Acórdão nº 484/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 484/2019

Processo n.º 348/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., S.A. e B. e recorridos, entre outros, C., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 12 de fevereiro de 2019, através do qual foi decidido não receber os recursos de revista para aí interpostos, incluindo o interposto pelas ora recorrentes.

2. Através da Decisão Sumária n.º 393/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II. Fundamentação

4. Incidindo sobre o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12 de fevereiro de 2019, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cfr. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver especificamente associado.

Conforme se escreveu no Acórdão n.º 17/2017, «o que verdadeiramente interessa para a construção de um objeto idóneo de um recurso de fiscalização concreta (…) é que se questione “[…] um juízo que o juiz há de retirar [retirou] de uma norma (isto é, […] um critério heterónomo de decisão) de que [ele, juiz] é apenas o mediador”, e não “[…] um juízo que [o juiz] há de emitir [emitiu] segundo o seu próprio critério (para o qual o legislador devolve – na grande massa das situações, até porque não pode ser de outro modo – e no qual confia)” (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum…”, cit., p. 209, nota 12)».

5. Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, as recorrentes pretendem ver apreciada a constitucionalidade da «norma do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que o acórdão da Relação que revoga uma decisão da Primeira Instância de extinção da instância por deserção não aprecia uma decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual e não é, por isso, suscetível de recurso de revista».

O artigo 671.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil dispõe o seguinte:

Artigo 671.º

Decisões que comportam revista

1 – […]

2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) […]

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

[…]

De acordo com a fundamentação constante do acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o aresto proferido pelo Tribunal da Relação, do qual fora interposto recurso (também) pelos ora recorrentes, não era subsumível ao conceito legal de «acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual» e, com tal fundamento, concluiu pela inadmissibilidade da revista.

Ora, ao requererem que este Tribunal julgue inconstitucional a «norma do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que o acórdão da Relação que revoga uma decisão da Primeira Instância de extinção da instância por deserção não aprecia uma decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual e não é, por isso, suscetível de recurso de revista», os recorrentes pretendem, na verdade, que o mesmo se substitua ao Supremo Tribunal de Justiça na resposta à questão de saber se o acórdão concretamente recorrido é ou não subsumível à previsão constante do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, pretensão essa que não tem lugar no âmbito de um sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade de natureza estritamente normativa, como é aquele que se encontra acolhido no artigo 280.º, n.º 1, da Constituição.

Sob incidência do conceito funcional de norma, desde há muito assente na jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdão n.º 26/85), o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade visa o controlo dos atos que contenham uma «regra de conduta» para os particulares ou para a Administração, um «critério de decisão» para esta última ou para o juiz ou, em geral, um «padrão de valoração de comportamentos», emanado de um poder normativo público e detendo, por isso, natureza heterónoma (heteronomia normativa) (vide, por todos Acórdão n.º 508/99).

Não compreendendo o conceito funcional de norma os atos de pura aplicação, pelos Tribunais, de uma regra ou padrão valorativo pré-determinado (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 27), bem se vê não poder constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade a questão de saber se, ao considerar inverificados, em face da natureza e teor decisão concretamente recorrida, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça violou «a garantia constitucional de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição».

Apesar de reunir, no plano formal, as características de generalidade e abstração próprias dos enunciados normativos, a asserção sindicada pelos ora recorrentes é, no plano substancial, integrada exclusivamente pela chamada «norma do caso», isto é, pela «norma» que resulta da conjugação entre o conteúdo expresso nos «elementos estruturais» da norma aplicável e os factos relevantes do caso (cf. David Duarte, A norma de legalidade procedimental administrativa – a teoria da norma e a criação de normas de decisão na discricionariedade administrativa, Coimbra: Almedina, 2006, p. 190).

Vale a pena recordar o que a propósito se escreveu no Acórdão n.º 695/2016:

«Se por «norma» se entendesse qualquer «regra abstrata» identificada pelo recorrente na decisão recorrida, a distinção entre norma e decisão seria inviável. Com efeito, estando os tribunais vinculados ao dever de fundamentar expressamente as suas decisões, articulando para elas razões imparciais e objetivas, e sendo as razões, hoc sensu, critérios de decisão universalizáveis, na medida em que dizem sempre respeito a toda uma série de casos potenciais para os quais são válidas, não há decisão jurisdicional alguma que não seja suscetível de uma tradução normativa nos termos defendidos pelo recorrente — que tenha por fundamento, quer isto dizer, uma «norma do caso» ou ratio decidendi.

[…] Acresce que se o conceito de norma relevante para efeitos da delimitação do objeto idóneo dos recursos de constitucionalidade fosse aquele que está implícito nas alegações do recorrente, a viabilidade destes deixaria de se basear num pressuposto objetivo e controlável para ficar inteiramente dependente do maior ou menor engenho demonstrado pelo recorrente na redação do requerimento de interposição do recurso».

Em suma: ao pretenderem que seja julgada inconstitucional a «norma do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil, interpretada e aplicada no sentido de que o acórdão da Relação que revoga uma decisão da Primeira Instância de extinção da instância por deserção não aprecia uma decisão interlocutória que recaia unicamente sobre a relação processual e não é, por isso, suscetível de recurso de revista», os recorrentes enunciam uma questão de constitucionalidade que, no plano substantivo, não só não é diferente, como não é sequer diferenciável do problema de direito infraconstitucional apreciado e decidido pelo Tribunal a quo.

Uma vez que o Tribunal Constitucional um Tribunal de normas e...

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