Acórdão nº 515/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 515/2019

Processo n.º 510/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., notificado da Decisão Sumária n.º 415/2019, que, por inidoneidade do objeto e ilegitimidade do recorrente, não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade por aquele interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

Conforme relatado na decisão ora reclamada, o reclamante, recorrente nos presentes autos, em que são recorridos B., C. e Massa Insolvente da D., S. A., interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora da decisão que absolveu da instância a ré massa insolvente, bem como os primeiros réus, quanto ao pedido de pagamento da quantia de €13.092,01 e das demais peticionadas com ela conexas, absolveu os primeiros réus do pedido de condenação no pagamento da quantia de €586,89 e condenou o autor, ora recorrente, como litigante de má fé, na multa de 5 UC’s e na indemnização aos réus no valor de €400,00.

O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 26 de abril de 2018, julgou improcedente a apelação e manteve a decisão recorrida.

Deste acórdão o autor, ora reclamante, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por despacho do desembargador relator de 3 de setembro de 2018.

Inconformado, o autor reclamou para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil. Por decisão de 13 de novembro de 2018, a reclamação foi admitida, tendo-se decidido revogar o despacho reclamado e admitir o recurso, embora apenas quanto ao segmento do respetivo objeto referente ao decidido pela Relação sobre a questão da não realização da audiência prévia, bem como, nos termos do artigo 615.º, n.º 4, do citado Código quanto à pronúncia sobre as nulidades imputadas ao acórdão recorrido e sobre a arguida inconstitucionalidade. Nessa sequência, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19 de dezembro de 2018, decidiu negar revista e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Irresignado, o autor reclamou deste acórdão. Contudo, por acórdão de 19 de fevereiro de 2019, o Supremo Tribuna de Justiça indeferiu a reclamação.

Deste último acórdão interpôs então o ora reclamante o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«5. Tendo em atenção o que consta do requerimento de interposição de recurso, verifica-se que o mesmo tem por objeto as seguintes questões:

i. A «inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 542.º, n.º 2, al. a), 543.º, n.º 1, al. b) e 671.º, n.ºs 1 e 3 todos do CPC e do artigo 10.º, n.º 1, d), da lei 34/2004 de 29/7 […] interpretad[as] e aplicad[as] no sentido de possibilitarem o cancelamento da proteção jurídica do reclamante na sequência de decisão da Relação de Évora que confirmou a condenação por litigância de má fé com multa de 5 UC's e indemnização aos réus de 400,00€, apesar de a realização de audiência prévia ter sido ilegalmente dispensada e de o recorrente ter manifestado a sua oposição a tal dispensa, ter alegado factos relevantes para a apreciação e decisão sobre a exceção de caso julgado deduzida sem verificação da verdade material inequívoca e indispensável e de ter requerido diligências de prova que incidem sobre esses factos, mais se entendendo que existe uma situação de dupla conforme em relação à decisão de cancelamento da proteção jurídica ao reclamante, incindível da decisão de confirmação da condenação por litigância em má fé»;

ii. A «inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 195.º n.º 1 in fine e 638.º, n.º 1 do CPC com o sentido que vem aplicado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido nestes autos em 26.04.2018, por vir interpretado e aplicado no sentido de que apesar de a realização de audiência prévia ter sido ilegalmente dispensada e de o recorrente ter manifestado a sua oposição a tal dispensa, ter alegado factos relevantes para a apreciação e decisão sobre as exceções deduzidas e de ter requerido diligências de prova que incidem sobre esses factos, ainda assim, a omissão de tal diligência não pode influir na decisão da causa, levando à prolação de decisão imediata de mérito»;

iii. A «inconstitucionalidade das normas vertidas nos artigos 607.º, n.º 4, 640.º, 662.º e 671.º, n.º 1 e 3 todos do CPC, […] interpretados e aplicados no sentido de permitirem o não julgamento da matéria de facto impugnada para ampliação, sem se considerarem as várias soluções plausíveis as questões de direito em jogo que é possível extrair à luz dos mesmos».

6. In casu, e no que respeita às três questões de constitucionalidade acima enunciadas, o objeto do recurso prende-se exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da decisão que o recorrente visa impugnar, sendo por isso inidóneo, razão pela qual não se pode tomar conhecimento do respetivo mérito.

