Acórdão nº 504/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 504/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada pela sigla LTC), do «despacho notificado a 23/11/2018» – despacho proferido pelo Vice-Presidente do STJ em 22 de novembro de 2018 (fls. 91-92), o qual indeferiu o requerimento do ora recorrente de fls. 84/85 de reclamação contra o precedente despacho proferido pelo STJ em 6/11/2019 (fls. 77-78) no qual, por sua vez, se decidiu, além do mais (retificação de lapso na identificação de artigo do Código de Processo Penal), ser processualmente inadmissível o requerimento do arguido (de «reclamação para o plenário», a fls. 70-71) dirigido à anterior decisão do STJ de 19 de outubro de 2018 (cfr. fls. 63-66) que indeferira a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (cfr. 1, a fls. 77).

2. Na Decisão Sumária n.º 484/2019 (cfr. fls. 132-145) decidiu-se não conhecer do objeto do recurso quanto às oito alegadas questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas por não se encontrarem preenchidos os pressupostos, cumulativos, de que depende tal conhecimento – quer por falta de objeto normativo idóneo (3.ª, 4.ª, 5.ª e 7ª questões); quer por falta de objeto normativo e por não estar preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi (1.ª, 2.ª e 6.ª questões); e, ainda, por não verificação do pressuposto relativo à ratio decidendi e incumprimento do ónus de prévia suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa (8.ª questão). Assim se decidiu na Decisão Sumária ora reclamada (cfr. II – Fundamentação, n.º 4. E ss., em especial n.º 8):

«4. Mesmo tendo os recursos sido admitidos por despacho do tribunal a quo (cfr. fls. 127), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como sucede quanto ao presente recursos – depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto, in casu, o «despacho» proferido pelo Conselheiro Vice-Presidente do STJ «notificado ao recorrente em 23/11/2018» – despacho proferido em 22/11/2018.

7. Resulta dos autos que não se encontram preenchidos vários pressupostos, cumulativos, de que depende o conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

8. No requerimento de interposição de recurso, o recorrente identifica e enuncia oito alegadas «questões concretas de constitucionalidade» que pretende ver apreciadas por este Tribunal (cfr. fls. 117 a 119, 1.ª a 8.ª questões).

8.1 De entre as oito questões enunciadas a 3.ª, a 4.ª, a 5.ª e a 7.ª não configuram, manifestamente (qualquer que seja a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional) um objeto idóneo de recurso de constitucionalidade. Com efeito, o enunciado destas alegadas questões, além de não identificar qualquer específica norma passível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, manifesta tão só a discordância do recorrente quanto ao decidido nas instâncias – imputando o recorrente às próprias decisões das instâncias a violação de diversos preceitos constitucionais, considerando o recorrente «inconstitucional» o não conhecimento pelas instâncias do recurso por si interposto.

Ora, tais enunciados formulados pelo recorrente não se reconduzem, manifestamente, a uma verdadeira questão normativa de constitucionalidade, isto é, a uma questão que o Tribunal Constitucional deva conhecer, no âmbito de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, que se destina a sindicar normas (dimensões normativas) aplicadas na decisão recorrida como razão de decidir, mas não permite que se avalie tal decisão em si mesmo considerada.

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa.

Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria...

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