Acórdão nº 473/19 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução25 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 473/2019

Processo n.º 511/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora Recorrente) apresentou, junto dos serviços da Segurança Social de Viana do Castelo, um requerimento de proteção jurídica, tendo em vista a atribuição do benefício de apoio judiciário para “propor ação judicial – providência cautelar e ação cível de condenação”.

1.1. No âmbito do procedimento administrativo que correu termos nos serviços da Segurança Social de Viana do Castelo, foi o Requerente notificado para se pronunciar sobre a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.

O Requerente pronunciou-se no sentido de lhe ser concedido o referido benefício na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Após a audição do Requerente, os serviços da Segurança Social procederam a nova notificação, mantendo o projeto de decisão de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.

Não tendo sido manifestada pelo Requerente a vontade de beneficiar de apoio judiciário na modalidade projetada, foi o pedido indeferido por decisão administrativa de 18/10/2018.

1.1.1. Inconformado com tal decisão, o Requerente impugnou-a junto do Juízo Local Cível de Viana do Castelo. Da impugnação apresentada consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

13. Visto o que antecede, forçoso será concluir, por consequência, que está neste caso patente uma situação hipotética (ut infra) em que a pensão mensal relevante para efeitos de proteção jurídica, de €317,22, é equivalente a 74% – inferior, portanto, a 75%, ou ¾ – do Indexante de Apoios Sociais (ficado para o corrente ano fiscal em €428,90), pelo que, desde logo, a decisão recusando reconhecer que o Requerente não tem condições objetivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo judicial, id est: a decisão de indeferimento sub judice, releva da aplicação da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º-A da LAJ segundo uma dimensão hermenêutica materialmente inconstitucional, por ofensa aos princípios fundamentais do processo equitativo, da tutela jurisdicional efetiva e da legalidade. […]

14. Não pode, em todo o caso, descurar-se a ponderação de que os rendimentos que o requerente do apoio judiciário poderá e deverá manifestar na instrução do seu pedido são somente aqueles com que efetivamente conta no presente e contará para futuro, e não os hipotéticos, de natureza aleatória, que possa episodicamente perceber em prazo e de valor incertos: entendimento oposto a este relevará outrossim, necessariamente, da aplicação da norma do n.º 2 do citado artigo 8.º-A da LAJ – mais concretamente, do inciso «rendimento líquido completo» – segundo uma dimensão inconstitucional, pelas mesmas razões de fundo acima aduzidas.

[…]”.

1.1.2. A impugnação foi julgada improcedente por decisão de 21/11/2018, do Juízo Local Cível de Viana do Castelo. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Da análise dos preceitos acima invocados – e com aplicação ao caso que nos ocupa – retira-se que incumbe ao requerente do benefício a realização de uma concreta atividade probatória, tendente a demonstrar que a sua situação económica e pessoal se enquadra nos parâmetros definidos pelo legislador e permitem fundamentar a concessão do apoio judiciário.

Não incumbe ao Estado fazer prova que determinado cidadão não tem condições para suportar os encargos de uma concreta disputa judicial.

No nosso caso, incumbia ao requerente demonstrar que os rendimentos e encargos normais do seu agregado permitiriam fundamentar a concessão do apoio – e isto assim é porque é a lei que o diz, designadamente, no referido artigo 3.º, n.º 2, da citada Portaria.

Ora, com o requerimento de proteção jurídica foi junto apenas junto um documento (aviso de crédito de remunerações (pensão reforma) do BPI) respeitante a rendimentos do requerente. E, por isso, dos autos ressalta que a Segurança Social se socorreu de outros elementos documentais a que tem acesso e respeitantes à situação do recorrente.

Posteriormente, após a notificação da intenção da Segurança Social de indeferir o pedido, o requerente veio juntar documentos.

Finalmente, em sede de impugnação, juntou mais documentos. De salientar que não juntou cópia da última declaração de rendimentos para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), embora tenha juntado a nota de liquidação do IRS (fls. 60).

Resulta dos autos que os rendimentos do requerente foram calculados com base nos elementos disponíveis no sistema de informação da segurança social e do cruzamento de dados com a Administração Fiscal. O rendimento foi apurado com base no registo das pensões auferidas pelo recorrente (pensão do Centro Nacional de Pensões e pensão do BPI) e, ainda, com base no registo de rendimentos da categoria B auferidos pelo recorrente.

