Acórdão nº 512/19 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução01 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 512/2019

Processo n.º 304/19

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. e B., notificados da Decisão Sumária n.º 400/2019, que não conheceu do mérito dos recursos de constitucionalidade por aqueles interpostos, vêm reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

Os reclamantes, recorrentes nos presentes autos, em que são recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal, foram condenados, por sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, pela prática de uma contraordenação prevista e punida pela alínea r) do artigo 211.º do RGICSF e de uma contraordenação prevista e punida pela al. g) do artigo 211.º do RGICSF, nas coimas parcelares, respetivamente, de €300.000 (trezentos mil euros) e de €250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) e, em cúmulo jurídico, na coima única de €400.000 (quatrocentos mil euros). Foram ainda condenados nas sanções acessórias de publicação da punição definitiva e de inibição de cargos sociais e de funções de administração, direção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de cinco anos.

Posteriormente, por despacho do o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, foi declarado extinto, por prescrição o procedimento contraordenacional quanto à prática pelos arguidos, ora reclamantes, de uma contraordenação, especialmente grave, prevista e punida pelo artigo 211.º, al. r) do RGICSF – 1.ª infração (cf. alínea c) do dispositivo de tal despacho), tendo-se julgado improcedente a extinção, por prescrição, do procedimento contraordenacional quanto à prática pelos arguidos, ora reclamantes, de uma contraordenação, especialmente grave, prevista e punida pelo artigo 211.º, al. g) do RGICSF – “2.ª infração” (cf. alínea d) do dispositivo de tal despacho).

Os arguidos recorreram deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 12 de fevereiro de 2019, negou provimento aos referidos recursos.

Deste acórdão interpuseram então os ora reclamantes os presentes recursos de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«3. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: (i) ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); (ii) tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; (iii) a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (cf., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).

Faltando um destes requisitos cumulativos, este Tribunal não pode conhecer do recurso.

Vejamos, pois.

Em primeiro lugar, importa notar que a circunstância de o recurso ter sido admitido não vincula este Tribunal Constitucional quanto ao juízo de admissibilidade do recurso, conforme dispõe o número 3 do artigo 76.º da LTC.

Em segundo lugar, é manifesto que, pelo menos, o requisito que demanda a suscitação, prévia e processualmente adequada, de uma questão de constitucionalidade normativa não se mostra observado.

Com efeito, compulsadas as alegações de recurso, apresentadas para o Tribunal da Relação, pode ler-se no ponto BB. e FF. das conclusões de recurso de ambos os Recorrentes:

«BB. Em concreto, a decisão recorrida violou o art. 628.º do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP, ex vi art. 41.º RGCO, ex vi art. 232.º RGICSF, o que desde já se argui para os devidos efeitos legais, atendendo a que o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em 07.09.2015, transitou em julgado, para o Recorrente em 22.07.2016, por exaurimento de todas as vias recursivas.

FF. Ora, considerando nesta parte, os termos supra expostos, concernentes à violação do caso julgado formal, os quais aqui se têm por integralmente reproduzidos, não podemos deixar de considerar que é claro e notório que a decisão do Tribunal a quo, porque ofensiva do caso julgado formal da decisão condenatória proferida em 07.09.2015 e transitada em julgado em 22.07.2016, violou o princípio constitucional do estado de direito democrático consagrado no art. 2.º da CRP, inconstitucionalidade esta, que se argui para os devidos efeitos legais».

É pacífico, na jurisprudência deste Tribunal, o entendimento de que o recorrente constitucional pode impugnar, quer o preceito propriamente dito, no seu teor literal, quer a dimensão normativa com que o preceito ou um conjunto de preceitos, enquanto fundamento decisivo para resolver o pleito, foram interpretados pelo Tribunal recorrido. Em qualquer das circunstâncias, porém, o controlo da constitucionalidade, acometido a este Tribunal, circunscreve-se a conteúdos normativos, não se configurando nunca o processo constitucional como um contencioso de decisões.

