Acórdão nº 490/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 490/2019

Processo n.º 524/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos de Tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente a sociedade A., S.A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da decisão daquele Tribunal, de 23 de abril de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 458/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

A recorrente articula nos termos seguintes o objeto do presente recurso: «Os limites estabelecidos à Inspeção Tributária pelo Princípio Legal da Proporcionalidade consagrado no pelo n.º 4 do art. 63.º da LGT e no artigo 7.º do RCPIT violam o Princípio Constitucional da Proporcionalidade, se e na medida em que: a) Da interpretação do n.º 4 do art. 63.º da LGT decorra a possibilidade de sucessão e repetição de inspeções tributárias em períodos fiscais sucessivos relativamente a uma atividade de natureza continuada, portanto, cujos factos em substância têm a mesma natureza económica e, por isso, a mesma relevância fiscal, em termos de se considerar legal a realização de uma inspeção tributária tendo por objeto um dado ano fiscal, em momento em que já decorreram (vários) outros anos fiscais até ao momento da inspeção, sucedendo-se novas inspeções fiscais à dita factualidade continuada em anos sucessivos, resultando de cada uma a liquidação adicional de impostos e o ónus de impugnação sucessiva por parte do sujeito passivo, permitindo à Autoridade Tributária adequar os termos das renovadas inspeções aos termos da defesa apresentada pelo sujeito passivo em cada processo de impugnação»

Por outras palavras, a recorrente considera que o concreto procedimento adotado pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira – traduzido, em suma, na reiteração da realização de sucessivas inspeções tributárias relativas a uma atividade com a mesma natureza económica e de execução continuada, implicando sucessivas impugnações de liquidações adicionais de imposto a pagar – violou o princípio constitucional da proporcionalidade. Violação essa que o Tribunal a quo considerou não existir, por os períodos inspecionados em causa serem diversos e inexistir qualquer relação de dependência entre os processos impugnatórios instaurados e os factos tributários objeto de novas averiguações inspetivas.

Tal forma de colocar a questão demonstra que aquilo que a recorrente pretende é sindicar a própria decisão judicial, na parte em que aprecia a arguida violação do princípio da proporcionalidade decorrente da atuação inspetiva da Autoridade Tributária e Aduaneira, imputando-lhe – e não a qualquer norma pela mesma aplicada – a violação dos preceitos constitucionais que identifica. O próprio enunciado respeitante ao artigo 63.º, n.º 4, da LGT, em que a recorrente incorpora elementos do caso concreto, bem como a invocação do artigo 7.º do RCPIT e do artigo 46.º do CPPT, que consagram o princípio da proporcionalidade na atividade procedimental da Autoridade Tributária e Aduaneira, é reveladora da real pretensão subjacente ao presente recurso, qual seja a de sindicar a conformidade legal e constitucional da atividade administrativa e da decisão judicial recorrida.

5. A recorrente pretende também a apreciação da constitucionalidade da «interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 38.º da LGT, em termos de admitir a aplicação do regime da “cláusula geral anti abuso” aí consagrada, consubstanciada no efeito de ineficácia no âmbito tributário de atos ou negócios jurídicos com os efeitos de conferir prerrogativas de tributação, em consequência de requalificação dos atos ou negócios jurídicos pela Autoridade Tributária, quando os atos ou negócios jurídicos são realizados no âmbito situações comprovadas como sendo “relações especiais”, para as quais a lei consagre um regime especial anti abuso, portanto, quando exista norma que consagre cláusula especial anti abuso, na medida em que existe uma relação de especialidade ou de consumpção que impede a aplicação do regime do citado n.º 2 do art. 36.º da LGT».

Porém, também neste caso o recurso não tem natureza normativa e, como tal, não pode ser admitido. A forma como a recorrente equaciona a questão revela que esta diz respeito ao regime aplicável à situação dos autos. Em substância, a recorrente entende que a norma do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, não tem aplicação no caso concreto. Independentemente do acerto da sua posição, a questão que coloca não é de inconstitucionalidade normativa. Na verdade, a recorrente não aponta qualquer inconstitucionalidade à norma em causa, apenas considerando que a mesma não deve ser aplicada ao caso vertente, por existir norma especial que sobre a mesma prevalece.

Ora, a determinação do direito ordinário aplicável é matéria que extravasa os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional. Assim é porque a jurisdição constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem respeito à interpretação de uma lei diferente das outras — a lei constitucional — e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.

6. A recorrente suscita ainda outra questão de constitucionalidade a respeito do artigo 38.º, n.º 2, da LGT. É ela a seguinte: «a interpretação e aplicação do n.º 2 do art. 38.º da LGT, em termos de admitir a aplicação do supramencionado, regime da “cláusula geral anti abuso” fundado em “factos indiciários suficientes da existência de relações especiais” ou de outras relações ou situações que possam ser subsumidas nos pressupostos de aplicação desse regime, na medida em que são exigências constitucionais de segurança jurídica e legalidade que exista prova fundamentada e não meros “factos indiciários suficientes”».

Está em causa o preenchimento dos pressupostos da aplicação da cláusula anti abuso. Trata-se, mais uma vez, de matéria excluída dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional no âmbito dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, os quais incidem exclusivamente sobre normas. Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.

Em conclusão, o objeto do presente recurso carece de idoneidade. Tal obsta ao conhecimento do mesmo, justificando-se, por conseguinte, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»

3. Da Decisão Sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que fez nos seguintes termos:

«A A., S.A., melhor identificado nos autos supra referenciados, notificada da mui douta Decisão Sumária n.º 458/2019, proferida pelo Exmo.º Senhor Juiz Conselheiro Relator, nos termos dos ns.º 1 e 2 do artigo 78.º da L TC, de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do art. 280.º da Constituição da República Portuguesa e da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da L TC, e de condenação em custas,

vem, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78.º-A da L TC, apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL,

Nos seguintes termos e com os...

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