Com efeito, não obstante o recorrente ter reportado as referidas questões a três diferentes interpretações, supostamente extraídas dos mencionados preceitos legais, o que está em causa, verdadeiramente, nas questões que coloca, é sindicar a decisão do caso concreto – designadamente no que respeita à forma como as aludidas normas foram interpretadas e aplicadas, no caso dos autos, com as suas especificidades – e não um qualquer critério normativo de decisão aplicado, autonomamente, pelo tribunal a quo.

Na verdade, não é condição suficiente da idoneidade do objeto do recurso «que a parte tenha, de um ponto de vista formal, equacionado uma questão de inconstitucionalidade de “normas” (não se limitando a impugnar diretamente a constitucionalidade de decisões judiciais e indicando ou especificando o sentido ou interpretação com que considera ter sido tomado e aplicado o preceito alegadamente violador da Constituição), já que – como advertem, quer a doutrina (Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, pág. 347), quer a jurisprudência (cf. os Acórdãos n.ºs 196/91, e 551/01) –, importa prevenir os casos de “abuso” ou “ficção” do conceito de “interpretação normativa”, apenas com o objetivo de forjar artificialmente uma “norma” sindicável pelo Tribunal Constitucional» (v. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 34).

Ora, no presente caso, quer pelo que fez constar do requerimento de interposição de recurso, quer pela forma como foram suscitadas as aludidas questões, resulta que as referidas inconstitucionalidades são dirigidas, conforme se disse, à própria decisão, sendo por isso evidente a inidoneidade do objeto do recurso.

6.1. No que respeita à primeira questão de constitucionalidade, para além de os preceitos legais em causa não apresentarem um teor semântico que possa, diretamente, servir de base ao enunciado que o recorrente pretende submeter a fiscalização, acresce a circunstância de, na própria formulação da questão de constitucionalidade, o recorrente destacar diversas particularidades do caso concreto, reportando-as a uma suposta interpretação de um conjunto de normas, pretendendo questionar que, nas circunstâncias concretas por si descritas (e que, em seu entender, ocorreram in casu), seja possível o cancelamento da proteção jurídica. E são tais particularidades do caso concreto que, no entender do recorrente, justificam as suas objeções ao mérito da decisão do tribunal a quo. Tal é demonstrativo de que, sob a aparência da enunciação de uma questão de constitucionalidade, o recorrente visa impugnar, em rigor, a decisão concreta e não uma qualquer dimensão normativa aplicada pelo tribunal a quo enquanto critério de decisão.

6.2. Identicamente, quanto à segunda questão de constitucionalidade, pela forma como a mesma está enunciada – isto é, pela circunstância de os preceitos indicados não apresentarem um teor semântico que possa, diretamente, servir de base ao enunciado questionado e pelo facto de na formulação da questão de constitucionalidade serem destacadas as particularidades do caso concreto – resulta que o recorrente pretende questionar a subsunção das circunstâncias do caso, por si descritas, à previsão dos preceitos legais que refere. Mais concretamente, pretende questionar se apesar de, na sua perspetiva, «a realização de audiência prévia ter sido ilegalmente dispensada e de o recorrente ter manifestado a sua oposição a tal dispensa, ter alegado factos relevantes para a apreciação e decisão sobre as exceções deduzidas e de ter requerido diligências de prova que incidem sobre esses factos, ainda assim, a omissão de tal diligência não pode influir na decisão da causa, levando à prolação de decisão imediata de mérito». Isto é, pretende que se aprecie se, em tais circunstâncias específicas, se verifica a previsão do artigo 195.º, n.º 1, in fine.

Ou seja, o propósito do recorrente é questionar o modo como, no caso concreto, terão sido aplicados – na sua perspetiva, erradamente – os aludidos preceitos legais, e não um qualquer critério normativo, extraído dos mesmos e autonomamente aplicado pelo tribunal a quo.

6.3. Finalmente, também com a terceira questão de constitucionalidade, o recorrente visa também questionar a aplicação dos preceitos que menciona às circunstâncias concretas do caso, na medida em que, na sua perspetiva, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2018, que confirmou o acórdão da Relação de Évora, coartou o seu...

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