Acórdão nº 500/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 500/2019

Processo n.º 1150/2017

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda., e recorridos B. e C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 11 de julho de 2017.

2. Por acórdão proferido em 8 de março de 2016, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de revista excecional interposto pela recorrente no âmbito de ação cível. Em 17 de maio de 2016, o mesmo Tribunal proferiu novo acórdão, indeferindo a arguição de nulidades imputadas ao precedente aresto.

Em 12 de julho de 2016 a recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência. Por despacho singular do relator no Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22 de novembro de 2016, foi indeferido o requerimento de interposição de recurso, com fundamento em extemporaneidade.

Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, invocando uma certidão emitida pela secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, destinada à instrução de um outro processo, do foro criminal, em que se declarava que o acórdão de 17 de maio havia transitado em julgado em 7 de junho de 2016.

O Supremo Tribunal de Justiça, embora reconhecendo a existência da certidão emitida pela secretaria e o lapso na indicação da data em que o acórdão havia transitado em julgado, manteve a decisão de não admitir o recurso, pelas razões que se transcrevem:

«(…) [T]endo em 20-05-2016 sido expedida a notificação dirigida à recorrente do último acórdão proferido e tendo-se de presumir a sua notificação em 23-05-2016, a mesma não poderia desconhecer que a data do trânsito em julgado do acórdão seria em 02-06-2016. Isto porque este pressuposto resulta da lei, designadamente dos arts. 628.º e 638.º n.º 1 do C.P.Civil. Face aos ditos elementos competia-lhe controlar e verificar a data do trânsito do acórdão, até porque pretendia recorrer para uniformização de jurisprudência e o art. 689.º n.º 1 é perentório no sentido de que “o recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido(sublinhado nosso).

Evidentemente que um lapso cometido numa certidão judicial é irrelevante no sentido de alterar a data do trânsito em julgado de um acórdão. Este trânsito resulta dos pressupostos legais evidenciados no despacho do relator.

Não se desconhece que o art. 157º n.º 6 do mesmo Código estabelece que “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”, mas, como nos parece bom de ver, os atos a que refere o dispositivo são ações praticadas no próprio processo com relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais e não, como no caso, numa ação exterior a esse processamento. Se por exemplo numa certidão, por evidente erro, se menciona o trânsito em julgado da sentença com um ano de diferença, não pode a parte com base nessa incorreção considerar (e defender) que o trânsito do aresto se verificou um ano depois, como erroneamente afirma a certidão.»

3. Foi então interposto o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade de diversas normas extraídas dos artigos 628.º e 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil. Analisado o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, foi proferida pela então Relatora, ao abrigo do artigo 78.º-A da LTC, a Decisão Sumária n.º 13/2019, em que se decidiu não conhecer três das quatro questões que integravam o objeto do recurso.

A recorrente foi ainda notificada para apresentar alegações acerca da constitucionalidade da interpretação do n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, «conducente ao sentido de que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria que não podem prejudicar as partes, nos termos de tal normativo, correspondem apenas aos atos praticados no próprio processo que detenham relevância no desenvolvimento normal dos seus termos processuais, com exclusão dos atos exteriores a esse processamento».

4. A recorrente produziu alegações, que concluiu nos seguintes termos:

« 1) Vem o presente recurso interposto do acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 11.07.2017, que indeferiu a reclamação do despacho singular do Sr. Juiz Relator que não admitiu o requerimento de interposição de recurso de uniformização de jurisprudência, alegadamente por extemporaneidade;

2) No presente recurso foi admitida como questão a fiscalização da constitucionalidade material da norma do art.º 157º nº 6 do CPC, quando interpretada no sentido de que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria que não podem prejudicar as partes, nos termos de tal normativo, correspondem apenas aos atos praticados no próprio processo que detenham relevância no desenvolvimento dos seus termos processuais, com exclusão dos atos exteriores a esse processamento.

3) Tal interpretação viola os artigos 2º, 18.º n.º 2, 20.º, 22.º, 202º, 203º, 266.º n.º 2 e 268º n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa,

4) E, por inerência, viola os princípios constitucionais do direito à tutela jurisdicional, da proteção da confiança e das legítimas expectativas dos particulares e da boa fé (art.º 266.º nº2 da CRP) na vertente da confiança e certeza jurídicas que os documentos emitidos pelos serviços públicos investem, em geral, os cidadãos e, em particular, os mandatários judiciais;

5) A interpretação normativa do art.º 157.º n.º 6, nos termos da decisão recorrida, também viola o princípio da proporcionalidade, razoabilidade e adequação (parte final do n.º 2 do art.º 18.º da CRP), sendo desproporcional a perda do direito ao recurso como consequência do erro da data do trânsito em julgado, cometido na certidão judicial, tanto mais que o recurso de uniformização de jurisprudência visa o interesse público da melhor aplicação do direito, estando em causa, no recurso sub iudice, a controversa autoridade de caso julgado, em concreto, incidindo sobre contratos jurídicos diferentes, sendo certo que tal figura nem sequer está expressamente prevista na lei, conforme reconheceu o Acórdão da Formação de Juízes que admitiu a revista excecional;

6) É ainda inconstitucional a interpretação da decisão recorrida dada a violação do princípio da responsabilidade das entidades públicas, na vertente da responsabilidade dos tribunais pelas informações prestadas aos cidadãos (art.º 22.º da CRP),

7) O art.º 157.º n.º 6 do CPC não comporta qualquer critério de exclusão, pelo que interpretá-lo no sentido de o seu regime não abranger os erros cometidos em certidões judiciais é inconstitucional por violação do princípio da legalidade e da subordinação dos tribunais à lei (art.º 266º n.º 2 da CRP), sendo que a interpretação da lei, por estes, não pode ir contra o espírito e a letra da mesma (vide art.º 9.º do C.C.)

8) Da letra do normativo em questão, o legislador não distinguiu, nem o tipo de erros e omissões da secretaria judicial, nem o tipo de prejuízos, nem o tipo de atos e/ou situações a que se destinam, pelo que não cabe ao intérprete distinguir.

9) A doutrina e jurisprudência uniforme e constante têm...

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