Acórdão nº 448/19 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 448/2019

Processo n.º 699/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 8 de maio de 2019 que negou provimento ao recurso por ele interposto da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém que, confirmando decisão administrativa proferida pelo Banco de Portugal, lhe aplicou uma coima de € 15.000, pela prática, a título negligente, da infração p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, alínea f), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, suspensa em metade do seu valor pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do disposto no artigo 223.º do RGICSF.

2. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«(...)

2 - Da violação dos direitos de defesa do arguido:

Entende o recorrente que uma vez que tinha sido acusado pela prática dolosa da contraordenação pela qual veio a ser condenado a título de negligência se impunha o cumprimento do disposto no artigo 358º/CPP, aplicável por força do artigo 41º/RGCO, sob pena de cometimento de nulidade insanável, não sendo a questão subsumível à jurisprudência do AUJ 1/2003.

A sentença recorrida reconheceu a existência da alteração relativa ao elemento subjetivo dizendo que «considera-se que a decisão final introduziu, face à acusação e ao contrário do que sustenta o BdP, uma alteração relativa ao elemento subjetivo, pois a acusação imputou os factos a título doloso (cf. ponto 90 da acusação) e a decisão final imputou os factos a título negligente (cf. ponto 257 da decisão impugnada). Tal alteração consubstanciaria, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º, n.º 1, do CPP, uma alteração não substancial, pois a imputação fática negligente não é algo que se alcance por mera subtração de factos à imputação dolosa. É, na verdade, uma imputação qualitativamente distinta, porque pressupõe um tipo de ilícito objetivo diferente e um tipo de culpa igualmente específico, ou seja, a negligência não se alcança por mera subtração do dolo, implicando factos específicos e próprios.»

Configurou a mesma como uma alteração não substancial, determinante de nulidade sanável, nos termos dos artigos 219º-A do RGICSF, 50º do RGC e 283º/3 do CPP, aplicando-lhe analogicamente o regime dos artigos 379º/1-b) e 119º, do CPP, a contrario, socorrendo-se da jurisprudência fixada no AUJ 1/2003.

Mais disse que a nulidade estava sanada uma vez que o arguido se prevaleceu da mesma na defesa de mérito que aduziu e que, mesmo considerando a subsunção da situação ao disposto nos artigos 379º/1-b) e 119º, a contrario, do CPP a solução seria a mesma.

O BdP e o MP consideram que não há nulidade porque a alteração do elemento subjetivo resultou de factos alegados pelo próprio recorrente na defesa que apresentou. Subsidiariamente pugnam pela natureza sanável da nulidade.

O recorrente lança mão do acórdão proferido pelo STJ no processo 42/15.1TNL8B.L 1-A.2 para dizer que o AUJ 1/2003 não é aplicável porque está em causa a total omissão da concessão do direito de defesa quanto aos factos relativos à negligência. Invoca jurisprudência relativa à situação de omissão do direito de audição.

Ora, a situação em causa não se subsume à omissão de audição. O arguido foi notificado da acusação, exerceu a sua defesa e declarou a sua concordância com a subsunção da questão a uma alteração não substancial dos factos.

A questão que se coloca é saber se há nulidade e/ou se ela é sanável ou insanável.

Conforme bem refere o BdP «o Recorrente, em sede de impugnação judicial, invocou expressamente a "inexistência de factos subsumíveis aos deveres de cuidado e diligência omitidos", pronunciando-se sobre a "(suposta) omissão dos deveres de cuidado e de diligência", para o que arrolou testemunhas.

Por outras palavras, o Recorrente, em sede de impugnação judicial, veio alegar que não atuou de modo negligente, por não ter violado qualquer dever de cuidado de que fosse capaz e a que estivesse obrigado, requerendo a produção de prova para o demonstrar.

Ao fazê-lo, veio exercer, de modo efetivo, o seu direito de defesa quanto a esta imputação negligente, o que sempre conduziria, como conduziu, à sanação de qualquer desrespeito do seu direito de defesa que possa ter existido na fase administrativa do processo, por não lhe ter alegadamente sido dada oportunidade para se pronunciar sobre a referida imputação».

Do exposto resulta que a alteração factual resultou da defesa do arguido o que, nos termos do nº 2 do artigo 358º/CPP, não determina alteração não substancial dos factos. O arguido teve oportunidade de se pronunciar sobre os factos e pronunciou-se efetivamente, de modo procedente, pois a decisão acolheu os termos da sua defesa.

