Acórdão nº 510/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 510/2019

Processo n.º 64/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., notificada da Decisão Sumária n.º 168/2019, que não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade por aquela interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

Conforme relatado na decisão ora reclamada, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, datado de 6 de novembro de 2018, que, negando a revista, confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que havia julgado improcedente o pedido de impugnação de paternidade presumida, intentado pela autora, ora reclamante, contra B. (cf. fls. 502 a 525).

Deste acórdão a ora reclamante interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária reclamada:

«3. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: (i) ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); (ii) tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; (iii) a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (cf., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).

Faltando um destes requisitos cumulativos, este Tribunal não pode conhecer do recurso.

4. Vejamos, pois.

Em primeiro lugar, importa notar que a circunstância de o recurso ter sido admitido não vincula este Tribunal Constitucional quanto ao juízo de admissibilidade do recurso, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 76.º da LTC.

Em segundo lugar, é manifesto que, pelo menos, o requisito que demanda a suscitação, prévia e processualmente adequada, de uma questão de constitucionalidade normativa não se mostra observado.

O ónus de suscitação, prévia e processualmente adequada, de uma questão de constitucionalidade normativa acarreta, para o recorrente constitucional, a necessidade de formular uma questão de constitucionalidade normativa de forma expressa, direta, clara e percetível, de modo a criar para o Tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.

Nos casos semelhantes ao caso dos autos, em que a Recorrente questiona uma determinada interpretação normativa, compete-lhe ainda empreender a delimitação da dimensão normativa questionada de forma a que caso venha a ser julgada desconforme com a Lei Fundamental, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido, com vocação de abstração e potencial de aplicação genérica, «com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, afrontar a Constituição.

Cotejadas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, pode ler-se:

«II. Ao negar o direito da Júlia à verdade da sua ascendência, o acórdão recorrido viola o disposto nos art.ºs 68.º, n.º 1, al. e) e art. 1.º da CRP;

JJ. O acórdão recorrido omite todo o regime legal aplicável por força da Lei da PMA. Negando a Justiça que ao caso concreto é devida (art. 20.º CRP);

KK. A Júlia tem direito à sua historicidade pessoal, identidade genética e à proteção na saúde que só a verdade pode trazer (art. 26.º, n.º 1 e 3 da CRP);

LL. Ao ignorar a identidade genética Da Júlia, a violação do seu direito a conhecer (nos casos definido na Lei) a sua historicidade e hereditariedade a troco de uma parentalidade que falta à verdade, feita de falsas declarações, o Tribunal a quo violou o art. 67.º, n.º 2, alínea e) e no art. 1.º da CRP.

MM) O acórdão recorrido fez incorreta aplicação do direito e violou o disposto nos artigos (…) e art. 1.º, 20.º, 26.º, 36.º e 67.º da C.R.P. (…)»».

A sobredita suscitação não observou, como resulta evidente da transcrição acima citada, o aludido ónus de suscitação processual adequada de uma questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, a Recorrente dirige a censura à decisão propriamente dita, não curando de destacar e autonomizar o padrão normativo adotado na decisão que considera contrário da Constituição. É que, não pode considerar-se como suscitada, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa, que se estriba na invocação da aplicabilidade direta de uma norma da Constituição, reclamando-se que a mesma demanda um desfecho diferente, dado que, nestas circunstâncias, a alegada desarmonia inconstitucional é imputada à decisão judicial propriamente e aos raciocínios lógico-dedutivos realizados pelo Tribunal a quo, o que retira normatividade à questão de constitucionalidade invocada e obsta, por força do arquétipo português (que não prevê a figura do recurso de amparo), à intervenção deste Tribunal Constitucional.

A forma como a questão foi suscitada confunde-se com questões de exegese do direito infraconstitucional e este Tribunal não tem poderes para corrigir erros de direito ou para proferir juízos de inconstitucionalidade sobre interpretações do direito ordinário, de natureza casuística, ainda que estas sejam incoerentes ou arrevesadas.

5. No requerimento de recurso da recorrente foram colocadas duas pretensas questões de constitucionalidade:

I - «Assim, pede-se que seja julgado inconstitucional, por violação do direito à justa composição do litígio e à tutela jurisdicional dos direitos, consagrado nos arts. 20.º e 280.º da CRP e dos princípios da Justiça e da tutela da confiança, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático estabelecido no art. 20.º da CRP, a norma do art. 596.º n.º 1 do CPC, na interpretação de que a fixação dos temas de prova pelo Tribunal não exclui que se produza prova totalmente alheia aos temas fixados, desde que alegados por A. ou R. nos articulados» (ponto 18 do requerimento de recurso).

II - «Assim, importa apurar e verificar a inconstitucionalidade do art. 20.º n.º 1 na interpretação de que - se torna inútil o consentimento informado do marido da mãe para poder ser estabelecida a paternidade daquele relativamente a criança nascida sem o seu consentimento informado - nomeadamente por violação do disposto nos arts. 1.º, 36.º, 67.º n.º 2 al. e) e 20. º da CRP que consubstanciam os princípios constitucionais do direito à dignidade da pessoa, à constituição de Família, do livre desenvolvimento de personalidade e da tutela jurisdicional dos Direitos Fundamentais» (ponto 45 do requerimento do recurso). «Há-de ser declarado inconstitucional o art. 20.º n.º 1 da LPMA na interpretação de que o vínculo de paternidade de criança nascida por recurso a...

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