Acórdão nº 432/19 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução15 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 432/2019

Processo n.º 586/2017

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

(Conselheira Maria Clara Sottomayor)

Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Vem o presente recurso interposto por A., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 22 de fevereiro de 2017, na parte em que negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que lhe impôs a pena disciplinar de demissão.

2. Releva para a presente decisão que, instaurado que processo disciplinar contra o aqui recorrente, e acusado o mesmo de diversas infrações disciplinares, foi proposta ao CSM pelo inspetor judicial instrutor a aplicação da pena única de aposentação compulsiva, nos termos do artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante referido abreviadamente como «Estatuto» ou «EMJ»).

2.1. Apresentada a defesa, foi deliberada pelo CSM, por maioria, a aplicação da pena de aposentação compulsiva, com mudança de relator.

Seguiu-se a determinação de notificação do arguido pelo novo relator, com indicação de que constatara que o arguido não era subscritor da Caixa Geral de Aposentações (CGA), «o que pode constituir obstáculo à aplicação da pena de aposentação compulsiva e implicar que, perante o preenchimento da previsão das alíneas a) e c) do art. 95 do EMJ, tenha de ser aplicada a pena de demissão». Em resposta, para além de suscitar questões de caducidade e prescrição, o arguido pronunciou-se pela inexistência de fundamento para a aplicação de uma sanção expulsiva.

Em 21 de dezembro de 2015, o Conselho Plenário do CSM deliberou:

«1) Reafirmar as decisões do Exmo Sr. Inspector Judicial no sentido da rejeição da defesa do arguido, com fundamento na extemporaneidade da sua apresentação, e da não produção oficiosa das diligências de prova requeridas em tal peça, com fundamento na sua desnecessidade;

2) Considerar que o Exmo Sr. Juiz de Direito A. incorreu na prática de uma infração disciplinar aos deveres gerais de zelo e de prossecução do interesse público, previstos no artigo 73/2, a) e e), 3 e 7 da Lei do Trabalho e Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, ex vi do artigo 131 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 34/2, 82, 85/1, g), 90/2, 95/1, a) e c), deste último diploma,

3) Considerar que o Exmo Sr. Juiz de Direito A. incorreu na prática de duas infrações disciplinares ao dever geral de obediência, previsto no artigo 3.º/2, f), e 8 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, ex vi do artigo 131 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 82, 85/1, g), 87 e 92 deste último diploma;

4) No mais anular a deliberação tomada na Sessão Plenária do dia 29 de setembro e, considerando que a primeira daquelas infrações é reveladora de definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função de magistrado judicial e de inaptidão para o exercício do cargo e, em consequência, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 99 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, aplicar ao conjunto das três infrações a pena disciplinar de demissão do arguido Exmo. Sr. Juiz de Direito A..»

2.2. Inconformado, o arguido interpôs recurso dessa deliberação para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do artigo 168.º do Estatuto, invocando a invalidade e ilegalidade da referida deliberação, e sustentado «que a interpretação dos artigos 85.º, 90.º, 95.º do EMJ no sentido de que não é possível a aplicação da pena de aposentação compulsiva a um Magistrado que, ou não tenha o tempo de serviço exigido no exercício de funções previsto nos artigos 42.º e 37.º do EA, ou não esteja inscrito no Centro Nacional de Pensões, é inconstitucional por violação do artigo 13.º da CRP, que consagra o princípio da igualdade, e do princípio da unicidade estatutária constitucionalmente previsto no artigo 215.º, n.º 1, da CRP» (cfr. conclusão 56.ª).

Apresentada resposta pelo CSM, e notificado o recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 176.º do Estatuto, veio este alegar, reiterando, no essencial, o que defendera no requerimento inicial (cfr. ponto III).

2.3. Após nova resposta do recorrido, pronúncia do Ministério Público, serem lavrados os vistos e inscritos os autos em tabela, apresentou o recorrente peça processual, dirigida à juíza conselheira relatora no STJ, na qual manifestou aguardar pela apreciação do recurso, «confiante de que o mesmo não merecerá provimento de que nem será sequer necessária a produção de prova testemunhal, a qual sempre considerou que possibilitaria o apuramento de mais factos que lhe seriam favoráveis e que tornariam ainda mais evidente a violação que houve, v.g., do princípio da justiça». Mais argumentou em defesa do provimento das questões suscitadas no recurso, apresentou quatro documentos (um dos quais integrando parecer jurídico) e informou ter requerido o apoio judiciário.

