Acórdão nº 518/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 518/2019

Processo n.º 689/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., notificado da Decisão Sumária n.º 538/2019, que determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade por si interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), alegando, no que ora releva, o seguinte (cf. fls. 318-324):

«A Decisão Sumária justifica a rejeição do conhecimento substantiva da pretensão do ora reclamante, argumentando que não se verificam os requisitos de natureza normativa atinentes ao objeto do recurso (inidoneidade).

Todavia, salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, como de seguida iremos expor mais detalhadamente.

Ademais, as questões que enunciámos, para além de preencherem os requisitos processuais de admissibilidade, como de seguida se irá escalpelizar, são essenciais e de grande relevância pois prendem-se com Valores Fundamentais, com a Liberdade das Pessoas e com os Direitos Fundamentais, mormente dos Presos, cidadãos que se encontram numa posição de particular fragilidade e vulnerabilidade, com especial premência e enfoque nas exigíveis garantias – que não podem ser esmagadas – a um processo justo e equitativo, como imposição da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu Art. 6.º […].

Ancora-se [a decisão ora reclamada] na circunstância do recorrente ter atribuindo às disposições legais que selecionou como suporte de tais questões – os artigos 61.º, nº 2, alíneas a) e b) e 62.º, ambos do Código Penal – enunciados interpretativos nos quais não é possível identificar critérios normativos dotados da necessária generalidade e abstração, não se traduzindo, em rigor, em sentidos suscetíveis de ser interpretativamente extraídos de tais preceitos legais.

Todavia, afigura-se-nos que analisadas individualmente cada uma das inconstitucionalidades formuladas a conclusão que se impõe é diametralmente oposta, com o devido respeito, pois as inconstitucionalidades formuladas têm caráter de generalização suscetíveis de serem aplicadas numa plêiade de decisões.

E contrariamente à argumentação expendida, a construção das interpretações apresentadas no requerimento de interposição do recurso não assenta numa visão subjetiva do recorrente relativamente ao juízo subsuntivo da decisão jurisdicional de que se recorre, bem como da sua avaliação dos elementos elo caso concreto, mas outrossim em critérios normativos objetivos (expurgadas as particularidades do caso sub judice) suscetíveis de que serem extraídos da decisão do TEP.

Se atentarmos na formulação das inconstitucionalidades convocadas, encontramos critérios normativos abstratos, suscetíveis de serem aplicados genericamente a qualquer processo e não apenas a este em concreto.

Ora, se os segmentos de interpretação normativa formulados, que constituíram a ratio decidendi, abstraem do caso concreto, sendo notoriamente suscetíveis de ser aplicados a outros casos, não se pode aceitar, salvo o devido respeito, que é muito, o indeferimento sumário da sua pretensão.

E não se diga que as interpretações normativas foram “forjadas” pelo recorrente porquanto, o tribunal recorrido interpretou efetivamente as normas no sentido apontado pelo recorrente e, se é certo que pode não ter feito explicitamente, sempre se diga que o fez implicitamente, como facilmente se perceciona e resulta vítreo da análise da decisão, constituindo as normas enunciadas o derradeiro critério decisório (ratio decidendum).

Aquilo que se pretende não é, de todo, por parte do Venerando Tribunal Constitucional uma (re)apreciação do caso concreto, mas outrossim uma declaração de inconstitucionalidade das interpretações normativas do art. 61º nº 2 sufragadas pelo TEP no atinente aos requisitos de prevenção especial e geral que importam à concessão da liberdade condicional, neste ou em qualquer outro caso, dotadas de suficiente abstração, que viabiliza a sua aplicabilidade a qualquer caso.

Assim, a pretensão do recorrente dirige-se a um critério normativo e não à sindicância da própria decisão jurisdicional.

Tal apreciação, não contende com o mérito da decisão, nem com a ponderação própria e irrepetível do caso concreto, possuindo caráter de abstração e generalização bastante para ser sindicável perante o Tribunal Constitucional, evidenciando-se a natureza normativa do objeto do recurso.

[…].»

2. Conforme relatado na decisão ora reclamada, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da decisão do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, proferida em 31 de janeiro de 2019, que lhe negou a concessão da liberdade condicional. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 22 de maio de 2019, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

3. Na Decisão Sumária n.º 538/2019, entendeu-se não tomar conhecimento do recurso com os seguintes fundamentos:

«5. Tendo em atenção o que consta do requerimento de interposição de recurso, verifica-se que o mesmo tem por objeto as seguintes questões:

i. A inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal (“CP”), segundo a qual, para preenchimento dos requisitos de prevenção especial, pode ser afastado o arrependimento provado por sentença transitada em julgado, por violação dos artigos 29.º n.º 5, 20.º n.ºs l e 4, 26.º n.ºs 1 e 2, 37.º n.ºs 1 e 4, 30.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, 29.º, n.ºs 4 e 5, 266.º, n.º 2 e 3.º, 13.º, 205.º, 266.º, n.ºs 2 e 3 da CRP;

ii. A inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do CP, segundo a qual, para afastamento do requisito de prevenção especial, possam ser valoradas supostas declarações indiretas do arguido acerca dos factos supostamente prestadas perante Técnico da DGRSP, não documentadas, nem assinadas, nem gravadas, estando o arguido desacompanhado de Advogado, por violação dos artigos 29.º, n.º 5, 20.º, n.ºs l e 4, 26.º, n.ºs 1 e 2, 37.º, n.ºs 1 e 4, 30.º, n.º 5, 32.º, n.º 1, 29.º, n.ºs 4 e 5, 266.º, n.º 2, e 3.º, 13.º, 205.º, 266.º, nºs 2 e 3 da CRP;

iii. A inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 61.º, n.º 2, alínea...

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