Vem isto a propósito do sobredito requisito, atinente à suscitação, prévia e processualmente adequada, de uma questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, nos casos, como sub judice, em que o recorrente constitucional impugna a dimensão normativa de conjunto de preceitos (arco legislativo) é seu o ónus de fundar o recurso no critério ou padrão normativo estribado numa regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica.

Ora, como resulta evidente do cotejo da transcrição supra, tal requisito não se mostra observado pelos Recorrentes [ “], porque ofensiva do caso julgado formal da decisão condenatória proferida em 07.09.2015 e transitada em julgado em 22.07.2016, violou o princípio constitucional do estado de direito democrático consagrado no art. 2.º da CRP”]. Na verdade, com mediana clareza, se descortina que a formulação seguida pelos Recorrentes assenta nas circunstâncias do caso concreto, sendo a forma como se coloca a questão animada pela censura dirigida à sindicância do ato de julgamento e às operações subsuntivas, próprias e irrepetíveis, do caso concreto. Sucede que, a permitir-se que este Tribunal Constitucional procedesse à sindicância pretendida pelos Recorrentes, estar-se-ia a invadir a esfera de competência de outros Tribunais, escrutinando o raciocínio lógico-dedutivo de natureza infraconstitucional levado a cabo pelos tribunais comuns, para o que inexiste respaldo legal, dado que o nosso ordenamento jurídico não consignou a figura do recurso de amparo.

Do mesmo vício de falta de normatividade padece a pretensa questão de constitucionalidade, tal como enunciada no requerimento de recurso:

«A inconstitucionalidade da norma do art. 628º do CPC, aplicável ex vi art. 4º do CPP, ex vi art. 41º RGCO, ex vi art. 232º RGICSF, por violação do Princípio Constitucional do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da CRP, quando interpretada e aplicada no sentido de permitir que a decisão condenatória transitada em julgado para todo o procedimento contra-ordenacional (a qual não foi alterada sequer por Acórdão do Tribunal da Relação), na qual é fixado o início do prazo prescricional do procedimento contraordenacional, seja alterada por outra sentença que decide alterar a data do início daquele prazo, já anteriormente fixado e transitado em julgado, sendo a presente inconstitucionalidade suscitada nos termos e para efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP».

Ou seja, para além de questão não estar enunciada em termos coincidentes com a formulação adotada nas conclusões do recurso para o tribunal recorrido, também se verifica que a enunciação da questão carece de clareza e inteligibilidade, faltando-lhe a descrição de uma interpretação normativa, suscetível de aplicação a um número indeterminado de casos e de formulação em termos gerais e abstratos, de molde a permitir a comunicação aos operadores judiciários do sentido normativo com que o conjunto de preceitos impugnados não pode ser aplicado sob pena de inconstitucionalidade.

Donde, não tendo sido suscitada, de modo prévio e processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa, nem se revestindo o objeto dos recursos de natureza normativa, não podem os presentes recursos ser admitidos (artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2, ambos da LTC).».

3. Nas suas reclamações – cujo teor, no que ora releva, é idêntico –, os recorrentes referem, entre o mais, o seguinte (cf., respetivamente, fls. 3499-3514 e 3517-3532):

«[…]

III. QUESTÃO PRÉVIA

III.A. DO VALOR DA COIMA APLICADA AO RECLAMANTE

1.º

Resulta do Relatório da douta Decisão Sumária que o ora Reclamante foi condenado numa coima no valor de € 350.000 (trezentos e cinquenta mil euros), acompanhada da sanção acessória de inibição do exercício de cargos por um período de cinco anos;

2.º

Porém, a coima no qual o Reclamante foi condenado foi efetivamente no valor de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros), conforme resulta da Decisão condenatória colocada em crise!

3.º

Pelo que urge que seja feita a respetiva correção ao valor da coima, o que se peticiona!

[…]

IV. DA VERIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE NORMATIVA

10.º

A competência atribuída ao Tribunal...

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