Sobre esse requerimento recaiu, em 22 de fevereiro de 2017, o seguinte despacho da relatora:

«O requerimento em apreço configura um procedimento anómalo no contexto do processado uma vez que as possibilidades de o recorrente se pronunciar sobre a matéria da causa se concretizou, por último, no âmbito do artigo 176.º do EMJ.

Quanto ao parecer junto, o mesmo já se encontra junto aos autos a fls. 234-247.

O pedido de apoio judiciário será, oportunamente, tido em conta»

2.4. De seguida, e na mesma data, foi realizada sessão em conferência (fls. 372) e proferido o acórdão recorrido, nos termos do qual foi o recurso julgado parcialmente procedente. Considerou o STJ que ocorrera a prescrição do procedimento disciplinar relativamente a uma das infrações disciplinares (factos exclusivamente objeto do processo disciplinar n.º 290/2014-PD), incorrendo a deliberação recorrida nessa parte em vício de violação da lei; no mais (outras questões de prescrição; insubsistência do juízo de «definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função e de inaptidão para o exercício do cargo», revelado pela infração aos deveres gerais de zelo e de prossecução do interesse público, consubstanciados exclusivamente nos factos objeto do processo disciplinar n.º 155/2015-PD; invalidade da deliberação por preterição dos princípios da unicidade estatutária e da igualdade; ilegalidade da deliberação por falta de quorum; invalidade da deliberação por violação do direito de defesa e por preterição de diligências essenciais; erro sobre os pressupostos de facto; e invalidade da deliberação por manifesta desproporcionalidade) foi o recurso julgado improcedente, confirmando a condenação do recorrente na pena disciplinar de demissão.

Abordando especificamente problema de inconstitucionalidade que lhe havia sido suscitado, com invocação paramétrica dos princípios da unicidade estatutária e da igualdade, o tribunal a quo fundamentou o seu juízo nestes termos:

«5.2. A INVALIDADE DA DELIBERAÇÃO RECORRIDA POR PRETERIÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNICIDADE ESTATUTÁRIA E DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

Convoca este ponto a sanção disciplinar concretamente aplicada, sendo esse, como é natural, o cerne do presente recurso.

A independência do poder judicial (artigo 203.º da CRP) e a imparcialidade da jurisdição pressupõem, além do mais, que o poder político assegure aos juízes um quadro legal e estatutário que as promova [...].

Por isso, a Lei Fundamental preconiza certas garantias, entre as quais se destaca, pelo relevo que aqui assume, o princípio da unicidade estatutária (n.º 1 do seu artigo 215.º).

[...]

O EMJ constitui a concretização palpável desse princípio (atente-se na parte final do seu artigo 1.º) dando corpo, por um lado, a um complexo unificado de normas que desenham o respectivo regime jurídico-funcional e, por outro, a uma especificidade estatutária em relação aos titulares de outros órgãos de soberania e aos demais trabalhadores do Estado.

Nessa medida [...], é ao próprio EMJ que cabe regular as matérias que devem ser tratadas nesse regime e, noutro passo, determinar a legislação subsidiariamente aplicável e em que termos e com que adaptações se fará a sua transposição para o campo da magistratura judicial.

Feitas estas considerações, importa atender às razões pelas quais o recorrente considera que a interpretação de certos preceitos estatutários colide com o mencionado princípio.

Desde logo, é insofismável que a sanção disciplinar de demissão aplicada ao recorrente se encontra prevista no EMJ (cfr. alínea g) do seu artigo 85.º e m.º 2 do seu artigo 90.º) pelo que, como é óbvio, jamais se poderá considerar que nos deparamos com uma punição disciplinar que extravase os limites daquele diploma.

Por outro lado, como bem sustenta o recorrido, é de sublinhar a inocuidade desta questão. É que tanto a sanção disciplinar aplicada como aquela que o recorrente, a avaliar pelo teor das suas alegações, preferia que fosse aplicada (a aposentação compulsiva – n.º 1 do artigo 95.º do EMJ) têm natureza expulsiva e determinam a cessação compulsiva do exercício de funções por parte de um magistrado judicial.

Ainda assim, sempre se dirá que esta última sanção disciplinar consiste na imposição da aposentação (cfr. o referido preceito estatutário) mas não prejudica o direito à pensão legalmente previsto (artigo 106.º do mesmo diploma).

Transparece ainda de outros preceitos do EMJ que este diploma não...

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