ora reclamante nas custas processuais devidas em ambas as instâncias.

3. Inconformado, o ora reclamante interpôs recurso de revista e pediu a reforma da decisão quanto a custas, pretensão esta indeferida por acórdão de 20 de março de 2018.

4. Por decisão singular proferida no Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de revista não foi admitido, tendo o recorrente (ora reclamante) reclamado para a conferência, que, por acórdão de 8 de novembro de 2018, indeferiu a reclamação.

5. Nessa sequência, através requerimento apresentado em suporte de papel, enviado por correio registado em 06 de dezembro de 2018, o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 26 de setembro de 2017, «por não se conformar com o mesmo na parte relativa às custas».

6. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem o seguinte teor:

«INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, I.P. (doravante, "INPI"), pessoa coletiva n.º 600017583, com sede no Campo das Cebolas, 1149-035 Lisboa, Recorrente do Acórdão proferido nestes autos em 26 de setembro de 2017, por não se conformar com o mesmo na parte relativa às custas, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 75.º, n.ºs 1 e 2, 75.º-A, n.ºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, e 78.º, n.º 3, todos da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante, "LTC"), dele interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

com efeito devolutivo e subida nos próprios autos, o que faz nos seguintes termos:

§ 1.

DA TEMPESTIVIDADE

1. Por Acórdão proferido nestes autos em 26 de setembro de 2017, o Tribunal da Relação de Lisboa condenou o INPI em custas, em processo em que este não foi parte.

2. O INPI só teve conhecimento da aludida condenação quando foi interpelado pela parte vencedora para pagar custas de parte, após o que foi notificado, a seu pedido-, do referido Acórdão.

3. Do mesmo, o INPI interpôs recurso de revista, que incluía um pedido de reforma da decisão quanto a custas, no dia 6 de dezembro de 2017.

4. Nessa peça processual, o INPI suscitou a questão de inconstitucionalidade que motiva o presente recurso.

5. Mediante Acórdão de 20 de março de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu o pedido de reforma quanto a custas e admitiu o recurso, ordenando a respetiva subida, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

6. Por Decisão Singular de 20 de junho de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto pelo INPI, com fundamento em irrecorribilidade.

7. No dia 5 de julho de 2018, o INPI reclamou dessa decisão para a conferência do STJ.

8. Em Acórdão proferido no dia 8 de novembro de 2018, o STJ indeferiu a reclamação, confirmando a decisão reclamada.

9. O INPI foi notificado deste último Acórdão no dia 15 de novembro de 2018, que corresponde ao terceiro dia posterior ao do registo do respetivo envio, ocorrido a 12 do mesmo mês.

10. Considerando que o mencionado Acórdão do STJ não era suscetível de recurso ordinário, nem de reclamação, o mesmo transitou em julgado no prazo geral de 10 dias, que findou no dia 26 de novembro de 2018.

11. Estabelece o n.º 2 do artigo 75.º da LTC que, «interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se toma definitiva a decisão que não admite recurso».

12. Assim, sendo de 10 dias, nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o mesmo deve contar-se a partir de 26 de novembro de 2018, terminando, por conseguinte, no dia 6 de dezembro de 2018,

13. Motivo pelo qual o presente recurso deve ter-se por tempestivo.

§ 2.

DA DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO

14. Em virtude do recurso de revista interposto pelo INPI e da reclamação para a conferência que se lhe seguiu, os autos encontram-se na 7.ª Secção do STJ.

15. Mas uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, compete «ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida» apreciar a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, é o Tribunal da Relação de Lisboa que deverá pronunciar-se sobre essa admissibilidade.

16. Deste modo, requer-se, muito respeitosamente, a V. Ex.as se dignem solicitar ao STJ a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que nesta sede seja proferido despacho sobre a admissibilidade do presente recurso.

§3.

Do REQUERIMENTO

17. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

18. Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 527.º, n.º 1 (complementada pelo n.º 2), do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de que pode ser condenado em custas quem não foi parte no processo.

19. Com efeito, ao condenar o INPI em custas nos termos em que o fez, o Tribunal a quo aplicou o artigo 527.º do CPC (expressamente mencionado na decisão recorrida) como se este preceito legal admitisse que a responsabilidade pelo pagamento das custas pudesse ser imputada a quem não foi parte no processo que as originou.

20. A mencionada norma, quando interpretada naquele sentido, é inconstitucional por violação do princípio do contraditório e do princípio da proibição da indefesa.

21. Tais princípios, corolários do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.0, n.ºs 1, da Constituição da República Portuguesa, postulam o direito de defesa processual, o direito que todas as pessoas têm de alegar as suas razões de facto e de direito perante o tribunal que vai decidir questões que lhes digam respeito ou que possam afetar a sua esfera jurídica.

22. Esta questão de inconstitucionalidade foi, como se referiu, suscitada no recurso de revista interposto pelo INPI, no dia 6 de dezembro de 2017, do Acórdão proferido nestes autos em 26 de setembro de 2017.

23. Satisfazem-se, assim, os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.0-A da LTC.

24. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, importa que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer»,

25. Ou seja, «em momento processual em que ainda fosse possível ao tribunal na quo" conhecer de tal questão jurídico-constitucional, tomando sobre ela posição, por não estar ainda esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria a que diz respeito a questão de constitucionalidade a que o recurso se reporta».

26. A este propósito, cumpre referir que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada perante o Tribunal a quo, no primeiro momento em que a mesma poderia colocar-se, isto é, no âmbito do pedido de reforma quanto a custas feito nas alegações do recurso de revista - pedido que o Tribunal apreciou, indeferindo-o.

27. Importa, em todo o caso, esclarecer que a questão não foi antes colocada devido ao incontornável facto de o INPI não ser parte no processo e, por isso, não ter tido oportunidade processual de invocar previamente fosse o que fosse (recorde-se que o INPI só foi notificado da decisão recorrida a seu pedido, na sequência de ter sido interpelado para pagar custas de parte).

28. De igual modo, o facto de o INPI não ser parte também o impedia de antecipar uma decisão que, nesse processo, o condenasse em custas e, por conseguinte, de invocar, em momento anterior à decisão recorrida, a inconstitucionalidade da interpretação aí feita pelo Tribunal a quo.

29. Esta não pode deixar de ser uma das situações - que a jurisprudência do Tribunal Constitucional e a doutrina acolhem - em que o recorrente está dispensado antecipadamente, de a questão suscitar, inconstitucionalidade.

30. Com efeito, uma dessas situações ocorre quando «o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada, feita pela decisão. Aqui o interessado não dispõe de "oportunidade processual" para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, por não poder antever a possibilidade dessa aplicação".

31. Por outras palavras, trata-se daqueles casos «em que não era exigível ao interessado que antevisse a possibilidade de aplicação de certa norma ou interpretação normativa à dirimição do caso, de modo a...

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