Acórdão nº 475/19 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução25 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 475/2019

Processo n.º 693/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., B., C. e D. (os ora Recorrentes) foram condenados, no âmbito do processo n.º 8/2014-JRF da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, no pagamento de quantias a título de responsabilidade financeira. Interposto recurso da decisão condenatória para a 3.ª Secção do Tribunal de Contas, foi mantida a condenação, determinando-se a remessa dos autos à Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, para aí prosseguirem os seus termos.

1.1. Após o regresso dos autos à Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, os Requeridos apresentaram um requerimento tendo em vista impedir a emissão de guias de pagamento, pretensão que viram indeferida por despacho, após o qual arguiram nulidades processuais, arguição que foi indeferida por despacho datado de 13/11/2018.

Desta última decisão pretenderam os Requeridos recorrer para a 3.ª Secção do Tribunal de Contas, recurso que foi objeto de um despacho de não admissão, datado de 10/12/2018, porquanto se entendeu, em suma, que “[…] a norma do artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC [Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas] estabelece que não é admissível recurso de decisões judiciais do Tribunal de Contas posteriores à sentença condenatória em processo de efetivação de responsabilidades financeiras, nomeadamente as relativas à respetiva execução”.

1.1.1. Os Requeridos reclamaram do despacho de não admissão do recurso de 10/12/2018 alegando, inter alia, que “[…] qualquer interpretação do artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC que exclua o direito de recurso inconstitucionaliza aquela disposição, por manifesta violação dos artigos 20.º e 210.º da CRP”.

O Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas, apreciando a reclamação por acórdão de 07/05/2019, desatendeu-a, mantendo a decisão de não admissão do recurso.

1.2. Os Requeridos interpuseram, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes:

“[…]

Sustentou-se e mantém-se que, no entender dos recorrentes, a não admissão do recurso em causa constitui uma restrição de direito, que a Constituição da República não consente.

O Juiz da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, não obstante estarem em causa medidas sancionatórias, com graves consequências para os recorrentes e contrariando todas as regras de garantias constitucionais, do acesso ao Direito e da maior amplitude na admissibilidade dos recursos, entendeu não ser admissível o recurso interposto.

Tal dever-se-á ao facto de o n.º 3 do artigo 96.º da LOPTC ter passado a falar em “sentença” e não já em “decisão final”.

Como é óbvio, a decisão final de toda e qualquer questão ou incidente, subsequente ao que se possa ter por sentença, constituirá, de per si, para efeitos de recurso, ela própria, também sentença.

Aliás, o artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do CPCivil admite recurso das decisões proferidas depois da decisão final, como não pode deixar de ser.

Ora, sendo o n.º 3 do artigo 96.º da LOPTC omisso quanto ao recurso das decisões subsequentes à sentença ou decisão final e quanto aos procedimentos executivos ou pré executivos, é óbvio que se tem de aplicar supletivamente o Código de Processo civil, ex vi do artigo 80.º da LOPTC, como muito bem sustenta o Senhor Conselheiro José Manuel Ferreira de Araújo Barros, no seu douto voto de vencido.

A este propósito, permitimo-nos reproduzir aqui o que, no respeitante ao direito de recurso, refere o Dr. António Cluny:

‘Quando se diz no n.º 3 do artigo 96.º da LOPTC que, no processo de responsabilidade financeira, só há recurso da decisão final, importa perceber exatamente do que estamos a falar.

Na verdade, isso não pode significar que nenhuma das decisões anteriores possa ser questionada.

Com efeito, muitas dessas decisões produzem efeitos diretos no sentido que a decisão final vem a assumir. Por esse motivo, o que o artigo pretende dizer é que elas só podem ser impugnadas aquando do recurso da decisão final e se esse recurso vier a ser interposto.

Por fim, por decisão final deve entender-se aquela que, em qualquer momento da lide, relativamente a uma das partes, põe fim ao processo que pode, aliás, nada ter a ver com aquela que afeta, diretamente, a parte que tem interesse em recorrer’.

Não se ignora que, na redação atual do n.º 3 do artigo 96.º da LOPTC, se fala em ‘sentença’, mas o certo é que se lhe retirou a expressão ‘final’.

Todavia, no n.º 5 do artigo 97.º da mesma Lei, continua a falar-se de “decisões finais” (e com certeza que o Ministério Público poderá recorrer de decisões absolutórias).

A ideia, aliás, do duplo grau de jurisdição, segundo o entendimento garantístico, mais conforme ao Estado de Direito Democrático, tem acolhimento constitucional desde a Revisão de 1997.

Isto significa que, qualquer interpretação do artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC que exclua o direito de recurso inconstitucionaliza aquela disposição, por manifesta violação dos artigos 20.º e 210.º da CRP, e, também, como se refere no douto voto de vencido, o Senhor Conselheiro José Manuel Ferreira de Araújo Barros, o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

Segundo Jorge Miranda, a Constituição hoje, pela conjugação daquelas disposições, consagra «um genérico direito de recorrer dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude».

O que não pode é haver exclusão do direito de recurso!

Em idêntico sentido veja-se Rita Serra que refere:

“Na sequência do que se disse anteriormente, foi com a Revisão Constitucional de 1997 que se passou a consagrar expressamente o direito de recorrer. Antes desta reforma, questionavam-se os limites ao recurso em matéria de facto. Por contraposição, temos hoje constitucionalmente garantido o direito a...

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