Por outro lado, ainda que assim se não entendesse, a jurisprudência decorrente AUJ 1/2003 tem aplicação direta à situação sub judice.

(…)

Argumenta o arguido com a natureza insanável da nulidade decorrente do RGIF. Tal natureza resulta do teor da própria norma, ao contrário do que acontece no RGC, pelo que, perante a presunção de que o legislador se soube exprimir corretamente, não há equiparação possível.

Em face do exposto não ocorreu a violação de direitos de defesa do arguido e não há, consequentemente, fundamento para a alegada nulidade insanável nem para a violação de qualquer preceito constitucional.

A alteração foi proveniente da defesa do arguido, não constituiu uma decisão surpresa, foi-lhe favorável e não poderia jamais ser entendida como violadora do direito à igualdade, em face da condenação dos restantes arguidos por dolo.

***

3 - Nulidade por insuficiência da investigação - violação dos princípios da descoberta da verdade material, da igualdade e do dever de imparcialidade;

Entende a recorrente que os referidos princípios e dever foram infringidos porquanto tendo o BdP notícia dos cargos ocupados por B. (presidente), C. (Vice-presidente) e D. (vice-presidente e responsável pelo pelouro DPN do qual emergiam as propostas, sob a sua responsabilidade, para aprovação em conselho) E. (administrador) deveria ter-lhes imputado as responsabilidades inerentes equivalentes àquelas que imputou ao recorrente, o que não fez. Mais entende que é desadequada a afirmação feita na sentença recorrida de que não cabe ao recorrente a defesa dos valores de perseguição contraordenacional e que isso competia, pelo menos, ao Tribunal, invalidando o processo. Ou seja, entende o recorrente que porque outros administradores tinham relação idêntica à sua com os factos imputados, o processo deveria ter-lhes sido extensivo e, não tendo sido, tal determina a invalidade do mesmo quanto à sua pessoa.

Mais entende que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia por não ter tomado posição sobre a verificação da nulidade.

Não referiu o recorrente qual a norma ao abrigo da qual invoca a nulidade. Admitamos, no entanto, que será aquela a que se referiu no recurso de impugnação judicial, ou seja, o artigo 120º/2-d) do CPP.

A questão, tal como as demais, foi objeto de apreciação pelo Tribunal recorrido. E aí se referiu, e bem que do ponto de vista da estrita aplicação do artigo 120º/2, alínea d), do CPP, é manifestamente improcedente porque a omissão de um ato apenas gera nulidade «se tiver omitido a prática de ato que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa». Significa isto que não ocorre a nulidade apontada.

Em causa está uma pretensa nulidade processual. Tais nulidades são as taxativamente enumeradas no disposto no artigo 120º/CPP e as demais expressamente previstas por lei. Admitindo que em causa esteja a supra referida nulidade, porque outra não foi invocada, ela é improcedente porque os atos ou omissões que determinam a insuficiência de inquérito são relativos à conformação de cada processo, que inclui a definição dos visados que devem ser constituídos arguidos. Não tendo sido visados pelo inquérito nenhuma das pessoas supra mencionadas não ocorre a nulidade emergente da falta de constituição de arguido, que seria a única situação aparentemente subsumível aos contornos da questão colocada.

Ainda que se sufragasse a tese de João Conde Correia que defende que, não obstante a regra da taxatividade das nulidades, a ordem jurídica não pode (deixar de, presume-se) estabelecer a eliminação das disposições legais contrárias às regras constitucionais e deixar incólumes os atos processuais violadores das disposições legais que acolhem ou concretizam preceitos constitucionais, de sorte que, se se verificarem estes últimos, eles configuram uma nulidade, cujo fundamento radica no principio constitucional desrespeitado, continuamos a não encontrar nulidades na medida em que o recorrente não invoca violação de outra norma infraconstitucional.

Resta a apreciação da verificação da existência de inconstitucionalidades.

Os factos dos quais resulta a imputação do elemento subjetivo da infração ao arguido são, essencialmente, os seguintes:

«kkk. O montante de provisões que deveriam ser constituídas relativamente ao cliente F., pelo menos, a partir da constituição do primeiro penhor, foi aprovado pelo Conselho de Administração do G., pelo menos, a partir da constituição do primeiro penhor.

III. A. sabia que o depósito a...

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