Na decisão salientou-se que, neste caso concreto, foram considerados os rendimentos auferidos pelo requerente – a pensão do CNP €341,14 x 14 meses, num total de €4.775,96, a pensão do BPI €303,33 x 14 meses, num total de €4.246,62 e os rendimentos de categoria B (€1.164,53). No total o recorrente auferiu €10.187,11. Foram deduzidos encargos com despesas básicas do agregado familiar de €2.933,89 e despesas com a habitação no valor de €2.108,73, foram, assim, feitas deduções ao rendimento do agregado familiar no valor de €5.042,62, sendo o rendimento relevante anual para efeitos de proteção jurídica de €5.144,49 e o rendimento mensal para efeitos de proteção jurídica de €428,71.

Ponderados todos os elementos documentais acedidos pela entidade administrativa e apresentados pelo recorrente, concluiu-se que o agregado familiar aqui em causa auferiu rendimentos líquidos globais que não lhe permitem beneficiar do apoio judiciário na modalidade pretendida, por não se encontrar em situação de insuficiência económica (contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não se comprovou que são auferidos rendimentos inferiores a três quartos do indexante dos apoios sociais – artigo 8.º-A, n.º 1, alínea a), da L.A.J.). Apenas poderia beneficiar de uma modalidade de pagamento faseado, proposta que não foi aceite. Realidade que até à data do indeferimento não foi documentalmente contraditada, sendo que é o recorrente quem tem o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito.

Desta forma, analisando-se as razões invocadas pelo requerente na impugnação deduzida, é forçoso concluir que não procedem, uma vez que as aludidas razões e os documentos juntos não afastam a conclusão da entidade administrativa, conclusão sustentada nos elementos documentais apresentados pelo requerente e nos elementos documentais disponíveis no sistema de informação da segurança social e do cruzamento de dados com a Administração Fiscal.

Incumbia ao requerente do benefício a realização de uma concreta atividade probatória, tendente a demonstrar que a sua situação económica e pessoal se enquadra nos parâmetros definidos pelo legislador e permitem fundamentar a concessão do apoio judiciário, o que não sucedeu.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.3. Notificado desta decisão, o Requerente pediu a respetiva reforma por nulidade, pretensão que viu indeferida por despacho de 25/02/2019, cuja fundamentação contém os seguintes trechos:

“[…]

Quanto à obscuridade, importa realçar que o Tribunal, com base em todos os elementos documentais constantes dos autos, apreciou se devia ou não manter a decisão administrativa que recusou ao recorrente o apoio judiciário na modalidade por si requerida, tendo-se aí sublinhado que incumbia ao requerente do pedido de concessão de proteção jurídica instruir devidamente o requerimento (artigos 1.º, 3.º a 5.º, 14.º e 15.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de dezembro). Mais se sublinhou que […].

A apreciação da situação de insuficiência económica é feita com base nos critérios previstos e estabelecidos na Lei.

Analisados os motivos ora aduzidos e em face do acima exposto, entende-se que não se verifica a ambiguidade ou a contradição apontada. Efetivamente, dos autos não ressalta que a Segurança Social não tenha efetuado os cálculos nos termos estabelecidos na lei, concretamente de acordo com o estabelecido nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto. Note-se que a Segurança Social teve em consideração um rendimento anual no valor de €10.187,11, sendo certo que o recorrente admite ter tido um rendimento anual (total líquido) de valor superior (€ 10.787,31) – fls. 33 dos autos (pelos cálculos do recorrente foi deduzido um valor de imposto sobre o rendimento um pouco superior ao valor de imposto liquidado e constante da nota de liquidação junta a fls. 47 e, ainda assim, resultou um rendimento total líquido superior ao considerado pela entidade administrativa).

Ora, os rendimentos globais líquidos auferidos pelo recorrente não lhe permitem, à luz das regras e dos critérios previstos e estabelecidos na Lei do Apoio Judiciário, beneficiar do apoio judiciário na modalidade pretendida. Apenas poderia beneficiar de uma modalidade de pagamento faseado, proposta que não foi aceite.

*

Quanto à omissão de pronúncia

Atenta a impugnação deduzida, cabia ao Tribunal analisar e apreciar se a decisão da Segurança Social devia ou não ser mantida. Tal análise e apreciação, implicou necessariamente a análise da situação económica do recorrente, com base em todos os elementos constantes dos autos, à luz do regime estabelecido na Lei do Apoio Judiciário.

A concessão da proteção jurídica depende da apreciação da insuficiência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT