Acórdão nº 501/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 501/2019

Processo n.º 129/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente a A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 12 de dezembro de 2018, que negou provimento ao recurso interposto de sentença em que se decidiu que a apresentação de um pedido de revisão do ato tributário, após o prazo de reclamação de 120 dias a que se refere o artigo 70.º do Código de Procedimento de Processo Tributário (adiante designado «CPPT»), não determina a suspensão do processo de execução fiscal prevista no n.º 1 do artigo 169.º do mesmo Código.

2. A ora recorrente requereu a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Admitido o recurso, foi proferido despacho com o seguinte teor:

«Nos presentes autos, a recorrente requer a apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 169.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), por violação dos princípios da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13.º da Constituição, e da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º, também da Constituição.

Porém, resulta da forma como a recorrente delimita a questão que não considera que a norma do n.º 1 do artigo 169.º do CPPT seja inconstitucional em toda a sua extensão. A inconstitucionalidade, tal como a concebe, decorre de a situação típica que se verifica nos autos não integrar o âmbito de aplicação daquele preceito, apesar de – entende – merecer tratamento idêntico, de acordo com os critérios constitucionais pertinentes. Por outras palavras, imputa defeito e não excesso ao legislador.

Desta forma, uma decisão deste Tribunal que viesse a conceder provimento ao presente recurso não poderia, simplesmente, julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT, o que excederia claramente o objeto do recurso e seria até incompatível com a sua razão de ser. Impõe-se, assim, a redução do objeto do recurso, fazendo-o corresponder ao sentido útil do mesmo e ratio decidendi do acórdão recorrido.

Pelo exposto, determino o prosseguimento dos presentes autos, com a produção de alegações, nos termos do artigo 79.º da LTC, circunscrito à norma do artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, na «interpretação segundo a qual o pedido de revisão do ato tributário, acompanhado de prestação de garantia, apresentado nos termos do artigo 78.º da LGT, para além do prazo normal de 120 dias previsto no artigo 70.º do CPPT, contados a partir dos factos do artigo 102.º do mesmo diploma, não suspende o processo de execução fiscal, nos termos e para os efeitos previstos no referido artigo 169.º, n.º 1.»

3. A recorrente produziu alegações, que concluiu do seguinte modo:

«1. Não há nenhuma distinção relevante entre o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação graciosa e o mesmo pedido apresentado para lá desse prazo. Isto, segundo a grelha de análise que aqui importa - ou seja, tendo em consideração os princípios que formam a razão de ser do enquadramento do pedido de revisão no n.º 1 do artigo 169º do CPPT.

3. Se se queria evitar aquela dualidade de efeitos relativamente a meios legais com a mesma razão de ser (o pedido de revisão e a reclamação graciosa, nomeadamente), em nome dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, então o pedido de revisão oficiosa também deveria ser considerado dentro do âmbito daquele dispositivo.

3. Com efeito, a lei, devidamente explicada e densificada pela doutrina e pela jurisprudência, trata este pedido como um expediente normal, próprio, típico e principal de contestação da legalidade de atos tributários, tanto quanto o pedido de revisão dentro do prazo de reclamação administrativa.

4. A doutrina em que nos vimos apoiando, assim como a Sentença recorrida, diz que, do ponto de vista da natureza, da função e dos efeitos, as duas versões do pedido de revisão de atos tributários são iguais, uma vez que a razão material de ser, de uma e de outra, é exatamente a mesma

5. É por isso que, segundo a doutrina e a jurisprudência, em ambas as versões do pedido de revisão os contribuintes podem contestar os atos com base em matéria de facto ou de direito. É por isso que em ambas as versões o erro de direito ou de facto se presume imputável aos serviços da AT. É por isso que em ambas versões o indeferimento expresso ou tácito abre a via da impugnação contenciosa.

6. Dúvidas não restam de que, na ausência do pedido de revisão da letra do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, o seu conteúdo, devidamente integrado, teria de prever quer o pedido de revisão apresentado dentro prazo de “reclamação administrativa” quer o pedido deduzido para lá desse prazo, porque, à luz das razões de justiça material que recomendam a inclusão do primeiro, não é legitimamente possível deixar de fora o segundo, relativamente ao qual se aplicam as mesmas razões de justiça material.

7. E não se diga que a inclusão do primeiro tem arrimo na letra da lei (que fala em “reclamação administrativa”) e que o princípio da interpretação segundo o qual não se pode fazer uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência na letra da lei recomendava a abertura da norma apenas ao pedido feito dentro do prazo de “reclamação administrativa”.

8. É que, em primeiro lugar, o pedido de revisão também não é uma reclamação administrativa: a sua inclusão no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 169º do CPPT não decorre de uma interpretação sobre o seu respaldo literal, mas sim de um raciocínio de equiparação à natureza, função e efeitos da reclamação graciosa, com base nos princípios da igualdade no acesso ao direito, conjugado com o da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos (se o pedido de revisão é a mesma coisa que a reclamação graciosa, então se for apresentado no mesmo prazo pode suspender a execução). Daí que não haja qualquer razão para afastar da previsão da norma o pedido de revisão deduzido em momento posterior ao fim do prazo de reclamação graciosa: este, quanto à sua natureza, função e efeitos, também já é equiparado à reclamação graciosa.

9. De resto, em segundo lugar, obviamente que aquele princípio de interpretação da lei, por muito relevante que seja, não se pode sobrepor aos princípios constitucionais de primeiríssima importância que aqui em jogo.

10. Nestes termos, o n.º 1 do artigo 169º do CPPT é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, na dimensão de igualdade no acesso ao direito, consagrado no artigo 13º da CRP, e da tutela jurisdicional efetiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da CRP.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 169º do CPPT, na sua específica dimensão aqui em apreço.»

4. Apesar de notificada para esse efeito, a recorrida não apresentou contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

5. Constitui objeto do presente recurso o artigo 169.º, n.º 1, do CPPT (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro), na interpretação segundo a qual o pedido de revisão do ato tributário, apresentado pelo sujeito passivo nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (adiante designada «LGT»), após o prazo de reclamação administrativa de 120 dias (a que se refere o artigo 70.º do CPPT), não suspende o processo de execução fiscal.

Alega a recorrente, em síntese, que esta interpretação viola o princípio da igualdade, o direito fundamental de acesso à justiça e o direito a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, respetivamente consagrados nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.

Vejamos.

6. O incumprimento do dever fundamental de pagar os impostos criados «nos termos da Constituição» e liquidados em conformidade com o direito aplicável (n.os 2 e 3 do artigo 103.º da Constituição) não pode deixar de expor os devedores à possibilidade de cobrança mediante processo de execução fiscal (regulado nos artigos 148.º e seguintes do CPPT). A modelação deste processo deve, por sua vez, lograr o equilíbrio entre a eficácia, exigida pelo interesse público na obtenção das receitas necessárias à satisfação das necessidades coletivas e à prossecução dos demais objetivos visados pelo sistema fiscal, e a equidade, imposta pela necessidade de garantir a juridicidade da liquidação, a justiça do processo de cobrança e a tutela efetiva dos direitos fundamentais do executado (v. o Acórdão n.º 349/2018).

Neste equilíbrio, a suspensão do processo de execução fiscal na pendência de controvérsia a respeito da legalidade da dívida exequenda desempenha um papel de evidente relevância. Assim, prescreve o artigo 52.º da LGT que, «[a] cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de (...) reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda» (n.º 1), desde que seja prestada garantia idónea (n.º 2) ou que o executado seja dispensado de a prestar (n.os 4 e 5). Por sua vez, o n.º 1 do artigo 169.º do CPPT prevê o seguinte:

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